O olhar dos professores sobre as avaliações externas e seus impactos nas práticas pedagógicas

O olhar dos professores sobre as avaliações externas e seus impactos nas práticas pedagógicas

Cléia Souza Correa

Acadêmica em Licenciatura em Ciências Biológicas (IFNMG/Salinas)

 Larissa Mendes Santos

Acadêmica em Licenciatura em Ciências Biológicas (IFNMG/Salinas)

As avaliações externas são um dos principais mecanismos para elaboração de políticas públicas no sistema de ensino, redirecionando metas para as unidades escolares pelo bom desempenho das escolas; no contexto mundial, essas avaliações têm o objetivo de igualar a permanência do aluno na escola com a qualidade do processo ensino-aprendizagem (Santos et al., 2013).

No Brasil, tais avaliações ganharam destaque em 1990, com a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1995 com a criação do ENC (Exame Nacional de Cursos) e em 1998 com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Esses programas foram criados com a justificativa de fornecer informações sobre processos educacionais nas duas esferas, municipal e estadual, a fim de conduzir as políticas públicas de desempenho dos alunos (Machado, 2012). De modo geral, todas essas avaliações consistem em testes para averiguar as habilidades dos alunos em Português e Matemática visando bons resultados.

Nesse contexto, a busca pelos bons resultados se tornou um grande desafio para a comunidade escolar, principalmente para os professores, pois estes devem identificar as dificuldades na leitura, escrita, interpretação e resoluções de problemas e estabelecer estratégias pedagógicas para a obtenção de bons resultados; dessa forma, o professor vem sendo muito pressionado para aumentar os índices da escola e deve se mobilizar a todo custo para que isso aconteça.

Mas, afinal, como os professores e gestores do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – Câmpus Salinas lidam com as avaliações externas?
O objetivo deste trabalho é discutir o papel de tais avaliações e suas implicações na instituição com base na percepção dos professores e supervisores do IFNMG – Câmpus Salinas. A pesquisa foi realizada mediante entrevista semiestruturada com gestores, supervisores e docentes de Matemática, Português, Biologia, Física e Química do Instituto.

Avaliações externas no Brasil

A avaliação é um instrumento fundamental para as práticas pedagógicas, pois permite ao professor acompanhar o desempenho dos alunos e o desenvolvimento no trabalho escolar (Vidal, 2003). Nesse sentido, é importante considerar que as avaliações se refletem nas ações elaboradas pelos docentes e discentes no ambiente escolar.

O Saeb é composto por avaliações externas com o objetivo de realizar um diagnóstico da Educação Básica brasileira e fatores que possam interferir no desempenho dos alunos, mostrando a qualidade do ensino ofertado; os resultados visam contribuir para a melhoria da qualidade e eficiência do ensino. O Saeb é composto por três avaliações externas: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb), Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil, e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). A Provinha Brasil é outro tipo de avaliação externa aplicada para alunos do segundo ano do Ensino Fundamental de escolas públicas brasileiras, com o objetivo de investigar as habilidades desenvolvidas por essas crianças em Língua Portuguesa e Matemática (Brasil, 2015).

Outro tipo de avaliação que tem grande representatividade é o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), criado pelo MEC em 1998 como instrumento para avaliar o desempenho dos estudantes no término da Educação Básica; ele visa avaliar o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias ao exercício pleno da cidadania (Maluzá, 2014). A partir de 2000, o exame passou a ser utilizado como modalidade, de modo integral ou parcial, para seleção a vagas disponibilizadas por 61 instituições de Ensino Superior, incluindo algumas grandes universidades. Atualmente, é uma das principais vias de acesso ao Ensino Superior do país. Além dessas avaliações, o Inep também é responsável pelo Pisa; essas avaliações consistem em indicar reformas educacionais com base nos resultados obtidos; no decorrer de cada ciclo da avaliação, uma área cognitiva é alvo, sendo alternada a cada três anos.

Os dados das avaliações do Pisa realizado em 2015 mostraram que o Brasil possui média inferior às médias estabelecidas pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), porém as escolas federais obtiveram bons resultados, quando comparadas às outras esferas; é preciso, contudo, levar em conta que o número de redes federais ainda é muito pequeno, em relação a outras redes. De certa forma, essas avaliações são importantes, pois oferecem diagnósticos e apontam as principais dificuldades dos alunos, mas por outro lado não podem ser utilizadas para representar a população total de estudantes do país, pois representam apenas uma parcela dessa totalidade.

Outro fator é que, baseadas nos resultados, serão elaboradas propostas para que haja melhorias na educação, como a reforma do Ensino Médio e metas como a meta 7 do PNE (Plano Nacional de Educação), que visa aumentar o valor do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nas escolas; isso implica que, se o país tiver estudantes com boas notas e aprovações, indica que houve melhoras no sistema educacional. Entretanto, essa é uma medida reguladora, pois pelos resultados das escolas analisa-se se o “investimento” foi significativo ou não, ou seja, ao invés de ser um diagnóstico, passa a ser um receio por parte das escolas para não perder seus recursos.

Isso mostra que a escola é responsável pelos resultados de seus alunos, e muitas vezes isso gera desigualdade, competição, pois são fixados padrões de desempenho, coagindo os professores e alunos a alcançar bons resultados.

Influências neoliberais na educação

O neoliberalismo, teoria baseada no liberalismo, que nasceu nos Estados Unidos da América e teve como alguns dos seus principais defensores Friedrich A. Hayeck e Milton Friedman. A política neoliberal é um conjunto de ideias políticas, econômicas e capitalistas que defendem a ausência da participação do Estado na economia, em que deve haver total liberdade de comércio para garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país (Pereira, 2009).

A hegemonia neoliberal, no entanto, não exerce controle apenas sobre os fatores econômicos; também possui grande influência na elaboração de políticas públicas educacionais e tem entrado nos ministérios, nas secretarias e nas escolas de maneira impactante e ofensiva. Essa ideologia tem transformado a educação de acordo com os interesses de mercado e vem influenciando os princípios e os valores educacionais em todos os níveis e categorias.

A formação crítica vem sendo substituída por uma formação tecnicista, em que o foco é apenas o currículo, disciplinas como Sociologia e Filosofia são vistas como desnecessárias ou como disciplinas que propagam ideologias (Senkeevics, 2012). Na perspectiva neoliberal, é preciso transformar o sistema educacional e introduzir mecanismos que regulem a eficiência, a produtividade dos professores e alunos e uma ampla reforma curricular. Para a política neoliberal, a ausência de um verdadeiro mercado educacional permite compreender a crise de qualidade que invade as instituições escolares (Gentili, 1996).

As políticas neoliberais têm difundido um novo tipo de gerenciamento nas instituições educacionais e se tornaram alvo de avaliações metódicas em larga escala, com atenção especial à produção de dados quantitativos. Dentro dessa ótica, as instituições educacionais devem ser passíveis de auditoria e avaliação que promovem a disputa entre escolas, entendidas como empresas que competem entre si (Senkeevics, 2012).

Corroborando essa ideia, Gentili (1996, p. 8) afirma que, para as organizações neoliberais, as instituições escolares precisam ser pensadas e avaliadas como se fossem empresas produtivas. Produz-se nelas um tipo específico de mercadoria; consequentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios de avaliação que se aplicam a toda empresa dinâmica, eficiente e flexível.

Assim, a escola é vista como uma fábrica de máquinas; serve apenas para atender a demanda do mercado de trabalho, desconsiderando o seu papel social na formação critica e cidadã do individuo. A “ofensiva neoliberal” pretende a diminuir de maneira drástica a qualidade intelectual da educação, a favor de uma qualidade mercadológica, buscando resultados rápidos para atender os interesses empresariais (Senkeevics, 2012).

Nesta pesquisa foram entrevistados onze profissionais do IFNMG - Câmpus Salinas, sendo dez professores e um supervisor. No princípio buscou-se saber como a instituição lida com as avaliações externas realizadas no Ensino Médio.

Dos dez professores entrevistados, sete disseram que uma das avaliações mais trabalhadas na instituição é o Enem. Segundo os professores, são feitos testes simulados que visam a preparar os alunos para a prova; ali são elaboradas questões de diversas áreas do conhecimento, reforçam também a importância de preparar os alunos para essas avaliações, uma vez que elas se refletem na qualidade de ensino do câmpus.

Ao serem questionados sobre as propostas de trabalho realizadas após os resultados das avaliações externas, os entrevistados disseram que há uma necessidade maior de treinamento dos alunos, e para isso são organizadas comissões desenvolvendo simulados e propostas para identificar aquilo que não foi positivo, de forma que outras turmas não tenham esses problemas; assim, os professores são incentivados a trabalhar as dificuldades encontradas pelos alunos. Percebe-se ainda que há preocupação dos professores e gestores em preparar os alunos para as provas, uma vez que os institutos federais, de modo geral, também adotam o Enem como instrumento de processo seletivo para o Ensino Superior. Sendo assim, o exame impacta tanto no projeto pedagógico da instituição como nas práticas pedagógicas.

Para o supervisor entrevistado, as avaliações externas são apenas medidas para gerar orçamento para as escolas.

As avaliações avaliam uma parte do ensino, mas não indicam as condições para o professor trabalhar. Servem somente como medida para gerar orçamento da escola, tudo é para o lado do setor financeiro. Essas provas estão atreladas às condições escolares com a quantidade de aprovação. A bolsa escola estava ligada a isso, fazia parte do orçamento, e era boa porque obrigava o aluno a ir para escola se não a família perdia o dinheiro. Mas essas provas deviam indicar ou buscar mostrar a realidade das escolas e buscar recursos para a melhoria, melhorar a condição de trabalho, dar motivação para o aluno, bolsas, até a qualidade da merenda, fazendo a escola ser um lugar bem prazeroso – e não dar a recompensa de acordo com a nota da escola, isso é ruim para todos. É totalmente diferente dos países desenvolvidos.

Pode-se notar que a maioria dos entrevistados acredita que a qualidade da escola está diretamente relacionada aos resultados das avaliações, principalmente por serem portas de entrada para os cursos superiores; por outro lado, alguns professores destacaram que essas avaliações deveriam trazer melhorias para as escolas e não recompensá-las por notas. Essa ideia vem ao encontro de Chirinéa & Barreiro (2009), que afirmam que uma boa escola é aquela que tem boa estrutura, recursos humanos e processos de ensino-aprendizagem – e não aquelas que “produzem” e atendem as demandas do mercado de trabalho.

A compreensão sobre o olhar da gestão e professores sobre as avaliações externas faz refletir no quanto elas estão inteiramente ligadas às decisões voltadas para a educação no nosso país, pois é com base nisso que o governo verifica se o investimento está sendo significativo, ou seja, ao invés de ser um diagnóstico, passa a ser um “receio” das escolas para não perder seus recursos; por isso nota-se uma preocupação maior em melhorar as habilidades dos alunos para obter bons resultados.

Dessa forma, é preciso rever o papel dessas avaliações, de modo que elas passem a ser compreendidas como uma busca de melhorias na educação, para que promovam cidadãos críticos que tenham formação social, que propiciem qualidade para a educação desenvolvendo a capacidade dos alunos possibilitando que eles enfrentem e resolvam os diversos desafios, transformando sua realidade – e não sejam apenas mais uma “mercadoria” para o mercado de trabalho.

Referências

CHIRINÉA, A. M.: BARREIRO, I. M. F. Qualidade da educação: eficiência, eficácia e produtividade escolar. Universidade Estadual Paulista, Marília, 2009.

ENGUITA, Mariano Fernández. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso.

In: GENTILI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu. Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. Brasília, 1996.

GEWEHR, G. G. Avaliação da educação básica: políticas e práticas no contexto de escolas públicas municipais. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) – PUC-PR. Curitiba, 2010.

INEP. Nota técnica: índice de desenvolvimento da educação básica – Ideb. Disponível em: www.inep.gov.br. Acesso em 28 jun. 2017.

MACHADO, Cristiane. Avaliação externa e gestão escolar: reflexões sobre usos dos resultados. Revista @mbienteeducação, v. 5(1), p. 70-82, jan./jun. 2012.

MIZUKAMI, M. G. N. Formadores de professores, conhecimentos da docência e casos de ensino. In: REALI, A. M. M. R.; MIZUKAMI, M. G. N. Formação de professores, práticas pedagógicas e escola. São Carlos: UFSCar/Inep/Comped, 2000.

SANTOS, et al. Avaliações externas e seus impactos nas práticas pedagógicas: percepções e visões preliminares. Universidade de Uberaba. Uberaba, v. 1, n. 1, p. 38-50, 2013.

SENKEEVICS, Eduardo. As políticas neoliberais na Educação: um panorama. Disponível em: https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/08/09/as-politicas-neoliberais-na-educacao-um-panorama-geral/. Acesso em: 10 jul. 2017.

VIDAL, Vera Maria et al. Avaliação institucional. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2003.

 

Publicado em 23 de outubro de 2018

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