Contribuições para a formação inicial docente em Matemática – Experiências do Projeto Bolsa Licenciatura

Carlos Augusto Aguilar Júnior

Mestre em Ensino de Matemática (PEMat/UFRJ) e doutorando em Educação (ProPEd-UERJ), professor de Matemática (EBTT) do Colégio Universitário da UFF

Olinda Mioka Chubachi

Mestre em Engenharia de Produção (UFF), professora de Matemática (EBTT) do Colégio Universitário da UFF

Denise Campos Soares de Andrade

Licencianda em Matemática (UFF)

Entendemos que o processo de ensino-aprendizagem é uma relação imbricada, indissociável entre ensino e aprendizagem: não se aprende sem ensinar e não se ensina quando não se aprende. Nessa relação, o professor ganha centralidade como mediador do processo. E, em sua função de ensinar (além de aprender e reaprender o significado de conceitos e temas desenvolvidos por ele), notamos, como sinaliza Shulman (1986), que os saberes do professor se agrupam em três vertentes: o conhecimento do conteúdo a ser ensinado, o conhecimento da didática do conteúdo a ser ensinado e o conhecimento sobre o currículo adotado.

O estágio supervisionado é o laboratório onde essas vertentes dos saberes docentes são ou deveriam ser exploradas, verificadas, corrigidas, aprimoradas, ressignificadas. Nesse sentido, acreditamos que os cursos de formação de professores devem dedicar especial atenção para esse momento crucial da formação do professor.

Pretendemos, com o Projeto Bolsa Literatura, valorizar o espaço da prática para além do estágio supervisionado para os licenciandos em Matemática da UFF, oportunizando o Coluni como espaço diferenciado nesse processo de formação do profissional docente, de modo que possa assumir um papel mais proativo em sua profissão. O Colégio Universitário Geraldo Reis possibilita aos estudantes das licenciaturas um espaço de vivência da prática de ensino por meio de estágios supervisionados e de projetos de iniciação à docência. O projeto objetiva proporcionar ao aluno licenciando em Matemática o espaço e as condições para o desenvolvimento da prática docente vinculada à pesquisa sobre sua própria prática.

Além desta introdução, o presente artigo se divide em outras três seções: referencial teórico-metodológico, no qual descrevemos a literatura a que recorremos para construção e seleção de atividades; explorando as atividades com as turmas, onde descrevemos e ilustramos as atividades realizadas com cada uma das turmas; e as considerações finais.

Referencial teórico-metodológico

No âmbito do projeto, realizamos junto com os estudantes das turmas acompanhadas pela bolsista atividades diferenciadas que permitissem tanto para os alunos quanto para a bolsista uma experiência com materiais manipulativos, jogos e tecnologias da informação e comunicação (TIC). Para isso, realizamos pesquisa na internet para levantamento de bibliografia sobre o tema, bem como propostas de atividades, com seu planejamento e objetivos pedagógicos a serem alcançados, para então construir a atividade.

Para transformar a Matemática em algo concreto, o uso de softwares torna o processo de aprendizado mais interessante, por ser um recurso muito utilizado no cotidiano dos alunos e por tornar o ensino mais interativo e dinâmico. Acreditamos que o uso das TIC facilita a visualização de objetos matemáticos, possibilitando uma aprendizagem mais significativa, pois a visualização é uma das habilidades mais importantes para o desenvolvimento do aluno com relação aos conceitos de Geometria, como já preceituava Van Hiele. Além da visualização, a teoria de Van Hiele estabelece cinco passos ou etapas ordenadas de evolução do entendimento e compreensão da Geometria: visualização, análise, dedução informal, dedução formal e rigor. O uso de softwares de Geometria Dinâmica poderia estimular a compreensão mais significativa de Geometria, uma vez que a facilidade de manipulação dos objetos matemáticos via software, além de ser mais “econômica” do ponto de vista do tempo de aula, permite maior interação e experimentação do estudante com o objeto de estudo.

Também se faz uso importante das TIC para construção de conceitos ou sua consolidação no campo do estudo das funções que, de acordo com Soares e Villa-Ochoa (2012), facilita a visualização de conceitos e propriedades matemáticas abstratas, além da manipulação de objetos, o que permite formular questões e conjecturas para validá-las ou refutá-las e testar a validade de algumas propriedades. Nesse sentido, Arcavi (2003, p. 215) salienta que a visualização é essencial para nossa interação biológica e sociocultural com o ambiente no qual estamos inseridos, o que torna importante para o ambiente da sala de aula de Matemática a utilização deste recurso.

A utilização das TIC em conjunto com materiais manipulativos proporciona uma experiência importante para a construção de conceitos e assimilação de propriedades, formulação de conjecturas e elaboração e testagem de hipóteses. Buscando unir o ensino de Geometria e atividades lúdicas, foi utilizada a construção de origamis em sala de aula, pois, segundo Dante (2005, p. 60), “devemos criar oportunidades para as crianças usarem materiais manipulativos (…). A abstração de ideias tem sua origem na manipulação e atividades mentais a ela associadas”.

O uso de jogos matemáticos mostra que o aprendizado pode ser feito de forma descontraída, desfazendo o preconceito do ensino da Matemática. De acordo com Cabral (2006, p. 13), o uso de jogos educativos em Matemática é uma possibilidade potente a romper com o “tradicionalismo”, permitindo ao estudante um papel mais proativo na construção do conhecimento a ser aprendido. Groenwald e Timm (2002) defendem que os jogos educativos possibilitam aprendizagem se construindo de forma divertida e interessante para os estudantes, salientando que “há três aspectos que por si só justificam a incorporação do jogo nas aulas. São estes: o caráter lúdico, o desenvolvimento de técnicas intelectuais e a formação de relações sociais” (p. 3).

Jogos constituem uma possibilidade de metodologia de ensino por mobilizar raciocínio, formulação e verificação de hipóteses, mediante a experiência da tentativa e do erro que os jogos proporcionam, sem falar da interação social que essas atividades fomentam. Possibilitam, assim, uma maneira diferenciada de abordar e de resolver os problemas colocados nas aulas de Matemática, competência fundamental afirmada nos PCN (Brasil, 1998) e reafirmada na BNCC (2016a). OS PCN (1998) assim destacam o papel do jogo:

Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois permitem que estes sejam apresentados de modo atrativo, e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução e busca de soluções. Propiciam a simulação de situações-problema que exigem soluções vivas e imediatas, o que estimula o planejamento das ações (Brasil, 1998, p.46).

É importante não cair na armadilha de pensar que os jogos e demais atividades diferenciadas, como materiais manipulativos e uso de tecnologias digitais e da informação e comunicação, são a solução para os graves desafios da aprendizagem em Matemática, em especial no Brasil. Baumgartel (2016) apresenta o argumento de que a metodologia de ensino-aprendizagem, a partir dos resultados insatisfatórios encontrados nas avaliações da Prova Brasil/Ideb e Pisa, é um potente artifício para avançar na questão da aprendizagem. A autora cita o trabalho de doutorado de Grando (2000), que realizou extensa revisão da literatura sobre a temática do uso de jogos para aprendizagem em Matemática, destacando algumas vantagens (como apresentação e fixação de conceitos pela resolução de problemas via jogos, desenvolvimento do senso crítico, tomada de decisões e avaliação, bem como socialização e trabalho em equipe) e desvantagens em seu uso (por exemplo, atribuir ao jogo o caráter de mero passatempo, reforçar falsas concepções, não se atentando para alguns hipóteses “furadas” elaboradas e mal testadas no jogo, além de, para atender aos anseios do professor, impor-se um caráter coercitivo para participação na atividade lúdica).

Feitas essas considerações a respeito dos referenciais que nos ajudaram a refletir sobre as atividades e sua aplicação junto às turmas, passemos a uma breve descrição de cada atividade realizada.

Explorando as atividades realizadas com as turmas

Durante o ano letivo de 2017 foram aplicadas duas a três atividades por turma envolvendo os recursos citados, em que as bolsistas pesquisaram os assuntos em que os alunos tinham mais dificuldades. Podemos destacar algumas atividades.

No 6º ano, “Dominó com frações” e “Construção de sólidos com materiais manipuláveis”, a fim de explorar na primeira atividade o conceito de fração, além de sua a representação, leitura e escrita, e desenvolver a concentração e o raciocínio lógico dos alunos; na segunda atividade, introduzir o conceito de poliedros e mostrar a visualização espacial deles.


Figura 1: Atividade de dominó realizada com a Turma 601

No 7º ano, “Bingo aritmético” e “Explorando o frac-soma”, a fim de estudar de maneira lúdica o conceito de equação e fração.


Figura 2: Atividade com bingo realizada na Turma 701

No 8º ano, “Construção do par de esquadros em origami” e “Congruência de triângulos”, em que, além de proporcionar um momento descontraído durante as dobraduras, foi revisado o conteúdo abordado em sala.


Figura 3: Atividade com triângulos congruentes realizada na Turma 801

No 9º ano, “Batalha naval com formas geométricas”. Esse jogo apresentava o plano cartesiano, localização de coordenadas, pontos e figuras geométricas no plano.


Figura 4: Atividade Batalha naval, com planos cartesianos

No Ensino Médio, destacaram-se algumas atividades.
No 1º ano, “Explorando funções com o GeoGebra”, com o objetivo de identificar uma função do segundo grau, representá-la graficamente e calcular o vértice de uma parábola, além de estudar a variação do sinal da função, compreendendo o significado de seus coeficientes.


Figura 5: Funções no Geogebra, com a Turma 1001

No 2º ano, a atividade realizada foi “Batalha naval no círculo trigonométrico”, que tinha como principal objetivo auxiliar no aprendizado do círculo trigonométrico e na conversão de graus para radianos.


Figura 6: Atividade Batalha naval (círculo trigonométrico)

No 3º ano, a atividade foi “Construindo poliedros em origami”, que objetivava a construção da relação de Euler (V+F = A+2).


Figura 7: Atividade de construção de cubo e tetraedro

Durante o processo de elaboração de cada atividade, foram feitas reuniões com os professores e orientadores e discussões com os alunos, de forma que fosse possível trazer para dentro de sala atividades que colaborassem para uma melhor compreensão de conceitos específicos que despertavam dificuldades para os alunos.

No final da aplicação de cada uma das atividades, foi realizado um questionário, a fim de avaliar a fixação do conteúdo, verificando se o propósito foi alcançado, o desempenho da bolsista e a satisfação dos alunos perante a aplicação das atividades, de forma que pudemos também nos avaliar e melhorar cada vez mais na elaboração delas.

Fazendo uma autoavaliação, vemos que o projeto foi essencial para o crescimento e o amadurecimento das bolsistas, contribuindo significativamente para sua formação como futuras professoras, e para a formação dos alunos, pois eles puderam contar com a ajuda diretamente da orientanda do projeto, além de criar laços de amizade entre eles e com professores, aumentando a confiança entre eles.

Considerações finais

As atividades elaboradas partiram das dificuldades apresentadas pelos alunos ou detectadas durante as aulas regulares. A pesquisa feita tem como foco o conhecimento do aluno antes e depois das atividades aplicadas, analisando o nível de interesse, fixação do conteúdo e questionamento do aluno, desejando tornar a Matemática mais intrigante e prazerosa no processo de ensino e aprendizagem.

Consideramos que o aprendizado é um eterno processo de construir conhecimento, que vai muito além do ensino dentro de aula, de maneira que podemos perceber que o significado de educação não se resume apenas a instruir pessoas sobre sua disciplina, mas a receber orientações – dos professores com suas experiências ou dos próprios alunos, que também são detentores de conhecimento, de forma que essa troca de saber seja realizada da forma mais afetuosa possível.

Referências

ARCAVI, Abraham. The role of visual representations in the learning of Mathematics. Educational Studies in Mathematics, v. 52, p. 215–241, 2003. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1023/A:1024312321077. Acesso em 15 ago. 2018.

BAUMGATEL, Priscila. O uso de jogos como metodologia de ensino da Matemática. Anais do XX EBRAPEM – 20º Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Ensino de Matemática. Curitiba, 12 a 14 de novembro de 2014. Disponível em http://www.ebrapem2016.ufpr.br/wp-content/uploads/2016/04/gd2_priscila_baumgartel.pdf. Acesso em 6 ago. 2018.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em 10 ago. 2018.

CABRAL, Marco Aurélio. A utilização de jogos no ensino de Matemática. 52f. Monografia de final de curso (Licenciatura em Matemática). Departamento de Matemática, Centro de Ciências Físicas e Matemáticas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006. Disponível em: http://www.pucrs.br/ciencias/viali/tic_literatura/jogos/Marcos_Aurelio_Cabral.pdf. Acesso em 2 ago. 2018.    

DANTE, Luiz Roberto. Didática da resolução de problemas de Matemática. 12ª ed. São Paulo, 2005.

GRANDO, Regina Célia. O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala de aula. 239f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2000. Disponível em: https://pedagogiaaopedaletra.com/wp-content/uploads/2012/10/O-CONHECIMENTO-MATEM%C3%81TICO-E-O-USO-DE.pdf. Acesso em 6 ago. 2018.

GROENWALD, Cláudia L. O.; TIMM, Ursula Tatiana. Utilizando curiosidades e jogos matemáticos em sala de aula. SóMatemática – Artigos. Disponível em https://www.somatematica.com.br/artigos/a1/. Acesso em 2 ago. 2018.

SHULMAN, Lee. Those who understand: knowledge growth in teaching. Education Researcher, v.15, p. 4-14, 1986. Disponível em: http://www.fisica.uniud.it/URDF/masterDidSciUD/materiali/pdf/Shulman_1986.pdf. Acesso em 20 ago. 2017.

SOARES, Debora da Silva; VILLA-OCHOA, Jhony Alexander. Tecnologias da informação e comunicação, função composta e regra da cadeia. Bolema, Rio Claro, v. 26, n. 42A, p. 371-379, abr. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/bolema/v26n42a/17.pdf. Acesso em 2 ago. 2018.

Publicado em 06 de novembro de 2018

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