História da África e cultura afro-brasileira: desafios e possibilidades no contexto escolar

José Clécio Silva e Souza

Bacharel em Serviço Social (Unopar), licenciado em História (Uniasselvi), especialista em História da Cultura Afro-Brasileira (Face Bahia), docente de História e Matemática na E. M. Manoel Moura de Souza, em Delmiro Gouveia/AL, e de História na E. M. N. S. do Rosário, em Inhapi/AL

Grande parcela da população brasileira é formada por negros e pardos; segundo pesquisas, o Brasil é o país com a segunda maior população de origem africana no mundo, ficando atrás apenas da Nigéria. Os africanos trouxeram para o país suas crenças, sua culinária e suas formas de sociabilidade. Todavia, com toda a riqueza da influência das matrizes africanas em nossa cultura, sabemos muito pouco sobre esse continente e sua cultura, assim como a sua contribuição para a cultura brasileira.

A força e a influência da cultura que os africanos reconstruíram em terras brasileiras são inegáveis. No entanto, até pouco tempo atrás essas contribuições culturais não eram reconhecidas ou valorizadas; quando eram, remetiam a uma situação de diferença entre negros e brancos, porque eram pensadas em termos raciais.

Os livros didáticos, os noticiários dos jornais e outros meios de informação, na sua grande maioria, apresentam um conhecimento simplificado da África, que muitas vezes não permite estabelecer relações com a real importância do continente na construção de nosso país. Com a publicação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o trabalho com a temática cultura afro-brasileira e africana, toda a cultura africana passou a ser valorizada, e esse povo reconhecido e valorizado como ser humano; é uma forma de reparar todo o sofrimento que eles passaram ao serem escravizados, discriminados.

Este trabalho visa discutir a aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 no contexto escolar, a fim de conhecer como se dá essa abordagem e sua importância para a valorização da cultura e do respeito à diversidade.

Este artigo apresenta inicialmente breve contextualização da história dos africanos no Brasil; em seguida, reflete acerca da Lei nº 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, documento que embasa a Lei nº 10.639/03.

Finalizando o trabalho, apresentam-se os resultados de uma pesquisa de campo realizada em uma escola pública em Delmiro Gouveia/AL que teve como objetivo conhecer e compreender como se dá na instituição o trabalho como a temática.

Africanos no Brasil: breve contextualização histórica

No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar, na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros de suas colônias na África para utilizar como mão de obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos no Brasil como se fossem mercadorias. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.

O transporte da África para o Brasil era feito nos porões dos navios negreiros. Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil; os corpos eram lançados ao mar. Nas fazendas de açúcar ou nas minas de ouro (a partir do século XVIII), os escravos eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam muito (de sol a sol), recebendo apenas trapos de roupa e alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas (galpões escuros, úmidos e com pouca higiene) acorrentados para evitar fugas. Com frequência eram castigados fisicamente; o açoite era a punição mais comum no Brasil Colônia.

Eles eram proibidos de praticar sua religião de origem africana e de realizar suas festas e rituais. Tinham que seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, e adotar a língua portuguesa na comunicação. Mesmo com todas as imposições e restrições, não deixaram sua cultura se apagar. Escondidos, praticavam seus rituais, realizavam suas festas, mantinham suas representações artísticas; até desenvolveram uma forma de luta: a capoeira.

As mulheres negras também sofreram muito com a escravidão, embora os senhores de engenho utilizassem essa mão de obra principalmente para trabalhos domésticos. Cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas de leite foram comuns naqueles tempos da colônia.

No Século do Ouro (XVIII), alguns escravos conseguiam comprar sua liberdade ao adquirir a carta de alforria. Juntando alguns "trocados" durante toda a vida, conseguiam tornar-se livres. Porém as poucas oportunidades e o preconceito da sociedade acabavam fechando as portas para essas pessoas. O negro também reagiu à escravidão, buscando uma vida digna. Foram comuns as revoltas nas fazendas em que grupos de escravos fugiam, formando nas florestas os famosos quilombos. Eram comunidades bem organizadas, onde os integrantes viviam em liberdade, numa organização comunitária aos moldes do que existia na África. Nos quilombos, podiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos. O mais famoso foi o Quilombo de Palmares, comandado por Zumbi.

A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o Parlamento inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando aos ingleses o poder de abordar e aprisionar navios de países que faziam essa prática.

Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz, que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. No ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários, que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.

Herança cultural africana no Brasil

Traços da cultura afro-brasileira estão presentes hoje na música popular, na literatura, no cinema, no teatro, na televisão, para não mencionar a culinária, o carnaval e várias outras práticas populares, juntamente com grande visibilidade nas festas regionais e nacionais; e ainda existem as crenças populares. É também evidente que há uma enorme contribuição linguística africana no português falado no país, muito pouco verificado na História da Educação e com alguma propriedade nas disciplinas que trabalham o nosso vernáculo. Essa afirmação pode ser sustentada pelas palavras de Cruz (2005, p. 27):

Algumas reflexões parecem necessárias quando se tenta compreender a invisibilidade dos negros nas abordagens históricas em educação. Se por um lado esse fato pode indicar inexistência da participação desse segmento em crescentes níveis de instrução ao longo da história do Brasil, por outro pode demonstrar que mais uma vez não pareceu relevante considerar os peculiares processos de acesso aos saberes formais instituídos.

A necessidade de ser liberto ou de usufruir a cidadania quando livre, tanto durante os períodos do Império quanto nos primeiros anos na República, aproximou as camadas negras da apropriação do saber escolar, nos moldes das exigências oficiais. Sendo assim, embora não de forma massiva, camadas populacionais negras atingiram níveis de instrução quando criavam suas próprias escolas; recebiam instrução de pessoas escolarizadas; ou adentravam a rede pública, os asilos de órgãos e escolas particulares.

No que diz respeito ao esforço específico do grupo em se apropriar dos saberes formais exigidos socialmente, mesmo quando as políticas públicas não os contemplavam, fica latente a criação de escolas pelos próprios negros. Ainda se dispõe de poucos registros históricos dessas experiências, embora tenham existido.

É inegável a presença dos diferentes grupos africanos no Brasil. Esses grupos, mesmo na condição de escravos, refizeram elementos que eram parte da cultura africana, inserindo ou justapondo-os aos elementos da cultura brasileira. À medida que o africano era inserido na sociedade brasileira, tornou-se afro-brasileiro. Usa-se esse termo para indicar produtos de mestiçagens para os quais as matrizes são africanas, matrizes essas presentes na formação do povo e da cultura brasileira. Além dos traços físicos e marcas genéticas nas feições da população, a música e a religiosidade talvez sejam as manifestações culturais em que a presença africana esteja mais evidente. Dessa forma, vamos nos apropriar das características culturais de matrizes africanas presentes na cultura brasileira. A África está presente nos ditos, nas histórias, nas canções, nos brinquedos infantis, nas festas, nas danças populares, na maneira de se cumprimentar, no jeito de estar em casa e na rua. Em suma, a África está presente nas ações cotidianas.

O reconhecimento da cultura afro-brasileira e africana: a obrigatoriedade da temática na Educação Básica

O reconhecimento das contribuições dos africanos na formação do Brasil é recente. Para que os grupos étnicos africanos ganhassem visibilidade na sociedade brasileira foram necessários diversos movimentos e manifestações em prol desse reconhecimento.

Entre as medidas legais que vêm sendo adotadas está a obrigatoriedade de tratar da cultura afro-brasileira e a história da África na Educação Básica; várias políticas de reparação, reconhecimento e valorização da população afro-brasileira vêm sendo concretizadas na sociedade contemporânea. Uma dessas ações, como já sinalizado, é a Lei n° 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo da Educação Básica no país; essa lei é importante na medida em que a sociedade brasileira se apropria e reconhece o valor da história e da cultura africana, trazida pelos escravizados para o Brasil e mantida pelos seus descendentes ao longo dos tempos.

A Lei nº 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) e inclui os artigos 26-A e 79-B, que tratam da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar. No Brasil, a Lei n° 10.639/03, tem com um dos principais objetivos educar a população para as relações étnico-raciais. Essas relações dizem respeito à reeducação dos diferentes grupos étnicos e dependem de ações que priorizem trabalhos conjuntos, articulações entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais.

Compreender como se estruturam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, bem como os princípios que a norteiam, é fundamental para a inserção da temática em sala de aula, uma vez que esta vem se tornando um dos elementos essenciais para que seja refeito o caminho pelo qual se construiu uma imagem negativa dos povos africanos. A partir daí, desconstruir ideologias e mentalidades discriminatórias e preconceituosas que permeiam a sociedade contemporânea.

No entanto, a inserção dessa lei no contexto brasileiro não é algo espontâneo. Pelo contrário, ela é resultante da atuação de políticos e, principalmente, da pressão exercida por grupos de defesa dos direitos dos negros. Ou seja, a Lei n° 10.639/03 é um produto da união de forças vindas da sociedade brasileira como o Movimento Negro, por exemplo, que ao longo da história do país apresentou inúmeras reivindicações dos direitos dos negros no Brasil.

Concomitante à instauração da Lei n° 10.639/03, o Governo Federal criou em março de 2003 a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e instituiu a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. O objetivo dessas ações é promover alteração positiva na realidade vivenciada pela população negra e rumar para uma sociedade democrática, justa e igualitária, revendo os séculos de preconceitos desumanos e discriminação a que foram submetidos os afro-brasileiros. As chamadas políticas de ação afirmativa ou políticas compensatórias são muito recentes na história das ideologias antirracistas. Essas ações visam oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação.

É importante destacar que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola; exigem esforços da sociedade como um todo. De acordo com as Diretrizes Curriculares, as relações étnico-raciais deverão criar oportunidades de aprendizagens, trocas de conhecimento, desenvolvimento de projetos que visem à construção de uma sociedade justa, igual, equânime para os diferentes grupos étnicos. O Art. 26 da Lei n° 10.639/03 institui que

nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio oficiais e particulares torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo no § 1º que o conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil (Brasil, 2012).

Abordagem da História da África e cultura afro-brasileira no contexto escolar

Com a finalidade de compreender como acontece o trabalho com a temática Cultura Afro-Brasileira, realizou-se uma pesquisa de campo, com professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Castro Alves, instituição que oferta o Ensino Fundamental. O estudo foi realizado no período de julho a agosto de 2017 no Distrito de Barragem Leste, município de Delmiro Gouveia/AL, que se localiza na região alagoana dos lagos, na grande bacia do São Francisco, no semiárido, extremo oeste de Alagoas, fazendo limite com os municípios de Água Branca e Pariconha ao Norte; ao Sul, com o rio São Francisco (lago das hidrelétricas de Paulo Afonso e Xingó); a Oeste com o rio e o lago Moxotó; e a Leste com o município de Olho D’água do Casado (Figura 1). Trata-se de um município histórico, com o seu nome em homenagem ao desbravador cearense Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, fundador da Vila da Pedra, hoje Delmiro Gouveia. Possui aproximadamente 43.000 habitantes (2016) e suas principais atividades econômicas são a indústria têxtil e a pecuária. O Distrito de Barragem Leste é o maior do município de Delmiro Gouveia e tem forte e íntima ligação com a cidade de Paulo Afonso; em toda a sua história, isso já foi uma constante, e o que fora apenas ligação no curso histórico passou a ser uma dependência natural, visto que dista apenas 8 km para o centro da cidade.


Figura 1: Localização do município de Delmiro Gouveia/AL
Fonte: Google Earth.

A coleta de dados é a etapa da pesquisa em que se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e das técnicas selecionadas, a fim de efetuar a coleta dos dados previstos (Lakatos, 2003). A escola na qual foi realizada a pesquisa é uma unidade de pequeno porte, contando com aproximadamente 300 alunos matriculados em 2012, distribuídos em onze turmas nos turnos matutino, intermediário e vespertino. De acordo com os dados levantados pela instituição para o Censo Escolar 2012, cerca de 13% dos alunos são negros ou pardos. O cenário de investigação e observação da prática pedagógica foram onze professores, formados nas mais diversas áreas do conhecimento e com vasta experiência como docentes; a pesquisa teve como foco entender como se dá o trabalho com a Cultura Afro-Brasileira na instituição. Para apreensão dos dados da pesquisa, o estudo não foi feito de forma aleatória. Para esse fim, utilizaram-se os métodos necessários para conduzir aos melhores resultados. Para a realização do estudo foi feita uma pesquisa descritiva.

Tal pesquisa observa, registra, analisa e ordena os dados sem manipulá-los, isto é, sem interferência do pesquisador. Assim, para coletar tais dados, utilizam-se técnicas específicas, tais como: entrevista, formulário, questionário e observação, leitura analítica (Almeida, 1996).

Foi realizada uma pesquisa documental e bibliográfica, um tipo de pesquisa descritiva, que consistiu em consultar vários autores que discutam a aplicação da Lei nº 10.693/03 e demais diretrizes relacionadas à temática em estudo, pontuando desafios, entraves culturais, sociais e políticos que dificultam o trabalho com a temática História da Cultura Afro-brasileira, além de avanços que existem pelo país afora.

Também foram realizadas entrevistas de cunho livre e flexível com os professores da instituição, com um encontro com cada entrevistado face a face, visando à compreensão das perspectivas das pessoas entrevistadas sobre suas experiências em sala de aula. Esses atores sociais tornaram-se partes imprescindíveis para a efetivação de cada etapa da pesquisa. Aos professores foi garantido o caráter confidencial do estudo; para não afetar a imagem dos envolvidos, utilizaram-se as seguintes menções aos entrevistados: informante a, informante b, informante c etc. A entrevista foi imprescindível na realização desta pesquisa, pois, como elucida Gil (2002), entre todas as técnicas de interrogação, a entrevista é a que apresenta maior flexibilidade e pode caracterizar-se como informal, focalizada, parcialmente estruturada e totalmente estruturada. A entrevista parcialmente estruturada foi a que melhor se adequou ao estudo em evidência, pois ela “é guiada por relação de pontos de interesses que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso” (Gil, 2002, p. 117), contribuindo de forma mais precisa para que seus objetivos sejam alcançados. Nessa perspectiva, os dados apreendidos foram finalmente articulados e analisados qualitativamente, juntamente com toda a pesquisa bibliográfica.

O trabalho com a temática cultura afro-brasileira e africana

A promulgação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e Cultura Afro-brasileira, significou um grande avanço na superação dos preconceitos contra os descendentes africanos, reconhecendo sua cultura, sua história e a contribuição para a formação da nossa cultura. Na visão dos educadores entrevistados, a obrigatoriedade do trabalho com a temática representa um novo caminho para a desmistificação de alguns pensamentos e preconceitos construídos sobre os afrodescendentes; é um trabalho a ser realizado por toda a sociedade, e a escola tem grande responsabilidade nesse processo.

É importante que se inicie na Educação Básica esse trabalho de conscientização e valorização no que se refere à História da Cultura Afro-Brasileira e Africana, uma vez que as nossas raízes e muitos de nossos costumes estão diretamente ligados ao povo africano (Informante A).

É de suma importância, pois nos leva a buscar conhecimentos e conhecer a nossa cultura, a nossa formação, e mais do que isso, a realizar um trabalho contra o preconceito e valorizar a cultura africana (Informante C).

É uma iniciativa necessária e pertinente, em nosso pais, já que ele é tão miscigenado, com forte influência histórica africana na formação étnica brasileira (Informante D).

Entretanto, apesar de os profissionais reconhecerem a importância da Lei e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Parecer CNE-CP nº 03/04), que traz orientações para o trabalho com a temática, falta aos profissionais conhecimento desses documentos, do seu conteúdo, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1: Conhecimento dos entrevistados acerca dos documentos que normatizam o ensino da História da Cultura Afro-Brasileira e Africana

Percentual (%) Conhecimento da Lei nº 10.639/03 e das DCN
26 Conhece o texto na íntegra
30 Desconhece totalmente
44 Conhece parcialmente

Fonte: Pesquisa de campo, julho/agosto de 2017.

Uma justificativa para não ter conhecimento dos documentos que regem o trabalho com a temática é o fato de terem concluído os estudos, seja em nível de graduação ou pós-graduação há alguns anos, quando não se era dada tanta ênfase à temática.

Tenho conhecimento superficial da lei, mas já tive acesso ao texto, porém desconheço totalmente as DCN (Informante B).

Conheço superficialmente, pois faz anos que parei de estudar e não paramos para debater a temática e buscar conhecer melhor esses documentos (Informante E).

Com base na fala dos professores, do seu conhecimento superficial ou desconhecimento dos textos que embasam a abordagem da temática, surge a pergunta: a temática é trabalhada no dia a dia? As diretrizes contemplam um conjunto de ações, estratégias pedagógicas de modo a ser cumprida a lei, ações como incentivo a pesquisas escolares sobre História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, organização e divulgação de lugares de memória que divulguem a cultura, entre outros. No que se refere ao trabalho com a temática, de forma contextualizada nos mais diversos componentes curriculares, eles são enfáticos ao afirmar:

A temática é abordada especificamente em datas comemorativas, como Dia da Consciência Negra, Abolição da Escravatura etc. (Informante A).

Somente na disciplina de História, tendo como referência apenas o conteúdo do livro didático, e nas atividades de Artes (Informante B).

Não trabalho com a temática como estabelece toda a documentação que orienta a realização do trabalho, exceto quando encontro um conteúdo no livro ou quando a escola elabora um projeto na área, o que raramente acontece (Informante C).

Apesar de ter consciência de que os alunos necessitam conhecer mais a História e Cultura Africana e a sua influência na formação da nossa cultura, a temática não é abordada como se deveria, deixando muito a desejar (Informante F).

Para os entrevistados, a não concretização da lei, da realização plena do trabalho com a temática no contexto da instituição, deve-se à falta de conhecimento da História da África, de sua cultura e de todo o processo de formação cultural do Brasil, assim como a ausência de cursos de capacitação, associada à falta de recursos e técnicas para a abordagem da temática, além do que os livros didáticos deixam a desejar com relação ao tratamento da História da África, Cultura etc.

Considerações finais

Com base em toda a discussão realizada e da análise da pesquisa, pode perceber-se que, 10 anos depois da promulgação da Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei nº 9.394/96, e da elaboração das Diretrizes, ainda existem muitos desafios a serem superados para que o texto da Lei e das Diretrizes se concretize plenamente, de forma a levar conhecimento a todos sobre esse continente que teve sua gente explorada no Brasil e em outros países, mas que contribuíram para o nosso enriquecimento cultural, na culinária, na dança, na música etc.

Mais do que reconhecer a cultura e valorizar, é necessário respeitar as diferenças e acabar com certos estereótipos, promovendo a justiça social e reconhecendo os negros e sua descendência como pessoas com direitos e deveres, que contribuíram e contribuem para a formação do nosso país.

Compreender como se estruturam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, bem como os princípios que as norteiam, é fundamental para a inserção da temática em sala de aula, uma vez que ela vem se tornando um dos elementos essenciais para que seja refeito o caminho pelo qual se construiu uma imagem negativa dos povos africanos e, a partir daí, desconstruir ideologias e mentalidades discriminatórias e preconceituosas que permeiam a sociedade contemporânea.

Referências

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em 10 jun. 2017.

BRASIL. Lei nº 10.693, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União, 19 de maio de 2004.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Parecer CNE/CP nº 1/04. Seção 1, p.11. Diário Oficial da União, 22 de junho de 2004.

CRUZ, Mariléia dos Santos. Uma abordagem sobre a história a educação dos negros. In: ROMÃO, Jeruse (Org.). História da Educação do Negro e outras histórias. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 21-33.

HENRIQUE, Ricardo. Raça e gênero nos sistemas de ensino: os limites do universalismo. Brasília: Unesco, 2002.

HERNÁNDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2008.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SILVA, Petronilha B. G. Diversidade étnico-cultural e currículos escolares. Caderno Cedes, São Paulo, nº 32, 1993.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2007.

Publicado em 06 de novembro de 2018

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