O uso da corrida de orientação como atividade prática de Cartografia no ensino de Geografia

Rodrigo Gonçalves da Rocha

Geógrafo (UERJ), 3º sargento do Exército Brasileiro

Rodrigo Batista Lobato

Doutorando (PPGG/UFRJ), professor de Cartografia (UVA) e tutor presencial do curso de Geografia (Cederj)

Ensino de Cartografia e ensino de Geografia

Quando existe alguma referência a mapas, imediatamente tende-se a relacionar também à Geografia, de modo que as instituições ligadas à ciência geográfica utilizam representações cartográficas em seus logotipos, mesmo que não se discutam essas representações. Dessa forma, pode-se perceber que as representações cartográficas, seja um globo ou um planisfério, surgem como representações simbólicas da Geografia (Martinelli, 2009).

A Cartografia é uma linguagem visual culturalmente específica; muda no tempo e no espaço (Santos, 2013). Neste sentido, o mapa contém, além das informações espaciais, uma biografia de nós mesmos, pois apresenta um espaço num tempo específico, de forma mais eloquente que palavras ou textos, relacionando vidas e práticas sociais de pessoas que estimulam nossas memórias (Seeman, 2013).

A representação e a imaginação do espaço sempre fizeram parte de toda a história da humanidade, exercendo relevante papel na comunicação (Seeman, 2013).

Na atualidade, o homem continua a fazer uso dessas representações do espaço, por meio do saber cartográfico, para diversas finalidades: o deslocamento por aplicativos em celular, as previsões meteorológicas apresentadas nos telejornais e os mapas turísticos (Melo, 2007).

Muitas pessoas ainda encontram problemas para compreender as representações cartográficas, de modo que alunos chegam ao Ensino Superior e sentem dificuldade na disciplina de Cartografia, não tendo condições de ler e interpretar mapas de maneira adequada. Há talvez pouca valorização dos estudos em Cartografia no ensino básico, contribuindo para um quadro de analfabetismo cartográfico (Magalhães; Maia, 2011).

Este trabalho procura auxiliar o ensino de Cartografia por meio de uma atividade prática, buscando tornar alguns conhecimentos teóricos das aulas de Cartografia em prática por meio de uma competição desportiva: a corrida de orientação.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB), a Educação Básica divide-se em Ensino Fundamental (I e II) e Ensino Médio, e ambos são compostos por diversas disciplinas, dentre elas a Geografia, que busca entender o espaço geográfico, condicionante e condicionado pelas relações com a natureza e com a sociedade, como é definida por Gama e Macedo (2013, p. 3): “a Geografia [...] é a ciência preocupada com a interpretação do que está ‘escrito’ na superfície terrestre, como condicionante e reflexo da relação entre sociedade e natureza”.

Ao pensar em Geografia, logo associa-se essa ciência aos mapas e às representações cartográficas, de tal modo que a Cartografia está tão relacionada à ciência geográfica que tornou-se um símbolo dela, talvez por tratar-se de uma das linguagens mais utilizadas por essa ciência, como é explicado por Martinelli (2009, p. 7): “o mapa sempre surge como representação simbólica da Geografia” e reforça: “tudo o que é Geografia, em geral, tem como logotipo básico um planisfério ou globo terrestre”.

A linguagem cartográfica está presente no cotidiano das pessoas, seja na leitura de mapas turísticos; no uso do Sistema de Navegação Global por Satélite, mais conhecido como Sistema de Posicionamento Global, com a sigla em inglês (GPS); nas plantas de imóveis; e nas maquetes, entre outras formas de representar o espaço de forma gráfica; por isso é de fundamental importância que a capacidade de leitura e interpretação de representações cartográficas seja plenamente satisfatória entre os cidadãos.

Sendo assim, para possibilitar que a sociedade seja capaz de realizar a interpretação de representações cartográficas, é necessário que ela tenha práticas cartográficas na educação, ou seja, que tenha condições tanto de codificar o mundo real para o mapa quanto o caminho inverso, que é decodificar o mapa para o mundo real.

O Ensino Médio, em seu conteúdo curricular, deve garantir que essas competências previstas no Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 2000) sejam plenamente assimiladas pelos estudantes. Apesar disso, para Lunkes e Martins (2012, p. 2), “observa-se que os alunos não dominam os conceitos, os elementos cartográficos e as técnicas elementares da Cartografia e assim têm grandes dificuldades na leitura e na interpretação de um mapa”; além disso, no processo de ensino-aprendizagem

durante uma aula de Cartografia, após a explanação dos conceitos e o embasamento teórico, o professor distribui para os alunos várias cópias coloridas de uma mesma carta, explica o sistema hídrico, o tipo de vegetação e as diversas modificações do espaço etc. Ao término, o aluno sai da sala apenas com a construção abstrata do conteúdo em sua mente. Então aparece o seguinte questionamento: será que este processo de ensino e aprendizagem foi suficiente para efetivar a construção física do conhecimento? (Vianna; Neto, 2010, p. 5).

Com a inserção da corrida de orientação no processo de ensino-aprendizagem da Cartografia no Ensino Médio, a presente pesquisa buscará responder aos seguintes questionamentos:

  1. A atividade desportiva proposta apresentará resultados que demonstrem uma evolução para a leitura, análise e interpretação das representações cartográficas?
  2. As atividades de orientação proporcionarão o entendimento das escalas e projeções devido à sua atividade prática?
  3. As atividades de orientação proporcionarão o entendimento das localizações de pontos no terreno físico e suas respectivas localizações nas representações cartográficas?

Este artigo tem por objetivo observar a utilização de uma atividade desportiva, a corrida de orientação, como prática cartográfica com alunos do Ensino Médio, analisando a melhoria nos conhecimentos cartográficos referentes àquilo que é ensinado no 1º ano.

Como objetivos específicos, pode-se elencar:

  1. Complementar os conceitos teóricos da Cartografia;
  2. Proporcionar uma atividade prática relacionada à Cartografia; e
  3. Motivar os alunos para a prática da corrida de orientação.

Jogos e atividades extraclasse como recurso pedagógico

Os jogos podem ser utilizados como recurso pedagógico, sendo uma importante ferramenta no processo de ensino-aprendizagem. Os jogos podem proporcionar atividades mais prazerosas, motivando os alunos e, dessa forma, facilitando a assimilação dos conhecimentos. Verri e Endlich (2009) propõem a utilização de diversos jogos para melhorar a interação entre os alunos e os conteúdos estudados em sala de aula.

As autoras defendem que a utilização de jogos é, na verdade, um exercício de fixação de conteúdo, e que, apesar de tornar a assimilação mais prazerosa, não é apenas o jogo pelo jogo, isto é, refere-se a atividades que buscam articular teoria e prática de forma mais atrativa.

Pensando nessa perspectiva, pode-se fazer uso de atividades lúdicas ou mesmo jogos que permitam ao professor de Geografia utilizar essas ferramentas pedagógicas para o processo de ensino-aprendizagem no ensino da ciência geográfica.

A corrida de orientação é uma dentre tantas possibilidades, pois pode-se trabalhar conceitos cartográficos nessa atividade desportiva fora da sala de aula e correlacionando ao conteúdo teórico.

Materiais e métodos

Para alcançar os objetivos propostos, a metodologia divide-se em cinco fases, como mostrado na Figura 1.


Figura 1: Fases da elaboração da pesquisa

Avaliação dos resultados

Antes da corrida de orientação, foi aplicado um questionário, chamado aqui de questionário inicial (QI); após a corrida, foi aplicado um segundo, o questionário final (QF).

Doravante, a avaliação será feita pela comparação das respostas aos dois questionários (QI e QF), para identificar se, em relação aos conhecimentos referentes à Cartografia, obteve-se melhora no entendimento dos discentes do Ensino Médio.

Em relação à primeira pergunta, “O que é Cartografia?”, no QI mais de 86% dos alunos fizeram alguma relação entre a Cartografia e o desenho de mapas. Aproximadamente 9,5% apresentaram respostas fora do tema da pergunta e 4,5% não responderam. No QF, 100% relacionaram Cartografia à produção de mapas.

Por sua vez, na segunda pergunta, “Para quê servem os mapas?”, é notório no QI que, para 91% dos alunos a utilidade dos mapas consiste na localização espacial de lugares, fenômenos, pontos etc. Não responderam 4,5% dos alunos. No QF, 100% dos alunos responderam, de diferentes maneiras, que os mapas possuem o objetivo de localização.

Pela terceira pergunta, “Qual a função da escala cartográfica?”, observa-se que, no QI, 47,3% dos alunos fizeram, de diversas formas, alguma relação entre as dimensões do espaço geográfico e as da representação cartográfica. Apresentaram respostas fora do tema da pergunta 37,1%, e 14,6% não responderam.

No QF, 63,2% dos alunos fizeram alguma relação entre os tamanhos do espaço real e o tamanho do mapa e 36,8% dos alunos apresentaram respostas fora do tema em questão.

Na pergunta “Qual o objetivo das projeções cartográficas?”, no QI 54,4% dos alunos apresentaram respostas fora do tema da pergunta e 45,6% não responderam. No QF, 27,1% dos alunos fizeram alguma relação entre a esfericidade da Terra e as representações cartográficas em superfícies planas. Apresentaram respostas fora do tema 70,5% dos alunos e 2,4% não responderam.

Quando se perguntou “Qual a utilidade de um sistema de coordenadas?”, no QI 4,6% dos alunos fizeram referência a latitude e longitude, 63,7% afirmaram que o sistema de coordenadas geográficas é útil para a localização e 31,8% não responderam.

No QF, 26,4% dos alunos citaram as linhas imaginárias dos paralelos e meridianos, 69% afirmaram, de alguma forma, que o sistema de coordenadas é utilizado com fins de localização. Apresentaram respostas fora do tema 2,4% dos alunos.

Na última questão apresentada, “Desenhe uma representação da sua escola identificando as principais áreas”, observou-se que no QI, com 22 alunas (uma discente recusou-se a fazer a atividade), foram obtidas as representações. No QF, foram 31 alunos (dois discentes recusaram-se a realizar a atividade).

Durante a realização da corrida, percebeu-se que o interesse demonstrado pelos alunos promoveu um debate interno dentro de cada grupo sobre as localizações e os caminhos dos deslocamentos.

A grande participação nas discussões possibilitou que a quantidade de erros nas marcações de localização das cartas fosse bastante reduzida. Os erros nas cartas foram de no máximo 10 metros. Na aula inicial, apenas dois alunos, de um universo de 22, isto é, 9,1%, conseguiram apontar suas localizações na carta.

Na prova de Orientação, cada grupo teve de apontar as localizações dos prismas encontrados; dessa forma, cada um dos quatro grupos marcou na carta cinco localizações, totalizando 20 marcações. Dessas localizações, 14 (80,65%) foram marcadas corretamente e seis marcações (19,35%) estavam incorretas.

Após a aplicação da corrida de orientação e dos dois questionários, esperou-se um mês para verificar se aquele conhecimento construído com a prática desportiva foi assimilado e não memorizado pelos discentes; recorreu-se a um novo encontro para coletar informações sobre esse processo de ensino-aprendizagem, e obtiveram-se as seguintes informações:

1) A corrida de orientação foi útil de alguma forma para seu aprendizado em Cartografia?

  • 17 alunos presentes (100%) responderam positivamente.

2) De que forma?

  • 4 alunos responderam, cada um a seu modo, que desenvolveram aspectos relacionados a localização;
  • 3 alunos responderam que tiveram a possibilidade de observar de modo prático um conteúdo somente visto em teoria, concretizando algo que antes era somente abstrato;
  • 3 alunos responderam que aprenderam a utilizar a bússola;
  • 2 alunos responderam que, com uma atividade prática, puderam compreender melhor a importância da Cartografia;
  • 4 alunos responderam de diferentes maneiras que aprenderam a utilizar um mapa; e
  • 1 aluno respondeu que, além de pôr em prática conhecimentos teóricos, desenvolveu a capacidade de relacionar a localização de um ponto no espaço ao respectivo ponto no mapa.

3) Qual sua sugestão para o aperfeiçoar seu aprendizado em Cartografia?

  • 17 alunos responderam que de alguma forma deve haver a relação entre os conhecimentos teóricos e o aspecto prático.

Na atividade proposta neste trabalho, os aspectos relacionados à educação cartográfica foram abordados de forma prática e, segundo as comparações realizadas antes e após a atividade, observaram-se evoluções nos conceitos referentes aos questionários realizados e à capacidade de relacionar as localizações do espaço geográfico em suas respectivas posições nas representações bidimensionais.

Ficou evidente, com base nas observações, que a motivação para a realização da atividade prática proporcionou melhor assimilação dos conceitos teóricos.

A atividade proposta não tem a ambição de proporcionar “alfabetização cartográfica”; apenas ser um recurso pedagógico que complemente, de forma prática, os conceitos teóricos dados em sala de aula, reforçando o primeiro nível para a localização e análise, conforme é apontado por Simielli (1999, p. 6), isto é, localização e análise.

Conclusão

No primeiro questionário, apenas 9,1% dos alunos conseguiram encontrar sua localização no mapa; após a atividade proposta, pouco mais de 80% obtiveram sucesso em suas localizações no mapa.

Ou seja, a localização, presente no primeiro nível de alfabetização cartográfica proposto por Simielli, foi mais bem assimilada pelos alunos após a atividade prática. Além disso, os conceitos abordados nos questionários (Cartografia, mapa, escalas, projeções e sistemas de coordenadas), mesmo não estando presentes diretamente na atividade de orientação, tiveram significativa evolução no entendimento dos alunos, segundo o exposto na comparação dos resultados.

No questionário complementar, há um entendimento que, de modo geral, os alunos demandam por colocar em prática os conhecimentos teóricos.

Apesar da evolução dos conhecimentos cartográficos dos alunos e do sucesso em atingir os objetivos, ainda há uma grande distância para alcançar os objetivos traçados pelo PCNEM, isto é, ler, analisar e interpretar os mapas e reconhecer e aplicar o uso das escalas cartográfica e geográfica como forma de organizar e conhecer a localização, distribuição e frequência dos fenômenos naturais e humanos.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Brasília, 2000.

GAMA, Sonia Vidal Gomes da; MACEDO, Valter Luiz de. Espaço Natureza e Sociedade. V. 1. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj/Consórcio Cederj, 2013.

LUNKES, Rudi Pedro; MARTINS, Gilberto. Alfabetização cartográfica: um desafio para o ensino de Geografia. Disponível em: http://diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1057-4.pdf. Acesso em 16 maio 2017.

MAGALHÃES, Denise Silva; MAIA, Diego Corrêa. “Alfabetização cartográfica” no contexto do Ensino Superior. Rev. Ens. Geogr., Uberlândia, v. 2, nº 2, p. 3-22, 2011.

MARTINELLI, Marcello. Mapas da Geografia e Cartografia temática. São Paulo: Contexto, 2009.

MELO, Ismail Barra Nova de. Proposição de uma Cartografia escolar no ensino superior. 157 f. Tese (doutorado) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 2007.

SANTOS, Clézio, Desenhos e mapas no ensino de Geografia: a linguagem visual que não é vista. Geograficidade, v. 3, 2013.

SEEMANN, Jorn. Carto-Crônicas: Uma Viagem pelo Mundo da Cartografia. Fortaleza: Expressão, 2013.

SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia e ensino: proposta e contraponto de uma obra didática. São Paulo, FFLCH/USP, 1999.

VERRI, Juliana Bertolino; ENDLICH, Ângela Maria. A utilização de jogos aplicados no ensino de Geografia. Percurso – Nemo, Maringá, 2009.

VIANNA, Pedro da Costa Guedes; CARVALHO NETO; João Filadelfo de. Técnicas de orientação dos militares usadas no Brasil. V. 2. João Pessoa: Cadernos do Logepa, 2003.

Publicado em 27 de novembro de 2018

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.