A formação do profissional da biblioteca, o leitor e o prazer da leitura: o que fazer?

Aldineia Souza do Nascimento Reis

Priscila Brenha Abreu dos Santos

Jussara Santos Pimenta

Apresentamos parte da pesquisa feita pelo Grupo de Pesquisa Interdisciplinar História e Memória – MNEMOS, da Universidade Federal de Rondônia, campus de Porto Velho, realizada em 47 das 72 escolas estaduais da capital de Rondônia de 2016 a 2017 e que ainda se encontra em andamento. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário voltado à direção da escola e aos profissionais responsáveis pela biblioteca da instituição para levantar dados como o número real de bibliotecas, seu acervo e espaço e formação dos profissionais responsáveis pelo serviço, entre outras questões.

Com o levantamento dos dados, foi possível observar que os profissionais que atuam nas bibliotecas escolares não estão capacitados para tal função. São profissionais que, em sua maioria, se encontram em período de readaptação por algum problema de saúde e/ou em vésperas da aposentadoria. Outras escolas sequer dispõem desse profissional para agilizar o trabalho na biblioteca escolar, que ainda é vista por muitos gestores e profissionais como um local de “descanso” ou de “castigo”; os profissionais que respondem por sua atividade são remanejados até que se recuperem ou são profissionais em desvio de função. Muitos sequer tiveram em sua formação disciplinas que discutissem a questão da leitura, como aqueles licenciados em Física, Matemática, Biologia, Educação Física e outras licenciaturas.

Os resultados são desoladores no que diz respeito a projetos de incentivo à leitura nas bibliotecas existentes; além disso, o espaço destinado para tal muitas vezes é improvisado e com pessoal não capacitado para atuar nas bibliotecas escolares. Foi possível perceber que mesmo os que declararam fazer algum projeto de leitura se deparam com dificuldades como a falta de envolvimento dos gestores e professores da escola, estrutura física incipiente, falta de materiais pedagógicos, exiguidade e desconhecimento do acervo.

A biblioteca escolar se constitui em ferramenta que contribui sobremaneira para incentivar a leitura, fato que deve acontecer desde a Educação Infantil. Mesmo que as crianças não saibam ler, ouvir historinhas aguça sua curiosidade pela leitura, pois “a formação do leitor não se dá apenas no contato com os livros. O ato de narrar histórias fomenta a construção de imagens mentais” (Silva; Assis; Gomes, 2016). Também deve-se levar em consideração que muitas crianças só terão contato com livros na escola. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, v. 2, p. 58), a biblioteca escolar é entendida como “a primeira condição favorável para a formação de bons leitores”. Além disso,

a biblioteca é um espaço apto a influenciar o gosto pela leitura. Recomendando que ela seja um local de fácil acesso aos livros e materiais disponíveis, o documento sugere que a escola estimule o desejo de se frequentar esse espaço, contribuindo dessa forma para desenvolver o apreço pelo ato de ler (Brasil, 2001).

Por isso o educador tem papel fundamental na motivação para o hábito da leitura. O primeiro passo é entender esse espaço tão importante quanto a sala de aula e a atuação do profissional que cuida dele, que precisa estar engajado no projeto de incentivo à leitura, pois é na escola que a criança terá sua primeira experiência com o mundo letrado. A formação desses profissionais é um dado relevante para o sucesso de uma biblioteca escolar, uma vez que é ele quem organiza e planeja o espaço e as ações necessárias para oferecer à comunidade escolar. Se o seu trabalho na biblioteca escolar é competente, proporciona um impacto positivo na formação de novos leitores.

Na perspectiva de entender como se dá a articulação entre aluno, professor e biblioteca escolar, procuramos investigar as bibliotecas das escolas estaduais e municipais de Porto Velho/RO e como estão sendo tratadas as políticas de incentivo à leitura nelas, buscando saber do acervo, as condições do ambiente, quem cuida das bibliotecas e como se articulam com o trabalho nas salas de aula e demais ambientes escolares, bem como a formação dos profissionais que atuam nesse espaço, pois entendemos que eles têm tanta importância quanto o professor em sala de aula, pois pode influenciar o hábito de ler dos alunos.

A pesquisa ainda está em andamento; no entanto, pode-se constatar até o momento que, nas 47 escolas visitadas, 42 possuem bibliotecas; 25 delas contam também com sala de leitura. Procuramos verificar a formação dos profissionais que atendem nas bibliotecas mencionadas. Foi possível identificar que 85% deles têm licenciaturas, 5% são profissionais de nível médio e fundamental com curso técnico em alguma área e 5% com outras formações, como pós-graduação em Gestão Educacional, Administração, Magistério e Direito (bacharel). Fato curioso é que, mesmo sendo profissionais remanejados, muitos já estão há mais de cinco anos alocados nessas bibliotecas. O mínimo de tempo de serviço encontrado foi de sete meses, porém sabe-se, pelo histórico, que vão permanecer por mais tempo. Outro fato constatado é que isso não está fora dos padrões da maioria das bibliotecas das escolas brasileiras. Segundo Silva (1997, p. 53),

a maioria das escolas públicas brasileiras não possui biblioteca e as que possuem estão em estado calamitoso de funcionamento, seja em nível de organização, seja em nível de atualização de acervos. Esta aberração é complementada por uma distorção completa das funções da bibliotecária dentro da escola, pois geralmente a biblioteca é conduzida e controlada não por uma especialista, mas por uma professora em fase de se aposentar.

Esse quadro se apresenta em muitas bibliotecas escolares do Estado de Rondônia; por isso constata-se que a falta de organização e de projetos de incentivo à leitura está muito ligada à falta de profissionais qualificados para atuar em tal lugar, dentre outros problemas e adversidades que as instituições e os profissionais precisam enfrentar.

O levantamento até o momento mostra que 52% das bibliotecas não possuem nenhum projeto de incentivo à leitura, 17% tentam fazer algum projeto de incentivo – muitos deles inclusive utilizando expedientes como o oferecimento de brindes para quem ler mais livros durante o mês. Mesmo assim a procura, segundo relatos dos responsáveis, é muito baixa, ainda que as bibliotecas estejam abertas durante o intervalo do recreio. Foi constatado que 62% delas abrem no horário de intervalo e 18% não abrem no intervalo. Outro dado importante é atestar que somente 40% delas possuem acervo diversificado e atualizado recebido do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

Constatamos que o trabalho do profissional responsável pela biblioteca fica limitado ao incentivo, pois, além de não ter a formação adequada, ainda trabalha de forma apartada dos demais professores que estão em sala de aula. Como poderia, sozinho, se tornar incentivador da leitura? Seria necessária a atuação de profissionais com formação adequada para trabalhar na biblioteca escolar, em articulação com os demais para que possam auxiliar o aluno em um ambiente organizado e de fácil acesso, motivando-o em sua procura pelos materiais que, em quantidade e qualidade, possam saciar a sua curiosidade e encantamento pela leitura. Segundo Silva (2011), o interesse do aluno pelo livro está ligado diretamente ao entusiasmo do mediador que está na biblioteca no momento da busca.

Quando chegamos a uma biblioteca, primeiramente somos atendidos pelo bibliotecário. Esse atendimento é muito importante, pois um desinteresse por parte dele faz com que o usuário fique frustrado, desista de pegar na estante o livro que deseja ou até mesmo nunca mais volte a essa biblioteca (Silva, 2011, p. 28).

Sobre os programas de incentivo à leitura desenvolvidos pelas bibliotecas escolares para incentivar a formação de leitores, encontramos nos Parâmetros Curriculares Nacionais a seguinte informação:

É fundamental para o desenvolvimento de um programa de leitura eficiente, que forme leitores competentes e não leitores que leiam apenas esporadicamente. [...] A biblioteca é um espaço apto a influenciar o gosto pela leitura. Recomendando que ela seja um local de fácil acesso aos livros e materiais disponíveis, o documento sugere que a escola estimule o desejo de frequentar esse espaço, contribuindo dessa forma para desenvolver o apreço pelo ato de ler (Brasil, 2001).

Mas as bibliotecas são espaços de fácil acesso? São estimulantes? Muitos estudantes, ao se depararem com alguém que demonstre pouco ou nenhum interesse em ajudar a encontrar o que precisa ou o que quer, desistem e dificilmente retornam ao local visitado. Com o desinteresse causado, como esperar que se torne um leitor assíduo? Será no mínimo um aluno que vai ler por obrigação e isso repercutirá mais adiante na sua formação educacional, pois continuará não tendo o prazer desenvolvido para leitura e sim por obrigação. Outro fator limitante é o espaço da biblioteca. Quando as bibliotecas estão presentes nas instituições, as salas que as abrigam são adaptadas, improvisadas e pequenas; foram identificadas poucas práticas sendo realizadas pelos profissionais.

Investigar o lugar das bibliotecas nos espaços escolares do município de Porto Velho é relevante e necessário, pois é uma forma de despertar nas instituições e nas autoridades competentes a importância desse espaço para o melhoramento da qualidade da educação; mas é preciso também entender que práticas são desenvolvidas nas bibliotecas escolares. Essa questão nos levou a estabelecer como ponto de partida o levantamento das concepções e práticas que norteiam os usuários da biblioteca escolar e de que forma se dá o envolvimento entre escola e comunidade. Segundo Fragoso (2006, p. 1),

longe de constituir mero depósito de livros, a biblioteca escolar é um centro ativo de aprendizagem. Nunca deve ser vista como mero apêndice das unidades escolares, mas como núcleo ligado ao pedagógico. A biblioteca trabalha com os educadores e não para eles ou isolados deles. Integrada à comunidade escolar, a biblioteca proporcionará a seu público leitor uma convivência harmoniosa com o mundo das ideias e da informação.

Esperávamos encontrar possíveis mecanismos que pudessem estreitar a relação entre biblioteca e a sala de aula, atividades que oportunizassem a integração entre os espaços do saber. Entretanto, no mapeamento realizado até o momento, percebeu-se que há um longo caminho a percorrer, que para sua otimização se faz necessária a desconstrução de paradigmas e rótulos atribuídos à biblioteca escolar, assim como a predisposição dos profissionais engajados na escola como elementos de transformação social, atribuindo à biblioteca o papel ao qual se destina como importante ferramenta do saber.

O que ficou evidenciado é que existe carência na realização de atividades e projetos contínuos que desenvolvam o incentivo à leitura e a promoção de trabalhos pedagógicos no espaço destinado à biblioteca. Estudos realizados sobre o assunto no decorrer desse processo apontam que a biblioteca escolar só se tornará um mecanismo de articulação à sala de aula quando se tornar atrativa ao público do seu entorno e tiver profissionais com formação específica para atuar na área e disposição para implementação de ações pedagógicas a curto e longo prazo.

A partir desta concepção, Zabala (1998, p. 27) afirma que “por trás de qualquer proposta metodológica se esconde uma concepção do valor que se atribui ao ensino, assim como certas ideias mais ou menos formalizadas e explícitas em relação ao processo de ensinar e aprender”. Para Campello (2012, p. 7), mais que espaço de leitura, as bibliotecas devem se tornar espaço de aprendizagem.

Pesquisas recentes relacionadas à educação mostram que bibliotecas escolares de diversos países têm hoje papel que vai muito além de um espaço de promoção de leitura; elas são, principalmente, espaços de aprendizagem. Mas tal espaço deve ser adequado a esse propósito, e os bibliotecários precisam realizar ações mais efetivas na orientação dos estudantes, assim como no aperfeiçoamento de práticas escolares dentro das bibliotecas.

Portanto, é preciso compreender o perfil dos profissionais atuantes nas bibliotecas escolares. Sabe-se que eles são, em sua maioria, professores readaptados que conhecem a realidade da sala de aula, mas não promovem qualquer articulação entre biblioteca e sala de aula, até porque não há entrosamento entre a biblioteca e o trabalho que o professor desenvolve dentro da sala de aula. Mesmo essa articulação não ocorrendo de forma satisfatória, ainda assim ela é mais consistente e presente no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Mas no segundo e no Ensino Médio essa articulação ocorre de forma frágil, imprecisa e esporádica.

Até agora, foi possível observar que não há nenhuma política de capacitação específica voltada aos profissionais que atuam nas bibliotecas escolares estaduais do Estado de Rondônia. Por isso a falta da articulação entre a sala de aula e a biblioteca; afinal, não são direcionadas metodologias ou diferentes formas de aprendizagem para esses profissionais.

O bibliotecário escolar é um mediador de informações entre alunos e suas necessidades; acima de tudo, permite que esses alunos construam conhecimento por meio de sua mediação. Reconhece-se nessa relação a possibilidade de atuação também do professor, elemento fundamental nos processos de formação social e aprendizagem dos alunos.

Biblioteca e escola devem se unir para alcançar a mesma finalidade: aguçar o pensamento crítico e criativo do aluno. O bibliotecário ou professor, ao desenvolver um trabalho voltado ao ensino que não esteja somente atrelado à grade curricular ou a medidas avaliativas, agindo de forma mediadora e buscando interagir de maneira a propiciar aos alunos um conhecimento além do adquirido em sala de aula, faz com que seu trabalho passe a ser reconhecido, bem como contribui de forma significativa com o meio educativo e social (Ferreira, 2016, p. 6-7).

Nesse contexto, destaca-se a importância da mediação da informação e pedagógica como relevante mecanismo na articulação para melhor aproveitamento no processo educativo voltado para a aprendizagem. Com base na experiência por meio das visitas realizadas nas escolas, ficou evidente que a instituição escolar ainda não desenvolve de forma efetiva o papel fundamental na formação intelectual dos alunos e que os espaços escolares são mal utilizados para esse processo de formação. Isso provoca imenso prejuízo às práticas educativas.

Considerações finais

De acordo com os dados da pesquisa, pode-se ter uma base de como têm sido vistas as bibliotecas das escolas estaduais de Porto Velho: como um local de guarda e conservação de documentos, em especial livros, com acesso restrito à pesquisa quando são orientados pelo professor da sala de aula.

Após a avaliação desses elementos, ficou evidente a falta de estrutura, investimento e interesse material e humano em desempenhar atividades e executá-las dentro desses espaços. Aponta-se a grande valia das bibliotecas escolares, porém não são construídas pontes de interlocução do saber. O papel atribuído à biblioteca é carregado de estigmas e limitações; a partir da pesquisa, constatou-se a ineficiência em transformar essa realidade, seja por falta de qualificação adequada, seja pelas condições estruturais apresentadas. O fato é que esse espaço vai muito além da obtenção de livros ou realização de pesquisas aleatórias. Paulo Freire (2000) afirma que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

Linguagem e realidade se prendem dinamicamente; por isso é imprescindível o envolvimento das bibliotecas escolares nos trabalhos da sala de aula; sem elas, essa leitura ampla do mundo não se efetiva.

Por isso, é fundamental o preparo dos profissionais alocados nas bibliotecas escolares do município. Apesar disso, muitos querem mudar essa concepção, mas sem a formação ou capacitação necessária será impossível, pois os profissionais se deparam com problemas que começam pela gestão e termina nos órgãos responsáveis pela Educação. Conclui-se, dessa forma, que são necessários investimentos tanto nos aspectos relacionados à capacitação dos profissionais atuantes nas bibliotecas quanto na contratação de profissionais com a devida formação para atuar em bibliotecas – neste caso, os bibliotecários, pois a situação encontrada em relação aos responsáveis pelas bibliotecas escolares se configura de forma incerta, uma vez que aqueles que atuam nesse espaço não são qualificados para efetuar um atendimento e um trabalho na conservação e organização nem como mediadores no processo de dinamização e pesquisa que auxilia no ensino e na aprendizagem.

Tal situação traz indagações e certezas. Indagações do tipo: como estimular o indivíduo a desenvolver o gosto pela leitura? E a certeza de que, enquanto não mudar esse quadro, dificilmente teremos alunos interessados em desenvolver tais práticas. Para mudar é necessário um olhar prospectivo para a biblioteca escolar, dando o valor que ela tem na busca por fazer um educando cidadão de fato e de direito. Todavia, percebemos que a biblioteca escolar tem sido vista com outro olhar, sedimentado com a criação da Lei nº 12.244/10, que rege as bibliotecas de todas as instituições públicas, o que nos mantém esperançosos na busca de novos leitores, que leiam por prazer e não por obrigação; são necessárias somente políticas públicas para cobrar o seu cumprimento.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. 3ª ed. v. 2. Brasília: MEC - Secretaria de Educação Fundamental, 2001.

BRASIL. Lei nº 12 244, de 24 de maio de 2010. Dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino no país.

CAMPELLO, Bernadete. Biblioteca escolar: conhecimentos que sustentam a prática. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

FERREIRA, Edson Silva; SANTOS NETO, João A. dos. Mediação da informação e mediação pedagógica na pesquisa escolar. Biblioteca Escolar em Revista, Ribeirão Preto, v. 5, nº 1, p. 1-18, 2016.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2000.

SILVA, K. P. F.; ASSIS, Adriene Maria; GOMES, R. B.; SILVA, Tâmara. M. da. O papel da biblioteca escolar no ciclo de Alfabetização: uma análise a partir do olhar de professoras do ensino fundamental. 2016.

SILVA, Ezequiel T. Leitura e realidade brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Publicado em 27 de novembro de 2018

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