Descobrindo, com embalagens descartadas, o que o seu produto preferido esconde de você
Daniela Mendes Vieira da Silva
Doutoranda do PEMAT-UFRJ
Darling Domingos Arquieres
Mestranda do PPGEDUCIMAT
Fabio Menezes
Doutorando do PEMAT-UFRJ
A Matemática como motivação à cidadania
Pensamos que levar para a sala de aula oportunidades para os alunos compreenderem a diferença entre entender o mundo sem e com a rainha das ciências – a Matemática – pode ser uma ferramenta poderosa para a sua motivação para o estudo da disciplina.
Fizemos uma investigação conjunta com diversos participantes sobre a maneira como os fabricantes de produtos conseguem manipular os formatos e informações das embalagens de forma que pode levar o consumidor a crer que está consumindo algo diferente do que está comprando.
Esta oficina foi aplicada em diversas oportunidades:
- Em salas de aula do 1º e do 2º anos do Ensino Médio;
- Em diferentes eventos nas Semanas da Matemática; e
- Em aulas inaugurais de período em universidades.
O que aqui compartilhamos é um compilado dessas diferentes aplicações.
Esta atividade tem como objetivo contribuir para o entendimento da Matemática como ferramenta para a construção da cidadania e como subsídio para que o indivíduo possa escolher conscientemente os produtos que irá consumir dentro da perspectiva da sua saúde, da consciência a respeito da permanência do lixo descartado em longos períodos de tempo na natureza, do cuidado da indústria com a flora e com a fauna. Enfim, tópicos que não são usualmente abordados em salas de Matemática.
Os materiais e o desenvolvimento da experiência
Para vivenciar a atividade, utilizamos embalagens e rótulos de alimentos, canetinha, papéis coloridos, balança, saquinhos pequenos de plástico, funil e açúcar. Planejamos, dividimos e executamos a experiência em 4 momentos.
Num primeiro momento, fizemos uma exposição dialógica sobre a quantidade de açúcar e gordura que os produtos escondem, os possíveis enganos em relação aos ingredientes dos alimentos, a possibilidade de engano acerca da quantidade de produto que se está comprando e o tempo de decomposição das embalagens, articulando os temas saúde e meio ambiente. Nesse momento, os participantes se depararam com inúmeras “surpresas” escondidas nas embalagens tais como: existência de embalagens que levam o consumidor a imaginar estar comprando mais produto do que o que de fato existe nela, descompassos entre as fotos ilustrativas dos rótulos e o verdadeiro conteúdo das embalagens, presença de ingredientes não esperados, como: farinha de trigo refinada em alimentos vendidos como integrais; sal em sucos, iogurtes e afins etc.
No segundo momento, propusemos a elaboração de cartaz com alguns alimentos escolhidos pesando a quantidade de açúcar de cada embalagem ou de uma porção da embalagem, como na Figura 1.
Figura 1: Cartaz I
Fonte: Acervo pessoal
Nesta etapa, para a elaboração do cartaz foram usados: cartolina, as embalagens plásticas, embalagens de alimentos calóricos, uma balança e um funil. Nesse momento os participantes tiveram a oportunidade de pesar e manusear, literalmente, a quantidade de açúcar presente em alimentos de consumo corrente e de discutir o excesso desse ingrediente em nossa alimentação, fazendo a ponte com os altíssimos índices de ocorrência de diabetes na população contemporânea, como aponta o relatório da Organização Mundial da Saúde (2018).
No terceiro momento, organizamos, grupos de cinco alunos; cada grupo escolheu uma embalagem e analisou seus valores nutricionais (constantes em uma tabela presente nos rótulos). Os grupos exploraram durante 10 minutos os produtos que escolheram, buscando suas informações nutricionais – que podem trazer esclarecimentos interessantes, como o suco em pó que tem fruta natural em sua composição (mas apenas 1% de fruta); ou que para cada 20 gramas de um famoso achocolatado 15g são de açúcar etc. Nesta etapa os participantes puderam exercitar uma atividade que deveria ser parte de seu dia a dia: a leitura das tabelas nutricionais dos alimentos, uma vez que é nelas que está descrito o que de fato existe dentro da embalagem.
Como trazemos um compilado de aplicações dessa oficina, gostaríamos de destacar casos interessantes: certo biscoito prometia o sabor musse de chocolate na embalagem, mas entregava gordura hidrogenada com açúcar adicionada de corantes e sabores artificiais. Outro caso interessante foi de certa marca de refrigerante que busca convencer, via propaganda e embalagens, o consumidor de que está comprando água saborizada, quando na verdade está comprando um refrigerante com apenas uma parte em 40 de suco misturado a adoçantes e a outros componentes artificiais. Destacamos também a análise do rótulo de certa maionese no qual os participantes notaram a presença de vários alimentos saudáveis em uma foto, o que pode levar o consumidor a esquecer que os ingredientes principais de qualquer maionese são ovos e muito óleo.
O quarto momento foi dedicado à elaboração e à apresentação de um cartaz com uma propaganda sincera do produto escolhido. A Figura 2 é um exemplo de cartaz feito por participantes da atividade sobre a maionese citada (optamos por ocultar a marca do produto por uma questão ética).
Figura 2: Cartaz sincero de maionese
Fonte: Acervo pessoal
Nas diversas edições da aplicação dessa oficina, os participantes puderam socializar suas descobertas de forma descontraída, contribuindo também com seu conhecimento sobre outras áreas de saber, em um ambiente bem-humorado.
Considerações finais
Como principal reflexão, observamos que a vivência de atividades que mostrem o papel da criticidade na construção de uma vida melhor e mais saudável pode contribuir para a formação de um cidadão crítico e para desconstruir o mito de que a Matemática não tem aplicação prática. Nesse sentido, negar o saber matemático sobre as coisas é, em última instância, negar cidadania às pessoas.
Referências
D’AMORE, B. Elementos de didática da Matemática. Trad. Maria Cristina Bonomi Barufi. São Paulo: Livraria da Física Editora, 2007.
KINDEL, D. S. Investigações em sala de aula de Matemática: a Geometria Fractal e as sequências numéricas infinitas. XI Encontro Nacional de Educação Matemática. Curitiba, 20 a 23 de julho de 2013. Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Diabetes: Dados y Cifras. Disponível em:
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs312/es/. Acesso em: fev 2018.
SKOVSMOSE, O. Desafios da reflexão em Educação Matemática crítica. Campinas: Papirus, 2008.
_____. Educação Crítica – incerteza, Matemática, responsabilidade. São Paulo: Cortez, 2007.
_____. Educação Matemática crítica – a questão da democracia. Campinas: Papirus, 2001.
Publicado em 17 de abril de 2018
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