Vídeos legendados no ensino de Astronomia para alunos surdos

Adriana Oliveira Bernardes

Graduada em Física (UFJF), mestre em Ensino de Ciências (UENF), professora de Física da rede estadual do Rio de Janeiro; tutora presencial do Cederj; coordenadora do Grupo de Astronomia do Colégio Estadual Canadá e do Grupo de Ensino de Astronomia do Polo Cederj Nova Friburgo

Ana Carolina Campos Lopes

Bolsista Jovens Talentos da Ciência da Faperj, do Colégio Estadual Canadá, de Nova Friburgo

Introdução

A Declaração de Salamanca (1994) trouxe grandes contribuições à inclusão de pessoas com necessidades especiais, tornando-se um importante documento. Nesse contexto em que se compreende a importância de que toda diversidade de indivíduos que compõe a sociedade esteja representada na escola, e que uma vez nela receba educação de qualidade, com recursos que contemplem suas especificidades, concentramo-nos no universo dos alunos surdos e suas dificuldades de desenvolvimento no ambiente escolar.

Nesse sentido, Glat e Pletch (2013) afirmam que para atuar em processos de escolarização inclusivos é preciso considerar as especificidades dos alunos e que estes desenvolvem dificuldades específicas de aprendizagem, resultando em necessidades especiais que devem ser assistidas.

A primeira língua desse aluno é a Libras (Língua Brasileira de Sinais); esse fato deve ser considerado na escola, que deverá reforçar a importância do bilinguismo com a utilização, além do português, da Libras. Após a promulgação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) de 1996, que trouxe a importância de que a escola forme um aluno cidadão, ficou explicita a importância de que esse aluno não apenas esteja na escola, mas que ela contribua para uma melhor integração dele à sociedade, assim como a de seus pares ditos “normais”. Alunos surdos chegam a escola e geralmente não têm acesso a recursos adequados para seu aprendizado.

Uma visão geral sobre a questão em relação a postura da escola e dos professores é apresentada a seguir.

A chegada de indivíduos com necessidades especiais à escola demanda uma nova postura do professor, de modo a atendê-los em suas especificidades. Sabemos da importância de, além de estarem na escola, receberem um ensino de qualidade, que realmente faça diferença para eles e que os atenda enquanto indivíduos pertencentes à sociedade e com direito a se desenvolver plenamente (Bernardes, 2014, p. 1).

Devemos refletir então que, se a princípio a simples presença do indivíduo na escola fez diferença, já que antes ele não era contemplado com tal oportunidade, no momento precisamos reforçar a importância de uma melhor atenção a esse aluno, no que tange à qualidade da educação recebida; sabemos da importância de recursos didáticos para tal empreitada.

Os próprios professores reconhecem a importância da utilização de recursos diversificados, pois eles favorecem o aprendizado do aluno, como relata a autora, quando discute que uma maior interação de intérpretes com alunos em sala de aula se dá quando são utilizadas somente fórmulas, em detrimento da utilização de um recurso adequado.

Observei também que, quando o assunto envolvia fórmulas, a interação entre os alunos e a intérprete diminuía; era complicado para ela comunicar o que ela mesma muitas vezes não compreendia. É… Tínhamos mesmo um grande desafio pela frente; na verdade, é bom deixar bem claro que ainda temos, apenas gostaríamos de mostrar que um cuidado especial do professor da disciplina com a questão da deficiência pode facilitar as coisas, pode ajudar quem precisa e deseja o entendimento da disciplina, além de trazer novas perspectivas para o seu ensino (Bernardes, 2014).

Sabemos que a utilização de vídeos no ensino pode trazer benefícios aos alunos; no caso dos surdos, o trabalho deve ser realizado com vídeos legendados. Segundo Lacerda et al. (2014), é relevante pensar em uma pedagogia que atenda aos alunos surdos de acordo com o modo como compreendem o mundo; neste caso, a pedagogia visual seria útil, e a utilização de vídeos traria benefícios a quem aprende e se comunica de forma visual.
Em relação ao conteúdo, estas são algumas das habilidades e competências definidas pelo Currículo Mínimo Estadual de Física que poderiam ser trabalhadas em vídeos legendados.
Habilidades e competências – Cosmologia

  • Saber comparar as ideias do universo geoestático de Aristóteles-Ptolomeu e do heliostático, de Copérnico-Galileu-Kepler.
  • Conhecer as relações entre os movimentos da Terra, da Lua e do Sol para a descrição de fenômenos astronômicos (duração do dia/noite, estações do ano, fases da lua, eclipses, marés etc.).
  • Reconhecer ordens de grandeza de medidas astronômicas.

Habilidades e competências – Movimento e referencial

  • Compreender os conceitos de velocidade e aceleração associados ao movimento dos planetas associados ao movimento dos planetas.

Habilidades e competências – Conceito de força – Tipos de força (as quatro forças fundamentais da natureza)

  • Perceber a relação algébrica de proporcionalidade direta com o produto das massas e inversa com o quadrado da distância da Lei da Gravitação Universal de Newton.

Habilidades e competências – Relatividade restrita e geral

  • Reconhecer os modelos atuais do universo (evolução estelar, buracos negros, espaço curvo e big-bang).
  • Compreender que o tempo e o espaço são relativos devido à invariância da velocidade da luz.
  • Reconhecer o tecido espaço-tempo, sendo o tempo a quarta dimensão.

 

Os vídeos são importantes recursos para o aluno e podem atuar fortemente na contextualização da matéria. Nesse sentido, sabemos que

é importante lembrar a importância da contextualização da Física no Ensino Médio; com a utilização de vídeos, é possível introduzir com facilidade as questões do dia a dia que mostram a aplicação da Física, fazendo com que o aluno vincule o que estuda, a fenômenos de seu cotidiano (Bernardes, 2013, p. 1).

Nesse contexto, no qual consideramos a importância da contextualização, foram elaborados vídeos legendados que foram disponibilizados em canal do Youtube.


Figura 1: Canal do YouTube disponibilizado a professores e interessados no assunto.

Objetivos

O objetivo deste trabalho foi elaborar material didático para o ensino de Astronomia (1o ano do Ensino Médio) com conteúdos do Currículo Mínimo Estadual de Física.

Metodologia

Inicialmente realizamos pesquisa bibliográfica a respeito dos planetas do Sistema Solar, que seriam temas desenvolvidos no material a ser elaborado. Após essa etapa, escrevemos os roteiros dos vídeos com as temáticas presentes no currículo. A partir daí, iniciamos as gravações e posteriormente legendamos o vídeo. O material foi apresentado a alunos surdos em sala de atendimento especial.

Após isso, elaboramos um canal no Youtube onde disponibilizamos o material tanto para professores como para interessados, para que outras pessoas de fora de nossa comunidade escolar também pudessem acessá-los. Os vídeos elaborados foram publicados, sendo disponibilizados a professores de alunos surdos e interessados.

Elaboramos também uma página de divulgação do projeto no Facebook, na qual disponibilizamos os vídeos, apresentamos discussões sobre o tema e damos informações sobre a participação do projeto em eventos de instituições educacionais públicas e privadas. Em sua maioria, eram feiras de ciências e apresentações de pôsteres em encontros ou congressos, entre outros. A página elaborada se chama Astronomia em Libras.


Figura 2: Página do Facebook elaborada para divulgação do projeto.

Foi elaborado um questionário para sondagem da percepção dos alunos do Ensino Médio sobre o trabalho realizado. O questionário foi aplicado a turmas de 3o ano do Ensino Médio das quais faziam parte 45 alunos.
O questionário aplicado a alunos da turma regular é apresentado a seguir.

    • Você já estudou ou estuda com aluno surdo?
    • Você teria interesse em aprender a se comunicar com eles por meio da Libras?
    • Os vídeos legendados e dublados auxiliam em seu aprendizado?
    • O que você pensa desse recurso de ensino (vídeo)?

Resultados

Foram elaborados materiais com as temáticas: planetas do Sistema Solar, Teoria Geocêntrica e Teoria Heliocêntrica, que são conteúdos que devem ser apresentados aos alunos de acordo com as habilidades e competências a serem desenvolvidas pelo Currículo Mínimo Estadual de Física no Ensino Médio.

Na Figura 3, abaixo, está o resultado da pergunta 1 do questionário aplicado.


Figura 3: Resposta à primeira pergunta do questionário para o “aluno ouvinte”.

Observamos que 14% dos alunos já estudaram com algum aluno surdo e 86% não tiveram essa experiência.

A Figura 4 apresenta o resultado da pergunta 4 do questionário.


Figura 4: Resposta à quarta pergunta do questionário.

No gráfico acima, fica claro que 27% dos alunos acreditam que é muito bom esse método de ensino; 32% dos alunos acreditam que é bom; 27% acreditam ser regular e 14% não responderam.

Na Figura 5 está o resultado das respostas à pergunta 2 do questionário.


Figura 5: Respostas à segunda pergunta do questionário.

Pelo gráfico acima, observamos que 95% dos alunos têm interesse em aprender Libras.
Na Figura 6 apresentamos o resultado da pergunta 3 do questionário.


Figura 6: Respostas à terceira pergunta do questionário.

Observamos que 77% acreditam que os vídeos legendados ajudam a compreender melhor, 9% não usam esse método e 14% não responderam.

Conclusão

Com base na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, surgiu a necessidade de que o aluno com necessidades especiais também estivesse em sala de aula regular, sendo atendido em suas especificidades e tendo a sala de atendimento especial apenas como local onde irá reforçar o aprendizado de sala de aula.

Nesse contexto, em que sabemos que recursos didáticos podem contribuir significativamente para a permanência do aluno surdo na escola, e tendo ciência da falta de material inclusivo, ou seja, que pode ser utilizado por alunos com e sem deficiência, elaboramos vídeos legendados com conteúdos de Astronomia, assunto do 1o ano do Ensino Médio. Os resultados ainda preliminares mostram a importância da elaboração de material inclusivo na área de Ensino de Astronomia. Na escola, as dificuldades para os alunos com necessidades especiais são grandes e o envolvimento com a questão pelos alunos considerados “normais” é pequeno.

Este projeto, antes de qualquer coisa, traz a discussão da questão da deficiência para a escola, na medida em que mostra que os alunos podem aprender juntos, a partir de materiais que chamamos inclusivos.

Os resultados obtidos com a aplicação do questionário junto a alunos “ouvintes” do Ensino Médio traz resultados interessantes.

Observamos que apenas 14% dos alunos estudaram com alunos surdos, o que é um percentual pequeno, porém é reflexo da falta de intérpretes de Libras nas escolas, o que vem afastando os alunos. Em 2014 contávamos com sete alunos surdos matriculados; hoje não temos nenhum.

A maioria dos alunos (59%) afirma que a utilização de vídeos no ensino de surdos e ouvintes é um excelente método; 95% dos alunos têm interesse em aprender Libras, o que é importante para que exista o bilinguismo na escola e haja incentivo à divulgação da cultura surda.

Dos pesquisados, 77% afirmam que vídeos legendados são benéficos ao aprendizado tanto para o surdo quanto para ouvintes.

A elaboração de recursos didáticos para o ensino de Astronomia, não só para o aluno surdo como também para outros que aprendem de maneira diferenciada, é importantíssima para o processo de inclusão de alunos com necessidades especiais.

Sabe-se hoje que estar na escola só é relevante quando o aluno recebe educação de qualidade e que a educação de qualidade passa pela utilização de recursos adequados ao aprendizado.

Com a elaboração dos vídeos legendados, acreditamos que criamos um recurso relevante que pode ser utilizado pelo professor junto a alunos surdos do 1o ano do Ensino Médio e que tais recursos podem trazer contribuições importantes para o seu aprendizado.

Referências

BERNARDES, Adriana O. Iniciação científica para aluno com deficiência auditiva. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/ceduce/trabalhos/TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID268_27052015134123.pdf. Acesso em 7 mar. 2017.

BERNARDES, Adriana O. Um projeto para ensinar Física para alunos surdos. Revista Educação Pública, 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/revista/artigos/um-projeto-para-ensinar-fisica-para-deficientes-auditivos-no-colegio-estadual-canada.

BERNARDES, Adriana O. Trabalhando com recursos lúdicos no Ensino Médio: produzindo vídeos educativos para o ensino de Física. Revista Educação Pública, 2013. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/fisica/0029.html

BRASIL. LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível  em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em 7 mar. 2017.

DAMINELI, Augusto. Fascínio do universo. Rio de Janeiro: Odysseus, 2010.
DECLARAÇÂO DE SALAMANCA. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em 30 ago. 2016.

GLAT, R.; PLETSCH, M. D. Estratégias educacionais diferenciadas para alunos com necessidades especiais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.

LACERDA, Cristina Broglia Feitosa; SANTOS, Lara Ferreira dos. Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. São Paulo: EdUFSCar, 2014.

RIO DE JANEIRO. Secretaria de Educação. Currículo Mínimo Estadual de Física. Fevereiro de 2012.

Publicado em 17 de abril de 2018

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