O Centro de Educação Infantil pelo olhar das crianças
Diana Diógenes Góis
Pós-graduada em Docência na Educação Infantil e anos iniciais (UCAM), pedagoga (UFC), professora pedagoga efetiva da rede municipal de Fortaleza, no CEI Odilon Braveza – Unidade II
A criança é um sujeito histórico e social, produtor de cultura, que interage socialmente com os outros por meio de diversas linguagens. Como destacam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, é um
sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (Brasil, 2010, p. 12).
Os Centros de Educação Infantil (CEIs) devem ser, de acordo com Ceppi (2013, p. 31), “laboratórios para o aprendizado individual e em grupo, um local de construtivismo”. Um ambiente educador, promovedor de criatividade, de brincadeiras, de autonomia e socialização.
Nesse espaço, as crianças são protagonistas; precisam ser escutadas, pois fazem parte desse laboratório e possuem um olhar diferente do adulto que precisa ser valorizado.
Andrade (2010, p. 67), citando Dahlberg, Moss & Pence (2003, p. 71) destaca que “as crianças têm voz própria e devem ser ouvidas de modo a serem consideradas com seriedade, envolvendo-as no diálogo e na tomada de decisões democráticas, para entender a infância”.
Assim, realizamos atividades de conversação, de fotografia, de desenho, de leitura de imagens e narrativas para compreender como era o olhar das crianças do Infantil II (as crianças estão na faixa entre dois e três anos de idade) – Turma A, sobre o CEI.
Iniciamos no tempo da roda de conversa, em que conversamos sobre o CEI e lançamos algumas perguntas para direcionar a conversação; todavia, deixamos livre para as crianças apresentarem suas perguntas, já que nos diálogos as crianças acabam por expor seus pensamentos e ideias, e assim orientar o diálogo.
Freire (1996) destaca que
a construção de relações dialógicas sob os fundamentos da ética universal dos seres humanos, enquanto prática específica humana, implica a conscientização dos seres humanos para que possam de fato inserir-se no processo histórico como sujeitos fazedores de sua própria história (Freire, 1996, p. 10).
As rodas de conversas são muito importantes na rotina dos CEIs, a fim de que as crianças possam dialogar em duplas e/ou em grupo. Dessa forma, o tempo da roda de conversa “é um momento de incentivo ao exercício da cidadania, da democracia, do exercício de ouvir o outro e ser ouvido por ele também” (Siste, 2003, p. 91).
O desenho foi outra forma de as crianças se expressarem sobre o CEI; por meio da representação gráfica, as crianças puderam exprimir suas marcas e suas falas.
O uso da fotografia foi um excelente recurso para as crianças apresentarem seus olhares sobre o CEI e contribuiu para a construção de suas narrativas.
A pesquisa com as crianças para descobrir como é seu olhar sobre o CEI contribui para compreendermos como elas enxergam a instituição e serve para dar elementos para auxiliar no acolhimento, no desenvolvimento de atividades e na criação de espaços atrativos para elas.
Descrição da experiência
1ª atividade:
Iniciamos nossa atividade no momento da roda de conversa; questionamos as crianças: “quando o papai e a mamãe vão trabalhar, onde vocês ficam?”. Elas responderam: “na creche”.
A conversação seguiu com a introdução de um ponto inserido por uma criança a partir de um fato observado recentemente no CEI.
– Criança D. B. S.: A creche tá toda pintada (A criança D. B. S. diz “a creche”, mas está se referindo à sala de aula que foi pintada recentemente).
- Criança B. H. D. A.: Tá pintada de azul.
- Criança M. Í. S. P.: Igual à galinha.
- Criança M. C. C. A.: Igual à camisa do D. M. C. J.
Após essa afirmativa, as crianças começaram a olhar e apontar para a camisa e o short da farda, procurando a cor azul, que era a cor da nossa sala e é a cor da farda.
Perguntamos às crianças: O que mais gostam na creche?.
- Criança M. Í. S. P.: De livros.
- Criança B. H. D. A.: Comida.
As crianças, em sua maioria, afirmaram que gostavam do parque. Nesse ponto questionamos o que gostavam de fazer nesse espaço e responderam “brincar no tanque de areia, fazer bolos e castelo de areia, de brincar com o fogão e as panelinhas, com a água das bacias, com a moto, de andar em cima dos pneus, subir e descer do escorregador, de jogar bola, das fantasias, brincar na casinha”.
A sala de aula foi outro espaço do CEI que as crianças afirmaram que apreciavam; gostam de brincar de boneca, de carrinho, de desenhar, de pintar, colar, recortar, brincar com massinha e usar tinta.
“A escola é um espaço de vida, um espaço ativo; é um organismo inesgotável e dinâmico” (Malaguzzi, citado por Gandini, 2016, p. 58). Notamos na fala das crianças essa dinamicidade do CEI, pois elas, como atores sociais, estão interagindo, se desenvolvendo e produzindo e construindo suas identidades.
2ª atividade:
Convidamos as crianças a desenhar o CEI. Distribuímos folhas de papel ofício e canetinhas para produzirem seus desenhos.
O desenho é outra forma de linguagem da criança. Bertasi e Carvalho (2017) apontam que
o ato de desenhar é uma linguagem importante a ser constituída na infância. Com o desenho, as crianças podem expressar outras formas de olhar, imaginar, pensar e sentir o mundo à sua volta. Enquanto desenham, relembram, dialogam, narram, fantasiam, planejam. Com isso, é possível perceber como elas pensam a cultura, a história e a sociedade, caracterizando seu ponto de vista e deixando marcas por meio dos seus traçados (Bertasi; Carvalho, 2017, p. 77).
Quando estavam elaborando o desenho, as crianças diziam o que desenhariam, como podemos identificar nas falas a seguir:
- Criança M. C. C. A.: Gosto de brincar na areia.
- Criança H. G. M.: Vou desenhar bolo e castelo de areia.
Figura 1: Desenho do bolo e castelo de areia da criança H. G. M.
- Criança B. H. D. A.: Aqui é as bacias da água.
Figura 2: Desenho das bacias de água, da criança B. H. D. A.
- Criança B. P. L. J.: Andar na moto.
- Criança T. R. M.: A fantasia do super-homem é minha.
Figura 3: Desenho da fantasia do Super-Homem, da criança T. R. M.
- Criança D. B. S.: Almoçar.
Quando as crianças terminaram, expusemos os desenhos na entrada da sala, onde os pais, familiares e colegas puderam ver, o que gerou conversas entre os pares.
Montessori (1965, p. 268) afirma que "o desenho trata-se, antes, de uma espécie de 'escrita feita de imagens', enquanto a criança não pode ainda exprimir as ideias e os sentimentos que se formam nela sobre o meio e sobre as coisas que as impressionam".
3ª atividade:
Na rodinha apresentamos o aparelho telefônico e questionamos as crianças sobre o que era aquele objeto. As crianças responderam que era um celular. Explicamos que usariam o celular para tirar fotos dos espaços do CEI de que mais gostavam.
Fomos passear pelo CEI e as crianças falavam sobre os espaços, apontando o que gostavam de fazer, o que podíamos encontrar nesses espaços e diziam em que locais queriam captar as imagens.
O espaço escolhido pela maioria das crianças para tirar as fotos foi o nosso parque.
Explicamos para as crianças como manusear o celular para tirar as fotos. Depois elas passaram a fotografar os espaços do parque e seus colegas brincando.
Figura 4: Fotografia da criança B. H. D. A. fotografando o parque
Figura 5: Fotografia do parque tirada pela criança B. H. D. A.
Figura 6: Fotografia das crianças andando na moto, tirada pela criança B. P. L. J.
Figura 7: Fotografia tirada pela criança D. M. C. J. dos seus colegas em cima da torre de pneus
Figura 8: Fotografia tirada pela criança H. G. M. de suas colegas no balançador
Figura 9: Fotografia tirada pela criança M. Í. S. P. da boneca e do urso dormindo na sala de aula
Figura 10: Fotografia tirada pela criança B. H. D. A. dos seus colegas dormindo
Assim como no desenho, a fotografia possibilita a imaginação e outra forma de olhar o ambiente. Gobbi (2017, p. 99) destaca que “a fotografia envolve o corpo todo e os sentidos das crianças favorecendo diferentes traduções do seu cotidiano”.
Quando retornamos para a sala de aula, as crianças pediram o celular para tirar fotos. Assim, passaram a captar imagens do que gostam de brincar, dos colegas e de suas construções.
4ª atividade:
A atividade foi desenvolvida na roda de conversa em que dialogamos sobre a atividade anterior (atividade 3), que podemos ver no diálogo a seguir.
– Professora: O que fizemos hoje?
– Criança M. Í. S. P.: Bateu foto.
– Professora: Vocês bateram foto de quê?
– Do parquinho, afirmaram todas as crianças.
Pandini-Simiano et al. (2018, p. 213) afirmam que, “para que as crianças se reconheçam como sujeitos históricos, que fazem parte de um coletivo e que deixam marcas e constroem narrativas, é preciso construir com elas um percurso que contenha suas histórias de vida”.
Para isso apresentamos as fotografias impressas; as crianças ficaram encantadas em ver a si, os seus colegas e os espaços do CEI, além de ver as fotos que foram feitas por elas.
As crianças souberam identificar quem foi a criança fotógrafa, as ações que realizam naquele espaço e/ou nos brinquedos, quem estava na foto e os espaços do CEI que foram retratados.
Freitas (2002) destaca que por meio
da linguagem a criança entra em contato com o conhecimento humano e adquire conceitos sobre o mundo que a rodeia, apropriando-se da experiência acumulada pelo gênero humano no decurso da história social. É também a partir da interação social, da qual a linguagem é expressão fundamental, que a criança constrói sua própria individualidade (Freitas, 2002, p. 98).
Durante a leitura das imagens, as crianças realizaram diversas análises das fotos; destacamos a seguinte conversação:
- Professora: O que vemos nessa foto?
Figura 11: Imagem usada na conversação
- Criança M. C. C. A.: Eu que tirei.
- O H. G. M. estava na foto, responderam todas as crianças.
- Criança M. Í. S. P.: Quem mais ainda?
- Criança H. G. M.: Era o H. P. S.
- Professora: E vocês estão brincando de quê?
- Criança B. H. D. A.: De carro.
- Criança H. G. M.: Não. De esconde-esconde.
Nessa conversação, as crianças sabiam que os seus colegas estavam brincando de algo e começaram a dar sugestões das possíveis brincadeiras. Todavia, uma das crianças presentes na foto explicou para a turma qual era a brincadeira de que ele e seu colega estavam participando quando foram fotografados.
Considerações finais
As crianças quando falam sobre o CEI estão falando sobre suas vidas, do que gostam, como brincam, com quem interagem, das relações que estabelecem com os adultos e com outras crianças.
Conforme aponta Forneiro (2008, p. 51), citando Battini (1982), “es necesario entender el espacio como un espacio de vida, en el cual la vida se sucede y se desenvuelve: es un conjunto completo”. Assim, os atores principais desse espaço (CEI) são as crianças, que apresentam riquezas por meio de suas diversas linguagens.
As conversas, os registros fotográficos, os desenhos, as narrativas e as leituras das imagens foram recursos para escutar as crianças. E, assim, ver o olhar delas sobre o CEI. O que notamos é que as crianças gostam do CEI e se sentem felizes e acolhidas ali.
As crianças conseguiram captar belos registros fotográficos do CEI, da sala, dos brinquedos e dos colegas. Por meio do desenho, expressaram seus pontos de vista sobre o CEI e do que gostam de fazer. Nas rodas de conversas, as crianças se exprimiram tanto utilizando a linguagem verbal como corporal.
Analisando todo o material produzido pelas crianças, percebemos que valorizam a instituição e principalmente o espaço do parque e as interações que estabelecem com seus colegas.
Referências
ANDRADE, Lucimary Bernabé Pedrosa de. Educação Infantil: discurso, legislação e práticas institucionais. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
BERTASI, Andressa Thaís Favero; CARVALHO, Rodrigo Saballa. As produções gráfico-plásticas das crianças. In: CUNHA, Susana Rangel Vieira da Cunha (Org.). Arte contemporânea e Educação Infantil: crianças observando, descobrindo e criando. Porto Alegre. Mediação, 2017. p. 75-88.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.
CEPPI, Giulio; ZINI, Michele. Crianças, espaços, relações: como projetar ambientes para a Educação Infantil. Porto Alegre: Penso, 2013.
COSTA, Caroline Machado. Infância, criança, escola nas pesquisas educacionais. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/ teses/PEED0789-D.pdf. Acesso em: 20 ago. 2018.
FORNEIRO, María Lina Iglesias. Observación y evaluación del ambiente de aprendizaje en educación infantil: dimensiones y variables a considerar. Revista Iberoamericana de educación, nº 47, p. 49-70, 2008. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2736756. Acesso: 25 ago. 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, Maria Teresa. De Vygotsky a Bakhtin, Psicologia e Educação: um intertexto. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2002.
GANDINI, Lella. História, ideias e princípios básicos: uma entrevista com Loris Malaguzzi. In: EDWARDS, Carolyn (Org.). As cem linguagens da criança: a experiência de Reggio Emilia em transformação. v. 2. Porto Alegre: Penso, 2016. p. 45-85.
GOBBI, Marcia Aparecida. Crianças, fotografias e derivas. In: CUNHA, Susana Rangel Vieira da Cunha (Org.). Arte contemporânea e Educação Infantil: crianças observando, descobrindo e criando. Porto Alegre. Mediação, 2017. p. 89-102.
MONTESSORI, Maria. Pedagogia científica. Trad. Aury Azélio Brunetti. São Paulo: Flamboyant, 1965.
PANDINI-SIMIANO, Luciane; BARBOSA, Maria Carmen Silveira; SILVA, Clara Maria. Marcas de uma pedagogia tecida nas relações: documentação pedagógica como narrativa da experiência educativa na creche. Revista Linhas, Florianópolis, v. 19, n. 40, p. 200-217, maio/ago. 2018.
SISTE, Andréa de Fátima. Roda da conversa. In: FERREIRA, Gláucia de Melo (Org.). Palavra de professor(a): tateios e reflexões na prática da pedagogia Freinet. Campinas: Mercado das Letras, 2003. p. 87-92.
Publicado em 08 de janeiro de 2019
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