Diversidades étnico-raciais na Educação Infantil

Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos

Especialista em Tecnologias e Educação a Distância (Centro Universitário Barão de Mauá) e em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF), licenciada em História (UniRio), professora da rede estadual do Rio de Janeiro, articuladora acadêmica do curso de História UniRio no polo de apoio presencial UAB/Cederj de Cantagalo

Este artigo aborda a importância de práticas pedagógicas que abordem as diversidades étnico-raciais na Educação Infantil, a fim de que, desde o início da sua escolarização, a criança possa criar o sentimento de pertencimento racial e respeito à diversidade, ressaltando para isso a necessidade da formação docente inicial e continuada.

O tema aqui abordado é de extrema relevância, já que moramos em um país com multiplicidade étnico-racial e vivemos em meio a debates sobre as essas relações na sociedade brasileira, o que envolve muitas problemáticas – como o ensino nas escolas, que está a serviço da sociedade, transmitindo conhecimentos, convicções e valores.

Marc Ferro alerta: “não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida” (Ferro, 1983, p. 11). Pelas palavras de Ferro percebemos que o ensino é um dos meios de perpetuação de identidades, valores, tradições e culturas de uma sociedade.

O que aprendemos na escola norteia nossa visão de mundo; por isso há demanda de um ensino em que haja espaço para a diversidade, em detrimento do eurocentrismo, tão recorrente principalmente nas áreas de História, Literatura e Artes.

Pressões de diversos movimentos sociais e legislações colaboraram para que houvesse mais abertura para tratar a temática étnico-racial nas escolas; diante disso, cabe ao educador estar preparado.

Neste trabalho, utilizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica baseada na análise de materiais de relevância científica, divulgados em meio eletrônico, fazendo estudo exploratório da bibliografia. O texto fundamenta-se nas ideias e concepções de autores como Gomes (2003), Espin (2016), Ferreira e Almeida (2018) e Santos e Toniosso (2016); a justificativa para a escolha deles é sua abordagem temática, relevante e atual.

Com este estudo, pretende-se contribuir para uma reflexão a respeito do assunto abordado, visando construir uma escola que valorize a diversidade com a construção de hábitos cooperação e respeito.

Por uma Educação Infantil que valorize a diversidade

Na Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, inicia-se a escolarização da criança, conforme o Art. 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); sua finalidade é o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Nessa etapa integra-se o educar e o cuidar; e para que a criança tenha seu desenvolvimento integral, não basta ensinar apenas conteúdos didáticos, é preciso ir além, formando desde os primeiros anos de escolaridade cidadãos críticos e conscientes. Sabemos que a escola presta serviço à sociedade transmitindo conhecimentos, convicções e valores, e em meio tantos debates sobre as relações étnico-raciais é papel da escola tratar essa temática valorizando as diversidades, criando o sentimento de pertencimento étnico e cultural; e promover a igualdade de todos, o respeito e o combate a qualquer tipo de preconceito. Só assim teremos uma sociedade mais igualitária.

Santos e Toniosso (2016) apontam que as relações conflituosas entre negros e brancos têm uma longa história, que gerou uma visão negativa e discriminatória sobre os afrodescendentes, sua cultura, aspectos físicos e biológicos. Isso se reflete de diversas formas no comportamento dentro e fora do ambiente escolar.

Embora muitas vezes haja silenciamento sobre questões étnico-raciais e o mito de que a sociedade brasileira é acolhedora da diversidade e não há racismo aqui, esse silêncio é o mesmo que sustenta o preconceito e a discriminação. Quando temas como o indígena e o negro vêm à tona na escola, muitas vezes é de forma folclórica, como afirmam Ferreira e Almeida (2018). É preciso quebrar o silêncio, combater o racismo e valorizar as diversidades étnico-raciais e promover a igualdade.

Por inúmeras décadas, a única história a ser contada nas escolas era a do branco, superior, sagaz e maravilhosamente perspicaz, aquele que conseguiu enriquecer-se e empoderar-se aqui às custas da escravidão animalizadora que Abdias tão bem aponta e do extermínio de inúmeras etnias indígenas. Temos um compromisso ideológico, epistemológico e político de denunciar que a democracia racial, parte de uma perspectiva sustentada por Gilberto Freyre (1987), em que a sociedade brasileira estaria isenta de conflitos raciais, não existe, nunca existiu (Ferreira e Almeida, 2018, p. 9).

Conscientes da necessidade de trazer à tona a diversidade e valorizar o legado africano, pressões de diversos movimentos sociais e legislações internacionais como a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, aprovada pela Unesco em 2001, e outras colaboraram para a promulgação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. A Lei nº 11.645/08 veio complementar, incluindo também a temática indígena. Com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, a lei é válida para todos os níveis da Educação Básica.

Espin (2016) aponta que é fundamental que a Lei nº 10.639/03 seja parte do currículo da Educação Infantil, pois a escola, ao cuidar do bem-estar da criança, deve oportunizar experiências pautadas no respeito por si e pelo outro. Santos e Toniosso (2016) concordam quanto à importância dessa lei para o âmbito educacional.

Concordamos que essa lei é importante, mostrando que os africanos têm uma história a ser conhecida que não começou com a escravidão europeia e vai muito além do que mostram as mídias, em que a África geralmente é resumida ao estereótipo de miséria, vida selvagem e dominação colonial; nossos pequenos alunos precisam ir além desses conhecimentos de senso comum.

A lei contribui com novas possibilidades de lidar com a questão ético-racial, mas cabe refletir como isso se concretiza nas escolas: estariam os professores preparados e capacitados para fazer cumprir a lei? Diante disso, vemos a necessidade da formação docente para a educação das relações étnico-raciais.

Vários profissionais que já se formaram há algum tempo sequer tiveram disciplinas voltadas para essa temática; como se pode ensinar o que não se conhece? Vemos aqui que uma barreira a ser superada é o despreparo dos professores.

Professores com formação mais recente estudaram conteúdos previstos na Lei nº 10.639/03, porém há dificuldade para encontrar materiais didáticos específicos para os conteúdos. Muitos professores, mesmo diante das dificuldades, procuram por si próprios adquirir conhecimentos de diversas formas para melhorar sua prática docente nessa temática.

Gomes (2003), ao discutir as particularidades e relações entre educação, cultura, identidade negra e formação de professores, ressalta que a formação docente tem sido uma preocupação constante; aborda a necessidade de os educadores alterarem suas lógicas escolares e conteudistas, dialogando com outras áreas, valorizando a produção cultural negra constituída em outros espaços sociais e políticos. Ela chama a atenção para o fato de que o campo da formação docente deve se abrir para dialogar com outros espaços em que negros constroem suas identidades.

A autora ainda ressalta a necessidade de formação inicial e em serviço. Nesse sentido, as secretarias de Educação estaduais e municipais devem atuar ofertando cursos específicos na temática de educação das relações étnico-raciais, sem esquecer de abordar as realidades locais.

Ferreira e Almeida (2018, p. 4) problematizam a formação de educadores brasileiros, embasada numa interculturalidade crítica e decolonial; apontam que a formação deve se situar na construção de outras pedagogias além da hegemônica, ou seja, decolonizar como ação crítica, pois descolonizar é apenas denunciar as amarras coloniais – e não constituir outras formas de pensar e produzir conhecimento.

Concordamos que a inserção política e pedagógica da questão étnico-racial na escola é urgente e significa muito mais do que formação, leituras e manuais informativos; é preciso saber colocar em prática. Espin (2016) argumenta que o professor deve estar atento e proporcionar mudanças que estimulem formas positivas de interação, além de estimular novas perspectivas entre as crianças.

A autora ressalta a importância de práticas pedagógicas em sala de aula promotoras de igualdade racial; para que isso aconteça, é preciso comprometimento de todos os profissionais envolvidos na educação escolar, mas não podemos deixar de fora os responsáveis pelos alunos e a comunidade na qual a escola se insere.

Vários autores, como Menezes (2007), apontam o trabalho com projetos como algo efetivo na Educação Infantil para tratar a temática das diversidades étnico-raciais; eles sugerem atividades como rodas de conversa, contação de histórias, assistência a pequenos filmes, artesanatos, degustação de diferentes pratos, penteados, roupas e a demonstração de que existem vários padrões de beleza.

Nas escolas, deve haver bonecas diversas, para que, ao brincar, as crianças sejam estimuladas a valorizar e respeitar a diversidade. Além disso, pode-se fazer oficinas em que elas construam bonecos de si mesmas, valorizando a autoestima. As brincadeiras constroem identidades, fazem esboçar emoções e simulam situações cotidianas de seus próprios comportamentos e das pessoas ao seu redor.

Compreendemos, assim, que a abordagem e a valorização das diversidades étnico-raciais na Educação Infantil são de extrema importância e podem contribuir não só para a formação educacional e cultural dos alunos, mas principalmente como eficiente ferramenta de transformação social, em que se propagam o respeito, a cooperação e a reflexão crítica sobre padrões tão importantes para a formação humana e a vida em sociedade.

Considerações finais

É de fundamental importância abordar as diversidades étnico-raciais na Educação Infantil para que desde os primeiros anos as crianças construam uma autoimagem positiva, respeitando e valorizando as diversidades. A inserção de tal temática é indispensável para transformações na sociedade, em busca de uma educação para todos, em que, pelo estudo de história, etnias e culturas se compreendam as peculiaridades dos povos e se respeitem as diferenças.

Para nós, educadores, é um desafio desconstruir preconceitos e estereótipos inferiorizantes construídos e explanados culturalmente ao longo de muitos anos, mas não podemos desanimar e temos de continuar a luta por uma educação democrática, igualitária, que valorize a diferença e a historicidade de cada povo – começando pela Educação Infantil.

Referências

ESPIN, Luciene Amor. A importância de trabalhar as questões raciais na Educação Infantil. Disponível em: https://www.ceert.org.br/noticias/direitos-humanos/11178/a-importancia-de-trabalhar-as-questoes-raciais-na-ed-infantil. Acesso em: 12 ago. 2018.

FERREIRA, Helder Sarmento; ALMEIDA, Viviane da Silva. Formação docente para a educação das relações étnico-raciais: o indígena e o negro no Brasil. Revista Ensaios e Pesquisa em Educação e Cultura, v. 4, p. 16-29, 2018.

FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação.São Paulo: Ibrasa, 1983.

GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, nº 1, jan./jun. 2003.

MENEZES, Débora. Como trabalhar as relações raciais na pré-escola. Nova Escola, 1 fev. 2007. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/ 130/como-trabalhar-as-relacoes-raciais-na-pre-escola. Acesso em 12 ago. 2018.

SANTOS, Angelita Lopes; TONIOSSO, José Pedro. Relações étnico-raciais na Educação Infantil. Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro, 2016. Disponível em: http://unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos /cadernodeeducacao/ sumario/40/25042016154109.pdf. Acesso em 12 ago. 2018.

Publicado em 09 de julho de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Rosiane de Oliveira da Fonseca. Diversidades étnico-raciais na Educação Infantil. Revista Educação Pública, v. 19, nº 13, 9 de julho de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/13/diversidades-etnico-raciais-na-educacao-infantil

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