Multiletramentos e multimodalidade: o grafite como recurso pedagógico
Elaine Teixeira da Silva
Especialista em Ensino de Língua Espanhola (UCAM), em Estudos de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira (UNIFSJ), licenciada em Letras - Português/Espanhol (UNIFSJ), professora de Língua Espanhola (Seeduc/RJ), conteudista do curso de Letras EaD (Faculdade Redentor) e membro do grupo de pesquisa REALPTL
Esta proposta de atividade faz parte de um projeto de ensino, Multiletramentos no Ensino de Línguas, que tem como objetivos a prática dos letramentos, gramatical, digital e crítico, através dos multi: multiletramentos, multimodalidade e multiculturalidade. A atividade apresentada aqui baseia-se nos objetivos citados e tem como suporte para a prática a expressão artística grafite e o gênero artigo de opinião; pesquisar e observar as obras artísticas existentes na cidade.
A atividade foi realizada na disciplina Língua Espanhola com estudantes do 2º Ano do Ensino Médio do CIEP 417 José do Patrocínio, em Campos dos Goytacazes/RJ, uma vez que a cidade tem grafites em vários locais – públicos e privados. Entendemos que essa expressão da arte tem sua origem nas periferias e grande parcela de nossos estudantes vive nesses espaços; portanto, incluir o grafite como proposta pedagógica ajuda a aproximar a escola do contexto multicultural do estudante.
Definindo os termos
- O que é grafite? Segundo Souza (2011, p. 76), “o grafite é um texto multissemiótico, que mescla o verbal e o não verbal”; “os trabalhos que se apropriam dos muros e fachadas são utilizados para ‘mandar sua mensagem’”.
- O que são multiletramentos? De acordo com Rojo (2013, p. 14),
O conceito de multiletramentos, articulado pelo Grupo de Nova Londres, busca justamente apontar, já de saída, por meio do prefixo “multi”, para dois tipos de “múltiplos” que as práticas de letramento contemporâneas envolvem: por um lado, a multiplicidade de linguagens, semioses e mídias envolvidas na criação de significação para os textos multimodais contemporâneos e, por outro, a pluralidade e a diversidade cultural trazidas pelos autores/leitores contemporâneos a essa criação de significação (grifos da autora).
- O que é multimodalidade?
Um texto multimodal não é apenas aquele em que duas ou mais linguagens convivem, em algum tipo de relação, como complementaridade, redundância, discordância etc. Um texto multimodal é uma peça que resulta de escolhas de modulações, inclusive dentro da mesma semiose (Ribeiro, 2016, p. 115).
- O que é letramento digital? De acordo com Soares (2002, p. 151), é
um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel.
Metodologia
A atividade envolveu as disciplinas de Língua Espanhola e Artes; nesta última, trabalhou-se primeiro com o tema artístico levando à escola um grafiteiro local, que tem sua arte exposta em vários pontos na cidade, para uma conversa sobre o que é, como surgiu e a diferença entre o grafite e a pichação. Em seguida, na aula de Língua Espanhola, uma das atividades do livro didático utilizado, o Confluencia 2, tinha o grafite como tema e sugeria como atividade a observação de alguns grafites e grafiteiros de alguns lugares do mundo, solicitando que o estudante desse a sua opinião sobre eles e sobre o que essa arte representa.
Para que o aluno opinasse, estudamos o gênero artigo de opinião, um dos temas propostos pelo Currículo Mínimo, suas características e exemplos. Como a cidade de Campos é repleta de grafites, optamos por trazer a atividade para o contexto local; sugerimos que os estudantes, em grupos, realizassem registros fotográficos dos grafites campistas e em seguida escrevessem a opinião deles, em português, sobre a arte fotografada, tendo apenas algumas palavras-chave na língua adicional. Alguns grupos produziram todo o trabalho em língua espanhola. Esse processo insere os estudantes no exercício dos multiletramentos e dos letramentos, já que usaram recursos digitais para a confecção da atividade.
Para mostrar como poderia ser feito o trabalho, fiz meu registro para servir de orientação para a tarefa, como mostra a Figura 1; além disso, o feedback foi uma constante na realização da proposta, ocorrendo tanto na sala de aula como pela rede social WhatsApp. Esses itens corroboram o que Dudeney, Hockly e Pegrum (2016, p. 302-303) mencionam sobre a prática de metodologias com base nas tecnologias digitais. Segundo eles, práticas escolares que fazem uso de ferramentas tecnológicas devem incluir
- criar um texto modelo no qual os estudantes baseiem seu próprio trabalho;
- ensinar antes o conteúdo linguístico exigido;
- acompanhar e providenciar feedback e correções enquanto os estudantes estão produzindo os textos.
Figura 1: Modelo para a atividade
Após a entrega, os trabalhos foram expostos na escola (Figura 2), para que os envolvidos sentissem que a pesquisa, a escrita e a produção – edição, diagramação, composição – teve sentido, como propõe Ferrarezi Jr. e Carvalho (2015, p. 196-197).
O professor deve levar esse aspecto em conta, proporcionando meios de publicidade ao que os alunos escreverem, o que aumenta, inclusive, a responsabilidade pelo que se escreve e o prazer de produzir. Em tese, nenhum trabalho escrito com qualidade deveria ser perdido.
Figura 2: Exposição dos trabalhos
Com a atividade proposta, percebemos que os estudantes alcançaram os objetivos propostos ao utilizar os multiletramentos para produzir, assim como a multimodalidade, além de praticar o letramento na língua estudada e na materna e o letramento digital, pois utilizaram recursos digitais para escrever e compartilhar.
Observamos também que o grafite tem um poder multissemiótico que não deve ser deixado de lado pela escola, pois é um gênero que aproxima o espaço escolar do contexto multicultural do estudante.
Outro fator importante a destacar é que as produções apontam não somente para a prática do letramento da língua espanhola e materna e do letramento digital, como também para o letramento social, pois com os resultados apresentados percebemos que “o letramento, neste sentido, já é parte da relação de poder, e o modo como as pessoas ‘se apropriam’ dele é uma contingência de práticas sociais e culturais e não somente de fatores pedagógicos e cognitivos” (Street, 2014, p. 205).
A prática pedagógica interdisciplinar foi fundamental para a realização da atividade, o que nos leva a perceber que a inclusão de várias áreas do conhecimento no currículo contribui para um aprendizado ainda mais significante.
Referências
CORREA-PINHEIRO, Paulo et al. Confluencia. Língua estrangeira moderna vol. 2. São Paulo: Moderna, 2016.
DUDENEY, Gavin; HOCKLY, Nicky; PEGRUM, Mark. Letramentos digitais. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2016.
FERRAREZI Jr., Celso; CARVALHO, Robson Santos de. Produzir textos na educação básica: o que saber, como fazer. São Paulo: Parábola, 2015.
RIBEIRO, Ana Elisa. Textos multimodais: leitura e produção. São Paulo: Parábola, 2016.
ROJO, Roxane. Gêneros discursivos do Círculo de Bakhtin e multiletramentos. In.: ROJO, Roxane (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TIC. São Paulo: Parábola, 2013. P. 13-36.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, v. 23, n. 81, p. 143-162, dez. 2002. Disponível em: https://goo.gl/uamt4o. Acesso em: 07 set. 2016.
SOUZA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de resistência: poesia, grafite, música, dança, hip hop. São Paulo: Parábola, 2011.
STREET, Brian V. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2014.
Publicado em 23 de julho de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Elaine Teixeira da. Multiletramentos e multimodalidade: o grafite como recurso pedagógico. Revista Educação Pública, v. 19, nº 14, 23 de julho de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/14/multiletramentos-e-multimodalidade-o-grafite-como-recurso-pedagogico
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