Abordagem da temática ambiental no 1º ciclo do Ensino Fundamental: propostas didáticas e reflexões
Thaís Petizero DionÍzio
Doutoranda em Química (IQ/UFRJ), professora (Seeduc/RJ)
Felipe Pereira da Silva
Mestrando em Engenharia de Biocombustíveis e Petroquímica (EQ/UFRJ)
Dillyane Petizero Dionízio
Doutoranda em Engenharia Nuclear (COPPE/UFRJ), professora (Seeduc/RJ)
Denis de Morais Carvalho
Licenciado em Biologia (UNIG)
Para obter satisfação e saciedade em seus anseios, o ser humano tem aumentado seu potencial de intervir na natureza e no meio ambiente, ocasionando diversas instâncias e situações no que diz respeito ao uso racional e sustentável do espaço e dos recursos a sua volta (Mendonça, 2010). O Art. 1º da Lei de Educação Ambiental (nº 9.795/99) reconhece a Educação Ambiental (EA) como “o processo por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Brasil, 1999).
Diante disso, a Educação Ambiental torna-se uma significativa aliada na conscientização humana no que se refere à responsabilidade, assim como atuação e igualdade na maneira de ver o mundo. A escola tem papel importante em atuar e contribuir para formação da consciência ambiental nas crianças. É fundamental que os indivíduos, desde novos, tomem conhecimento de seu papel para um ambiente saudável, de modo que se tornem engajados em ações em prol da preservação ambiental, buscando um desenvolvimento sustentável, considerando, além dos fatores econômicos, os aspectos sociais e ecológicos. Torna-se necessário adotar ações racionais com os recursos que tem à mão, promover a sustentabilidade e prever consequências de seus atos a curto, médio e longo prazos (Mendonça, 2010).
Os seres vivos não se relacionam apenas entre si; possuem influência direta sobre o meio em que vivem. Contudo, somente o ser humano atua de maneira racional. Na era da informação, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação na defesa da qualidade de vida (Jacobi, 2003). O homem, então, torna-se responsável pelas transformações ocorridas no meio, seja por boas ações (como avanços tecnológicos), ou más (como poluição ambiental). Portanto, conscientizar as pessoas de que simples ações como coleta seletiva de lixo, economia de água e energia ou reciclagem de garrafas pet, por exemplo, pode diminuir os danos causados ao meio ambiente.
Poder levar essa educação até as crianças é garantir um meio ambiente mais saudável no futuro. As crianças são ótimos alvos na educação, pois são curiosas e ávidas pelo conhecimento, não sentem vergonha de fazer perguntas e facilmente se entusiasmam com uma novidade – como um experimento ou uma atividade prática (Belian et al., 2017). Para ensinar tais conhecimentos ambientais, é necessário que os professores conheçam os conceitos a serem trabalhados, com base em uma leitura crítica dos conteúdos trazidos pelos livros didáticos; contribuir também para uma boa formação desses profissionais é relevante para o processo de ensino- aprendizagem (Lottermann; Zanon, 2012). Entende-se por tema gerador uma proposta fundamentada na teoria dialética do conhecimento, descrita primeiramente por Paulo Freire (1987). O meio ambiente pode ser utilizado como tema gerador pelo fato de abranger questões de ordem social, ambiental, política e econômica, as quais podem, no caso da Química, ser aliadas à abordagem de diversos conteúdos que são desenvolvidos na disciplina (Silva, 2012). Desta maneira, os conteúdos ministrados permitem ao estudante uma visão mais crítica de sua própria realidade; de acordo com Lettres e Lindner (2007), possibilitam a interpretação das transformações ocorridas ao seu redor.
Com base nessa preocupação, alunos de Ensino Médio da modalidade normal propuseram ações metodológicas educacionais possíveis de serem reproduzidas com seus futuros alunos do 1º ciclo do Ensino Fundamental para que, desde pequenos, tenham conscientização ambiental.
O uso de propostas didáticas no ensino
Em nível nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) são um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Basicamente, eles
têm a função de orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual (Brasil, 1997).
Ainda hoje, é recorrente alunos reclamarem das aulas que lhes são oferecidas nas mais diversas disciplinas, seja por acharem-nas extremamente desinteressantes ou por imaginá-las sem quaisquer aplicações práticas. Essa é uma questão que piora quando falamos de professores que ministram aulas de disciplinas voltadas para o ensino de ciências mais exatas, como é o caso de Matemática, Química e Física, por exemplo.
Para contornar esse tipo de problema, uma das principais atribuições de um bom professor é facilitar o aprendizado do conteúdo ministrado, o uso de estratégias como a que incentiva os alunos a pensar em como aplicar determinado conteúdo surge como método bastante útil para o ensino, a fim de auxiliar no aprendizado e discussão de diversos assuntos. A vantagem desse tipo de atividade é a consequente reflexão por parte dos alunos sobre o quão difícil é a tarefa de educar pessoas.
A Educação Ambiental
Com o advento da Revolução Industrial, tem sido perceptível a influência do homem no espaço geográfico. Segundo Carvalho, a
intervenção do Homem no meio ambiente visa à adaptação de seus próprios objetivos, em que é crescente o processo de modificação do ecossistema para que fique de acordo com suas necessidades (Carvalho, 2006, p. 26).
Na Era da Informação, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação na defesa da qualidade de vida (Jacobi, 2003).
A tríade meio ambiente-desenvolvimento-sustentabilidade surge como uma problemática de dificuldade acentuada quanto à sua gestão. Assim, de acordo com Jacobi (2003), a Educação Ambiental assume cada vez mais uma função transformadora, na qual a corresponsabilização dos indivíduos torna-se um objetivo essencial para promover o desenvolvimento.
Nota-se que a Educação Ambiental, mesmo não sendo suficiente, é condição necessária para modificar um quadro de crescente degradação socioambiental, convertendo-se em “mais uma ferramenta de mediação necessária entre culturas, comportamentos diferenciados e interesses de grupos sociais para a construção das transformações desejadas”, segundo Tamaio (2000).
Por ser uma área multi e transdisciplinar, a EA consegue dialogar com as mais diversas disciplinas. Além disso, são muitos os temas possíveis de ser trabalhados à sua luz, como é o caso da geração cada vez maior de resíduos nas cidades, poluição das águas, do ar e do solo, os tipos de remediações possíveis para cada tipo deles, por exemplo.
Falando especificamente, os resíduos sólidos (popularmente conhecidos como “lixo”) podem ser considerados caso de saúde pública se lembrarmos que doenças como dengue e leptospirose, que matam muitos no mundo todo, podem estar associadas a eles, bem como problemas de enchentes, que trazem uma série de complicações. No fim, a conscientização só gera benefícios para todos.
Metodologia
A fim de assimilar a importância de um mundo sustentável e ecologicamente saudável e de pesquisar metodologias didáticas possíveis de ser aplicadas nas séries iniciais em prol de ajudar seus futuros alunos a ter contato inicial com a Educação Ambiental e a partir de então compreender a importância de preservar o planeta para uma vida de qualidade, a atividade foi proposta a duas turmas de 2º ano de formação de professores do CIEP 341 em Queimados/RJ, envolvendo um total de 35 alunos. Inicialmente foram feitos momentos de reflexão e discussão com a turma acerca da importância da Educação Ambiental para a sociedade e como a Química tem influência direta no desenvolvimento da sociedade e de que forma pode contribuir para um mundo mais sustentável. Esse tipo de diálogo foi trazido durante o decorrer do ano, sempre apresentando o conteúdo disciplinar de maneira contextualizada.
No terceiro bimestre foi proposta a eles a elaboração de atividades práticas possíveis de serem compreendidas por seus futuros alunos e que pudessem conscientizá-los de cuidar do planeta em que vivem para ter um futuro ambientalmente saudável. As turmas foram divididas em grupos, e alguns temas foram distribuídos para elaboração das propostas. Foram estipuladas datas para a apresentação das propostas durante o 4º bimestre de aula e uma atividade de orientação foi iniciada durante o 3º e o 4º bimestres para ajudar os alunos no desenvolvimento da proposta didática.
Ao final das aulas semanais de Química, eram dadas orientações aos alunos sobre o tema e o que haviam pesquisado, eram sanadas dúvidas sobre experimentos e a viabilidade das propostas. Durante esse tempo, muitas atividades pesquisadas por eles foram trocadas, propostas foram elaboradas, modificadas e aprimoradas até que as possibilidades se adequassem ao contexto escolar do publico-alvo.
Conforme acordado durante as aulas, no dia marcado para a apresentação os grupos tiveram que entregar um plano de aula com a descrição do tema, conteúdos, público-alvo, duração da aula etc. e tiveram 15 minutos de apresentação para expor suas propostas de aula e as práticas elaboradas, seguidos de cinco minutos de arguição e comentários pelo professor da disciplina e pelos colegas de turma. Os temas pesquisados por eles foram: reciclagem, reutilização e descarte de pilhas e baterias.
Resultados e discussão
O projeto foi um sucesso; ver como os alunos se empenharam e desenvolveram suas tarefas foi gratificante. O interesse e o cuidado que eles tiveram em abordar algo para o 1º ciclo do Ensino Fundamental, com linguagem acessível às crianças e experimentos de fácil compreensão, mostram que eles entenderam o sentido do projeto e abraçaram a causa.
No início, tiveram muitas dúvidas sobre o que elaborar, pois há um leque muito grande de atividades práticas – mas nem todas adequadas a crianças. Semanalmente tiravamos dúvidas e crescíamos juntos em conhecimento. Como nesse mesmo ano eles começaram a fazer o estágio supervisionado, começaram a adquirir experiências no Ensino Fundamental e a lidar com as crianças, na função de educadores. Muitos já traziam para a sala de aula algum relato do que haviam vivenciado no estágio e havia troca de conhecimentos e experiências aluno-aluno e aluno-professor.
Ao acompanhar as turmas durante o desenvolvimento das tarefas, foram notáveis o crescimento em criatividade e conhecimento, o amadurecimento, o comprometimento e a preocupação de desenvolver um recurso metodológico de conscientização acreditando na contribuição para um amanhã mais saudável, com menos poluição, menos lixos jogados à rua, mais reutilização e reciclagem de produtos etc. Essas atividades foram incluídas no portfólio desses futuros professores para futura utilização quando forem lecionar.
Os 35 alunos participantes foram divididos em cinco grupos, os quais abordaram as seguintes atividades:
- Grupo 1 – Tema: Reciclagem – Atividade proposta: fazer papel reciclado a partir de papeis que não seriam mais utilizados, como rascunhos, jornais, revistas etc., cola e água;
- Grupo 2 – Tema: Reutilização – Atividade proposta: confeccionar uma vassoura com garrafas pet, cabo de madeira, tesoura, arame e fita adesiva;
- Grupo 3 – Tema: Reutilização – Atividade proposta: confeccionar um brinquedo tipo bilboquê utilizando garrafa pet, tesoura, tampinha de garrafa e fio de náilon;
- Grupo 4 – Tema: Pilhas e baterias – Atividade proposta: realizar o experimento “curto circuito” utilizando pilhas e palha de aço, além de abordar curiosidades sobre o tema e alertar sobre o descarte correto desse material; e
- Grupo 5 – Tema: Pilhas e baterias – Atividade proposta: realizar uma abordagem das utilidades da pilha em uso doméstico e realizar um experimento de contato direto entre a pilha e a palha de aço.
Antes da apresentação do experimento, todos os grupos fizeram uma explicação inicial do tema, dos conteúdos abordados, de conscientização ambiental e reflexões sobre uma vida melhor, mais sustentável e um planeta saudável. Alguns utilizaram datashow com explicações, curiosidades, vídeos; outros utilizaram somente o quadro branco e bate-papo. Eles poderiam ficar à vontade para expor o conteúdo utilizando os recursos que desejassem e que estivessem disponíveis na escola. A arguição, ao final da apresentação de cada grupo, também incorporou minutos de aprendizagem coletiva, pois todos os participantes puderam aprender novas experiências e tirar dúvidas sobre a temática abordada.
Os próprios alunos relataram que atividades como essas iriam encantar as crianças, pois prendem a atenção e aguçam a curiosidade. E quem sabe até mesmo elas poderiam participar daqueles trabalhos que não apresentassem risco.
Considerações finais
A atividade acrescentou experiência para a carreira acadêmica dos normalistas e levaram-nos a refletir sobre a importância da Educação Ambiental e a criar estratégias para abordá-la com as crianças. Aprenderam as contribuições da Química para a sociedade e sobre a preservação do meio ambiente mediante a reutilização e reciclagem de materiais e sobre descarte de pilhas e baterias. Ao longo do percurso semestral, percebeu-se o crescimento conceitual em relação ao tema, contribuindo para a conscientização ambiental e as ações escolares, promovendo vínculos entre professores e alunos.
Embora se tenha alcançado um grau considerável de sensibilização ambiental, o caminho a percorrer no sentido de acabar com as ações que agridem o meio ambiente ainda é muito extenso, mas devemos continuar firmes nesse objetivo. Em suma, o projeto trouxe à tona momentos de aprendizagem significativa e contextualizada que levam a crer que é possível levar Educação Ambiental às crianças.
Referências
BELIAN, M. F.; LIMA, A. A.; FILHO, J. R. F. Ensinando Química para séries iniciais do Ensino Fundamental: o uso da experimentação e atividade lúdica como estratégias metodológicas. Experiências em Ensino de Ciências, v. 12, nº 4, 2017.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/LEIS/L9795.htm. Acesso em: 22 ago. 2018.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª série): introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CARVALHO, Vilson Sérgio de. Educação Ambiental e desenvolvimento comunitário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
JACOBI, P. Educação Ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 118, p. 189-205, 2003.
LETTRES, R.; LINDNER, E. L. Concepções e princípios para uma proposta curricular para o ensino de Química no EJA/Proeja. In: SANTOS, S. V. (Org.). Reflexões sobre a prática e a teoria Proeja: produções da especialização Proeja/RS. Porto Alegre: Evangraf, 2007.
LOTTERMANN, C. L.; ZANON, L. B. A inserção da Química no ensino de Ciências Naturais: um olhar sobre livros didáticos no Ensino Fundamental. XVI ENEQ; X EDUQUI, 2012.
MENDONÇA, S. M. Educação Ambiental nas séries iniciais do Ensino Fundamental: estratégias para o envolvimento dos alunos. ESAB, São Paulo, 2010. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos3/educacao-ambiental-series-ensino-fundamental/educacao-ambiental-series-ensino-fundamental.shtml. Acesso em: 22 ago. 2018.
SILVA, M. C. Análise de metodologias de ensino de Química para debater a temática biodiesel à luz do enfoque CTSA: alfabetização científica no Ensino Médio. Dissertação (mestrado em Química), Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2012.
TAMAIO, I. A mediação do professor na construção do conceito de natureza. Dissertação (mestrado em Educação), Faculdade de Educação – Unicamp. Campinas, 2000.
Publicado em 13 de agosto de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
DIONÍZIO, Thaís Petizero; SILVA, Felipe Pereira da; DIONÍZIO, Dillyane Petizero; CARVALHO, Denis de Morais. Abordagem da temática ambiental no 1º ciclo do Ensino Fundamental: propostas didáticas e reflexões. Revista Educação Pública, v. 19, nº 16, 13 de agosto de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cederj.edu.br/artigos/19/16/abordagem-da-tematica-ambiental-no-1-ciclo-do-ensino-fundamental-propostas-didaticas-e-reflexoes
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