40 anos de Another brick in the wall: a música de resistência da educação crítica

Lucas Pereira Pessin

UFRJ

Em novembro de 1979, 40 anos atrás, o mundo passou a conhecer a nova obra da banda inglesa Pink Floyd: o disco The wall. O disco, praticamente todo composto pelo baixista e vocalista Roger Waters, possui uma configuração diferente: as novas músicas, além de terem diretas relações significativas, criticam abertamente a falta de senso crítico nas escolas, a partir de uma ideologia que não permite pensar.

A música emblemática, Another Brick in The Wall, dividida no decorrer do disco em três partes, afirma diretamente os males de uma educação sem peso crítico – não somente pela letra, mas também pelo histórico clipe da música. No Brasil, a educação vem sendo ferozmente atacada nos moldes que Waters criticou em suas músicas; nesse sentido, próxima dos 40 anos de sucesso da música, Another Brick in The Wall é a representação do sopro de resistência de um sistema educacional inclusivo, crítico e justo.


Figura 1: Os alunos são transformados, como se fossem moídos pelo sistema

Waters tem grande preocupação com a ascensão de regimes autoritários, visto que seu pai e seu avô foram vítimas dessa forma tirana de governo: perdeu o avô na Primeira Guerra Mundial e o pai na Segunda Guerra.

O clipe se passa basicamente em uma sala de aula com moldes repressivos, padronizadores que danificam a identidade do próprio estudante. Para o músico, pela própria leitura da música completa, a figura de um professor controlador indica o próprio fascismo, uma face que tem como característica extinguir o pensamento crítico.


Figura 2: O método educacional retratado retira o rosto dos alunos, isto é, sua identidade

Isso se confirma nos célebres versos da segunda parte da música:

We don’t need no education

We don’t need no thought control

No dark sarcasm in the classroom

Teachers leave them kids alone

Hey! Teachers! Leave them kids alone!

(em tradução livre:

Não precisamos de nenhuma educação

Não precisamos de controle mental

Chega de humor negro na sala de aula

Professores, deixem as crianças em paz

Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz).

Simbolicamente, a afirmação de não precisar de educação é frisar que, nas situações governamentais complicadas, o senso crítico é deixado de lado. A educação é o pilar do pensamento livre; os últimos versos revelam o pedido para que os professores parem de ensinar e se afastem da vida dos alunos; a educa ção retratada no clipe é um conjunto de regras, não um coletivo de sabedoria e racionalidade.


Figura 3: A tentativa de padronizar os alunos é retratada no clipe

A liberdade de pensamento implica, de forma indissociável, a crítica aos fatores que interferem na realidade do homem – governo, sociedade, educação, ideologia... Logicamente, é primordial para um governo de vertente autoritária censurar ou excluir da grade escolar obrigatória disciplinas que remetem ao pensar e analisar; nesse pensamento, o ensino necessita ser regrado de modo que os alunos mantenham internalizada a obediência às entidades governamentais, não uma questão de autoria própria do aluno e professor. O que a música repudia no clipe, portanto, é o ensino que prega o falso apartidário, ou seja, a pr ática de tentar combater a liberdade do homem (inclusive, a liberdade ideológica) com outra ideologia. Esse molde educacional visto pela música é o decreto para o fim dos direitos constitucionais da educa ção; o ensino passa a ser um mecanismo de repressão.


Figura 4: No fim, os alunos se revoltam e passam a destruir a sala de aula, como forma de libertação

Além de toda diretriz trágica que essa técnica educacional oferece, o conteúdo abarca uma equivocada noção do certo e errado, ou seja, daquilo que se deve ou não fazer. No fim da segunda parte, é dito:

Wrong, guess again!

If you don't eat yer meat,

you can't have any pudding

(em tradução livre:

Errado, faça de novo!

Se não comer sua carne,

você não ganha pudim).

Esses versos dão a conotação de esconder você mesmo, sua identidade; o comer a própria carne possibilita a interpretação de autodestruição; afinal, ele necessita comer a própria carne para ganhar uma recompensa (no caso, um pudim). Em suma, abrir mão de si mesmo por um método educacional injusto. Se a educação não possibilita aproximação com a pessoa, é um efeito direto da tend ência à manipulação do homem, análoga ao conceito de desumanizar o perfil do ser humano. Nessa educa ção sem diálogo e crítica, portanto, também ocorre a desvalorização do homem, a característica pessoal é danificada.


Figura 5: O professor, o corpo educacional, reprime e ridiculariza outras manifestações dos alunos

Another Brick in The Wall é a música que sintetiza uma resistência à educação proposta por regimes autoritários, uma grande metáfora ao autoritário de modo geral. Portanto, é ideal reforçar que a educação é crítica por natureza, tendo como grande objetivo a reflexão. Educação não é conteúdo somente, mas uma grande carga de conhecimento pessoal; Roger Waters sabia disso, tanto sabia que o disco The Wall inteiro critica a conjuntura de adoção de injustiça, a troca de valores. Enfim, é crucial que esteja claro que a educação é a construção da própria identidade do homem; logo, em tempos sombrios por parte do governo, a permanência da liberdade educacional é perigosa, pois ela simplesmente fundamenta os valores científicos e humanos.


Figura 6: O professor é centralizado para que os alunos sem identidade circulem

É esse contexto, esse sopro de resistência ao autoritário, que há quatro décadas o Pink Floyd mostrou ao mundo, com seu repúdio ao sistema, ao método educacional humilhante e desconfortável. Essa é uma música que é tão atual e importante de ser ouvida.

Referências

A letra completa está disponível em: www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall-traducao.html. Acesso em: 25 nov. 2018.

Uma entrevista com Roger Waters está disponível em: https://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 25 nov. 2018.

Publicado em 27 de agosto de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

PESSIN, Lucas Pereira. 40 anos de "Another brick in the wall", a música de resistência da educação crítica. Revista Educação Pública, v. 19, nº 18, 27 de agosto de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/18/40-anos-de-emanother-brick-in-the-wallem-a-musica-de-resistencia-da-educacao-critica

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