O dia nunca esquecido

Daillane dos Santos Avelar

20 de julho de 2012. 9h e alguns minutos. Encontro-me na Universidade do Estado da Bahia, esperando a aula, que começará em breve.

Recebo uma ligação.

Nesse mesmo instante, minha tia lava um casaco preto. Era inverno e esse casaco aquecia bastante. Minha mãe acompanha suas tias, enquanto resolvem a que horas vão ao hospital visitar Dona Enny e talvez já esperam, sem querer esperar, a triste notícia. Minha irmã, tão nova à época, provavelmente está na escola. 

Fato é que alguns dias de nossas vidas nos marcam. Todos passaram ou passarão por isso. Queiram os homens ou não. Estejam preparados ou não.

Um dia desses eu estava na UFES dando aula e no intervalo recebi uma mensagem que dizia:

– Franciele não resistiu.

Ela tinha 19 anos e estava grávida. Poucas horas depois do parto, faleceu. Uma morte inesperada, que entristeceu a mim e à cidade onde vivia. Deveria ser um dia qualquer, mas eu lembro de cada detalhe daquele dia. Como escreveu o poeta:

De repente do riso fez-se o pranto 

Silencioso e branco como a bruma.

As notícias ruins marcam nossas vidas, assim como as boas. Lembro-me de onde e com quem eu estava quando dedici me casar, quando vi que havia passado no doutorado, quando me batizei. Mas lembro-me também de quando perdi minha avó, minha bisavó, amigos.

Naquele mesmo dia, recebi uma ligação.  Minha avó lutava contra um câncer de ovário. Forte e guerreira como era, lutava pela vida da mesma forma que sempre lutara nas adversidades que encontrou no caminho da vida. Pude ver isso em seus olhos, em seu resto de força ao levantar as mãos, um grito de “Eu quero viver”.

Os dias podem ser iguais, mas quando perdemos alguém nos lembramos exatamente de onde estamos, com quem estamos, o que estamos fazendo, quem sabe temos a memória do nosso último pensamento. O mundo para e o chão se abre e você cai no buraco do medo do desconhecido. Minha tia não conseguiu mais usar o casaco preto. Deu-me, pois o casaco trazia fortes lembranças de sua mãe.

Infelizmente, o câncer da morte levou minha avó, mas não levou a esperança de encontrá-la, num dia que não será esquecido.

Não esquecerei o dia, o momento, o sentimento, a pessoa. Jamais!

Publicado em 27 de agosto de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

AVELAR, Daillane dos Santos. O dia nunca esquecido. Revista Educação Pública, v. 19, nº 18, 27 de agosto de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/18/o-dia-nunca-esquecido

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