Debates decorrentes das “duas culturas”: caminhos para uma educação igualitária por Charles Snow e Zygmunt Bauman

Miriam de Souza Oliveira Machado

Mestre em Ensino (PPGEn Infes/UFF), professora da rede particular de Minas Gerais e da rede pública do Rio de Janeiro

Adílio Jorge Marques

Professor universitário (UFVJM e PPGEn Infes/UFF)

Inicialmente, a abordagem está em torno do surgimento do termo “duas culturas”, exposto por Snow em 1956, que apresenta o distanciamento entre dois polos do conhecimento – Humanas e Exatas. Elaborar um debate historiográfico em volta de pensamentos, ideias, argumentações e controvérsias sobre o desenvolvimento educacional de nossa sociedade é nossa proposta. Esse distanciamento tornou-se motivo de debates por várias décadas até a atualidade, sendo ainda muito discutido. Encontrar respostas, ideias e caminhos para um trabalho integrador entre as “duas culturas” continua sendo um desafio para estudiosos e pensadores.

Autores como Zygmunt Bauman e Charles Snow, grandes nomes do cenário sociológico internacional, são de grande importância para nosso trabalho; afinal, contribuem de forma significativa para que consigamos entender como nos posicionar com relação a esse distanciamento entre as “duas culturas”. Ambos servirão de aporte teórico, comparando ideias e estudos relacionados a sociedade, cultura e educação. Visualizar ideias e estratégias para que essa indiferença e separação sejam superadas e os dois polos do conhecimento possam se integrar e interagir de forma significativa é nosso objetivo. Dialogar com dois públicos completamente diferentes e com ideias distorcidas sobre os opostos talvez seja o maior desafio quando se fala de argumentos e discussões sobre essa separação.

Com base nesse estudo e em todo o levantamento bibliográfico e histórico apresentado até aqui é muito importante elaborar um texto conciso e de fácil entendimento, pois ele deverá ser apresentado para profissionais dos dois extremos. Humanistas e cientistas precisarão compreender a nossa proposta, que é integrar, e contribuir com sugestões significativas de trabalhos no contexto escolar. Quando falamos de pensamentos e ideias relacionadas à nossa educação atual, precisamos levar em consideração estudos e representações históricas relacionadas ao tema.

Autores como Snow e Bauman, dentre outros, cada um com pensamentos e ideias diferentes, podem ajudar a compreender o que é necessário fazer para que tenhamos uma proposta educacional ativa e significativa no nosso tempo. Nesse caso, é de suma importância, para nosso contexto educacional, a análise de ideias e propostas feitas por esses autores em especial e outros secundariamente, que serão referências significativas em nosso estudo.

Bronowski (1908-1979), cientista e representante ativo da atuação da ciência e que também se preocupava com a aproximação entre ciências humanas e exatas, escreveu muito sobre o tema. Ele pontuava que a literatura e a ciência, mesmo seguindo por caminhos diferentes e estando em lados opostos das “duas culturas”, proporcionam conhecimento universal. O autor utilizava seu entendimento sobre a imaginação e, com isso, fazia uma ponte entre ciência e literatura.

Atualmente a educação não é mais responsável por formar robôs. Devemos olhar para o mundo pela multiplicidade, pois o múltiplo está relacionado à vida. A cada momento conhecemos algo novo e cada novo aprendizado é um entroncamento dos conhecimentos prévios que adquirimos com aqueles que são novos. Diante dessa realidade, surge a necessidade de investigar como os estudiosos apresentados acima e os educadores, de forma geral, veem essa interação entre o que chamamos até agora de “duas culturas” e como isso pode ser trabalhado no contexto escolar como forma de integração disciplinar.

É muito importante propor interlocução, conexões e diálogos entre as “duas culturas”, no intuito de suprir as lacunas na produção do conhecimento. Gallo (1995) mostra que encontramos no nosso sistema educacional uma ramificação que começou bem no inicio da história da humanidade, quando o ser humano começou a construir toda a estrutura do conhecimento que temos hoje. Porém essa ramificação foi compartimentalizando esse conhecimento e, a partir daí, as especializações foram surgindo e se formando em cada área. Uma “disciplinarização” do saber foi se formando, com cada disciplina, específica e independente, seguindo seu caminho.

Em seu texto, Gallo apresenta o paradigma arborescente versus paradigma rizomático. Rizoma é o conceito desenvolvido por Deleuze e Guattari, representando uma metáfora da estrutura do conhecimento compreendida por eles.

Pensar na educação segundo uma perspectiva rizomática significa que é necessária uma relação entre o todo, formando um campo de construção de conhecimento. Como é apresentado no “Princípio da Multiplicidade”, o rizoma defende a inclusão de todas as formas de conhecimento na formação de nossos educandos, levando-os sempre a pensar e refletir sobre o todo, interligando conhecimentos prévios e já adquiridos com os que ainda estão por vir, unindo como também reconstruindo.

No rizoma, os conteúdos apresentados criam conexões diversas, múltiplas. Ciência, religião, mito, artes e até mesmo o senso comum interligam-se e estabelecem linhas de conexão na construção do conhecimento. “Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas entradas” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 21).
Quando observamos o cenário educacional brasileiro, deparamo-nos com situações complexas relacionadas ao processo de integração disciplinar. Conseguimos observar alguns profissionais tentando realizar trabalhos envolvendo multidisciplinaridade, interdisciplinaridade; no entanto, essas atividades não acontecem efetivamente, afinal, é necessário cumprir os conteúdos apresentados para cada disciplina específica “compartimentada”, que é exigido pelo governo. Nesse caso, as atividades elaboradas para o envolvimento de diversas disciplinas acontecem muito esporadicamente, em apenas alguns momentos do ano letivo, e acabam sendo chamadas de “culminância de projetos”.

A sociedade contemporânea possui como perspectiva a necessidade de rever o significado do conhecimento, com foco principal na educação escolar. Embasados no contexto histórico educacional, temos o currículo escolar, sustentado pelo paradigma positivista do século XIX e que tem sustentado a coordenação escolar como um todo. O currículo é que sustentou e sustenta o cenário educacional, sendo o responsável pela parte técnico-pedagógica na escola; no entanto, precisamos atualmente de um currículo permeável, flexível, poroso, com propostas de educação igualitária.

Partindo das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) de 1998, fica evidente, como finalidade da educação, proporcionar uma formação capaz de desenvolver nos educandos a autonomia intelectual e o pensamento crítico, dotá-los de competências que garantam sua inserção no mundo do trabalho, seu aprimoramento profissional e a capacidade de acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo (Brasil, 2002a, p. 22). A proposta curricular nacional contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) apresenta os quatro pontos apontados pela Unesco como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver, aprender a ser.

É necessária a realização de um trabalho voltado para o vínculo das disciplinas. O trabalho interdisciplinar, principalmente o de união das “duas culturas”, é a solução de muitos problemas dentro das escolas. O volume destinado à área de Ciências da Natureza, Matemáticas e suas Tecnologias do PCN+ Ensino Médio – Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais visualiza a dimensão em que deve ser trabalhado o conhecimento: “As linguagens, ciências e humanidades continuam sendo disciplinas, mas é preciso desenvolver seus conhecimentos de forma a construírem, a um só tempo, cultura geral e instrumento para a vida” (Brasil, 2002b, p. 13).

Snow apontou essa fratura, esse distanciamento entre as “duas culturas” acontecendo principalmente após o período da Revolução Científica e expôs de forma pública suas colocações em 1956. Antes desse acontecimento, alguns desenvolvimentos com relação ao campo educacional também foram significativamente apresentados, pautados sempre no desenvolvimento sistemático e compactado no contexto escolar.

Morin faz pensar sobre nossa sociedade e o caminho que seguimos, buscando sempre especialização constante. O autor fala sobre nossa democracia do século XXI, que tem como foco o funcionamento de uma grande máquina que engloba ciência, técnica e burocracia, fazendo com que só sejam produzidos “conhecimento e elucidação”, mas que também produz “ignorância e cegueira”.

As escolas, de modo geral, devem estar preparadas para trabalhar as diferentes culturas de forma interdisciplinar, todavia ainda é muito difícil encontrar interdisciplinaridade nas escolas, principalmente no Ensino Médio. Pode até parecer mais uma utopia do que uma prática possível, porém existem experiências interessantes dando certo e é investigando como os docentes das disciplinas das áreas de exatas e de humanas vêm colocando em prática a interdisciplinaridade e quais são os fatores que a tornam eficaz nas escolas que podemos entender onde está o x da questão e que é, sim, muito importante trabalhar em sala de aula, de forma integrada com nossos alunos, as duas culturas. “A interdisciplinaridade é difícil de ser compreendida e mais ainda de ser praticada porque, de certa forma, é um processo que precisa ser vivenciado para ser assimilado em toda sua integridade” (Hartmann, 2007, p. 19).

Analisando as ideias de Morin, por exemplo, é importante pensar em uma escola que aplique de forma intrigante a interlocução entre as “duas culturas”. As avaliações externas realizadas em escolas públicas cobram conhecimentos específicos em determinadas disciplinas e outras não são nem citadas. Quando analisamos essas avaliações, fica claro que algumas disciplinas são mais ou menos importantes que outras. Nesse sentido, podemos observar que “o docente tem perdido progressivamente a capacidade de decidir qual será o resultado de seu trabalho, pois este já lhe chega previamente estabelecido em forma de disciplina, horários, programas, normas de avaliação etc.” (Enguita, 1991, p. 170).

Com isso, vemos a necessidade de focar no processo de integração disciplinar e na formação contínua de nossos alunos para que eles sejam capazes de entender e aplicar seus conhecimentos e habilidades em qualquer circunstância. Algumas instituições já estão seguindo por esse caminho, focando na necessidade da interação entre Humanas e Exatas. Nesse caso, cabe citar que os alunos, ao tentar ingressar nas universidades, acabam encontrando de forma bem específica essa divisão entre as “culturas”, tendo que escolher especificamente qual área seguir e optar por estar unicamente voltado a uma única esfera de seu conhecimento, deixando de lado tudo o que poderia ser acrescido, tornando ainda mais produtivo o seu processo de formação.

Levando em consideração que a Educação é a mola mestra que sustenta a sociedade, precisa-se reconhecer a urgência de uma mudança no sistema educacional, assim como valorização, formação continuada e respeito para com os profissionais da educação, que estão a todo momento enfrentando mudanças que ocorrem a cada dia com o avanço tecnológico, atendendo assim às necessidades e aos desafios estabelecidos pelos modelos da educação nacional. Cabe ao professor atuar de forma criativa levando seus alunos a pensar criticamente, trabalhar em conjunto, reconhecer as diversas formas de trabalhar em determinada disciplina, assim como em conjunto com as demais. Contudo, para que isso aconteça, é necessário que a capacitação do professor também seja revista, de modo a torná-lo capaz de lidar com as diferenças no contexto escolar.

O distanciamento entre as duas culturas tem causado na humanidade uma perda muito grande e significativa. Toda essa compartimentalização de conhecimentos e essa quantidade enorme de especializações só tendem a tornar nossa sociedade cada vez mais produtiva e mecanizada, no entanto menos crítica e criativa. Snow apresenta essa perda como intelectual, representativa e cultural. Com certeza perdemos muito com toda essa divisão, estamos como uma sociedade consumista e produtivista, que só visa o que é rentável. A crítica de Snow é muito mais atual do que pensamos; tudo que ele escreveu em seu livro há mais de 50 anos parece ter sido escrito nos dias de hoje.

Concepções pedagógicas apresentadas por Louro (2007) giram em torno de uma perspectiva educativa que tem por base o reconhecimento das desigualdades observadas no interior das instituições escolares, tendo como proposta o desenvolvimento de atividades e estratégias para que a hierarquia presente nas salas de aula tradicionais seja rompida.

O cenário social contemporâneo não apresenta segurança para questionar ideias e propostas de vida, que teriam por objetivo obter respostas absolutas para modelos de vida ética. E no campo educacional não é diferente, observamos dificuldades frequentes em pontuar concepções, escolher teorias e práticas significativas que fundamentarão a prática docente. Na sociedade do final do século XX e início do século XXI não temos mais a perspectiva de modernidade; o termo agora é “pós-modernidade”, em que os ideais são de estímulos independentes e libertadores para pensamentos e propostas sociais. Porém será que estamos educando para que a compreensão dessa sociedade pós-moderna aconteça efetivamente?

Em sociedades nas quais a economia é pautada principalmente pelo conhecimento e fundamentada na informação, como é o caso das sociedades ocidentais, em que a conquista econômica é voltada para o processo educativo, podemos perceber que o conhecimento já não é mais garantia de bons resultados. A educação já não consegue gerar um desenvolvimento significativo capaz de garantir evolução constante e relevante no cenário econômico dessas sociedades. O mercado de trabalho para aqueles que possuem seus “diplomas” está ficando cada vez mais complicado. Bauman (2010a; 2013) afirma que estamos num momento em que talvez haja uma primeira geração realmente global, a geração “ni-ni” (nem emprego, nem educação).

Bauman faz considerações importantes sobre a sociedade num todo e argumentações sobre a educação e seu desenvolvimento em relação ao progresso da humanidade. Com isso, podemos observar que suas ideias e reflexões são muito interessantes para nosso estudo e pesquisa, afinal entender a evolução da educação, suas maiores dificuldades, seus desafios e seu crescimento é de suma importância para um trabalho efetivo e significativo com o intuito de direcionar melhorias que poderão ser aplicadas no contexto educacional.

Comparando pensamentos e expectativas no cenário educacional, Bauman apresenta reflexões sobre o que chama de “modernidade sólida” e “modernidade líquida”. Inúmeros são os desafios e conflitos quando pensamos nesse contexto educacional moderno. Bauman apresenta discussões interessantes e de grande importância para nossos estudos quando aponta a diferença entre o “sólido” e o “líquido” no desenvolvimento da educação e da sociedade.

Observamos grande importância do termo liquidez nas obras de Bauman, um ponto importante e que merece destaque em nossa discussão, fazendo ligação da sociedade, de forma geral, com o cenário educacional. Segundo Bauman, na atualidade as relações humanas tendem a ser menos permanentes e duradouras. Uma de suas frases mais marcantes seria “as relações escorrem pelo vão dos dedos”.

Em seus livros, escritos com base na utilização dos conceitos de “relações líquidas”, ficam representadas suas ideias e pensamentos sobre a sociedade atual. Os livros Modernidade líquida, Amor líquido e Medo líquido apontam para o desenvolvimento da sociedade pautado no acúmulo de experiências, na junção de perspectivas e contemplações, buscando sempre inserir mais e mais referências em nosso cotidiano social.

Devido à grande importância do termo “liquidez”, criado por Bauman, vamos entender o porquê da escolha dele para expressar o desenvolvimento da sociedade na atualidade. Primeiramente, precisamos compreender que os conceitos de solidez e liquidez não apresentam semelhanças entre eles, apenas diferenças.

Nossa sociedade sofreu inúmeras mudanças no decorrer dos últimos anos: saímos de uma sociedade de guerras mundiais e disputas, em que tudo estava pautado no desenvolvimento sólido de uma comunidade, com regras a serem seguidas, pensamentos autoritários, desenvolvimentos sociais que seguiam seus caminhos com pessoas de renome sendo usadas como exemplos a serem seguidos. No entanto, hoje possuímos novos ideais, muitas lutas sociais e a busca para uma sociedade justa e igualitária, em que a preocupação maior são os direitos humanos, os direitos de cada indivíduo. As mudanças são constantes, a percepção de uma sociedade líquido-moderna foi sendo apurada lentamente, gradativamente.

Na primeira citação podemos observar a representação da sociedade contemporânea se preocupando com a busca material, com o desenvolvimento em massa, assim como o bloqueio da criatividade humana, justamente como o conceito de solidez é traçado; porém percebemos uma leve busca por um novo modelo, no caso, a modernidade líquida na segunda citação. Na terceira, existe maior preocupação com a fluidez da sociedade, em que não existem mais tantas barreiras para as decisões morais, o aprendizado pela memorização já não faz mais sentido, os princípios a serem seguidos energicamente são deixados de lado e temos com isso uma coletividade, um grupo muito grande se preocupando com o desenvolvimento ativo e efetivo do povo, em que todos têm possibilidades de escolha.

O pensamento e o desenvolvimento que assolam a sociedade atual fazem questionar inúmeras situações e vivências; parecemos estar em uma fase de experimentações constantes, em que as instituições que serviam de base já não parecem tão reguladoras. Vemos uma preocupação muito maior com a satisfação das necessidades imediatas, daí a fala de Bauman sobre a liquidez. Vivemos na era do consumismo, em que tudo e todos se tornaram produtos consumíveis; com isso, também acabaram se tornando descartáveis. Pensando no cenário educacional, observamos inúmeras mudanças e expectativas com relação ao desenvolvimento da sociedade moderna. Entender o papel do professor em seu campo de atuação e sua busca constante por ideias e soluções para o trabalho docente, tentando sempre ultrapassar os desafios da modernidade, é uma proposta significativa para a atuação desse profissional em sala de aula.

A sociedade mudou e Casagrande (2014) lança algumas interrogações para melhor compreensão da complexidade que essa mudança representa:

1) Qual foi a direção dessas mudanças e em que medida isso pode ser sentido no cotidiano das pessoas? 
2) O espaço escolar e o professor, sejam quais forem os níveis de ensino, ainda possuem papel preponderante para a atual sociedade?
3) Seriam eles (o professor e a escola) correspondentes às expectativas neles depositadas dentro de um contexto e compreensão de “moderno”?
4) É possível para o professor, em suas realidades de atuação, a partir do formato de escola presente, ao menos trazer luz, ainda que de forma ofuscada, às mudanças que velozmente ocorrem? (Casagrande, 2014, p. 2).

Essas questões são pontos interessantes para discussões acerca de nossa educação na atualidade. A liquidez da modernidade faz pensar que somos capazes de escolher, dando-nos a sensação de liberdade, de independência, de livre iniciativa. No entanto, quando analisamos os questionamentos apresentados acima, conseguimos compreender que nada é simples assim, que a sensação de tanta liberdade que a modernidade nos oferece acaba sendo ofuscada por tantas mudanças que ocorrem. Essas mudanças se refletem na sala de aula: professores são cobrados a todo o momento por bons rendimentos e trabalhos significativos, porém a velocidade com que as novas tecnologias chegam até nós e a variedade de informações e novidades que recebemos fazem com que fiquemos perdidos.

A desestruturação que a nova modernidade apresenta propõe uma ideia de realização, de progressividade da vida humana. O que é importante é viver cada momento intensamente e em movimento constante. Segundo Bauman,

O que há é “cadeiras musicais” de vários tamanhos e estilos, assim como em números e posições cambiantes, que fazem com que as pessoas estejam constantemente em movimento, e não prometem nem a “realização”, nem o descanso, nem a satisfação de “chegar”, de alcançar o destino final, quando se pode desarmar-se, relaxar e deixar de se preocupar (Bauman, 2001, p. 43).

Era uma estrutura educacional desenvolvida para atuar efetivamente num mundo ordenado, em que tudo aquilo que estava sólido e fixo como uma pedra desmanchava-se no ar, sempre com promessas de que novas estruturas surgiriam com o intuito de se tornar ainda mais eficaz. A forma escolar moderno-sólida tinha em suas ideias concepções de longa duração. Com isso, o conhecimento tinha seu valor proporcional à sua existência. A educação fragmentada e escolarizada da fase sólida tinha suas atividades voltadas para a entrega de um produto final, em que os alunos representariam e passariam adiante tudo àquilo que aprendiam de forma memorizada. Bauman diz que “os filósofos da educação da era sólido-moderna viam os professores como lançadores de mísseis balísticos e os instruíam sobre como garantir que seus produtos permanecessem estritamente no curso predeterminado pelo impulso original” (Bauman, 2007, p. 154).

O intuito era a formação de uma sociedade dependente, que se desenvolvesse seguindo regras rígidas e formativas, administradas no contexto escolar. Um mundo que era facilmente manipulável: “o axioma do mundo como a referência de estrutura imutável para a aprendizagem, o único guia confiável para as atividades de aprendizagem e juiz supremo e incorruptível dos efeitos da aprendizagem” (Bauman, 2002, p. 44).

O que aprendemos e codificamos em nossos inúmeros períodos dentro de salas de aula padronizadas e engessadas, onde a escolarização possuía lugar de destaque na sociedade, não é mais ponto chave da educação atual e muito menos para a educação do futuro. O consumismo que define os processos de individualização na modernidade atual não objetiva a concentração de conhecimento, mas sim a satisfação momentânea que eles proporcionam.

De acordo com Bauman, a comunidade da sociedade líquida prefere seguir por caminhos apresentados por inúmeros líderes, que mostram uma dentre as mais variadas possibilidades de seguir na vida, ao invés de levar em consideração aquilo que o professor fala em sala de aula. Esse professor, que oferece somente um caminho, caminho que precisa de conhecimentos prévios adquiridos com o passar dos tempos na escolarização, caminho que se encontra muito congestionado e sem nada de novo para exibir. Os líderes, nesse caso, não atuam como opressores, mas sim com o objetivo de seduzir. “Não há sanções contra os que saem da linha e se recusam a prestar atenção – a não ser o horror de perder uma experiência que os outros (tantos outros!) prezam e desfrutam” (Bauman, 2003, p. 63).

Bauman faz uso de metáforas, como já percebemos, para identificar e entender a contemporaneidade. Segundo o autor, os conceitos de modernidade e pós-modernidade são diferentes; ele pontua que ainda estamos na modernidade, porém com uma perspectiva bem diferente, em que uma estrutura sólida, forte, estável e preparada abre espaço para bases líquidas, frágeis e continuamente mutáveis. Na Tabela 1 são exemplificadas algumas características e diferenças apresentadas por Bauman (1998; 2001) na mudança da fase sólida para a fase líquida.

Tabela 1: Diferenças entre a modernidade sólida e a líquida

Fonte: Bauman (2001, p. 164).

A finalidade da educação é a preocupação com a socialização da humanidade, capaz de se manter representativa e ativa, em que os indivíduos se tornassem cidadãos expressivos, em que a concepção de educação para a vida toda é “tornar esse mundo, em rápida mudança, mais hospitaleiro para a humanidade” (Bauman, 2007, p. 164). A finalidade da educação, nesse caso, seria “contestar o impacto das experiências do dia a dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente social” (Bauman, 2007, p. 21).

Enfim, considerando o que estudamos e apresentamos com discussões sobre autores de nosso tempo como Bauman e ideias e concepções anteriores, como o caso de Snow, cada um em seu tempo e com suas mais variadas formas de discutir e tentar entender a sociedade e o distanciamento entre as “duas culturas”, pensamos na urgência de mudanças significativas no âmbito educacional. Podemos deduzir que na contemporaneidade posturas relacionadas à educação precisam ser revistas, práticas pedagogicas e educativas precisam tomar novos rumos com o intuito de desenvolver criativa e ativamente a visão de vida e mundo de nossos alunos.

As circustâncias da aprendizagem são a mudança consciente de atitude e de comportamento. Somente o ser humano é capaz de ensinar e aprender. Precisamos acreditar na mudança na qual a luta por ideais seja a base de nossa educação atual. Estudos e pesquisas precisam ser analisados e utilizados no contexto físico da escola; não basta somente discutir, dizer que algo precisa ser feito, debater, analisar propostas, se nada de real e concreto for feito.

Paulo Freire afirma que “nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados. O homem é um ser de raízes espaço-temporais” (Freire, 1983, p. 61).

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Publicado em 17 de setembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

MACHADO, Miriam de Souza Oliveira; MARQUES, Adílio Jorge. Debates decorrentes das “duas culturas”: caminhos para uma educação igualitária por Charles Snow e Zygmunt Bauman. Revista Educação Pública, v. 19, nº 20, 17 de setembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/21/debates-decorrentes-das-rduas-culturasr-caminhos-para-uma-educacao-igualitaria-por-charles-snow-e-zygmunt-bauman

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