Uso de jogos didáticos no processo ensino-aprendizagem
Márcia Graminho Fonseca Braz e Barros
Docente (Seeduc/RJ)
Jean Carlos Miranda
Docente do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UFF)
Rosa Cristina Costa
Discente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UFF)
O lúdico sempre esteve presente na história dos povos (Sant’Anna; Nascimento, 2011). A presença de jogos e brincadeiras entre as civilizações é quase tão antiga quanto a própria sociedade. Entre os relatos históricos, a bola e a boneca aparecem como os brinquedos mais antigos, com registros de seu uso entre diferentes culturas. Encontramos dados históricos que descrevem a utilização de jogos de tabuleiro: na Mesopotâmia, de aproximadamente 3.000 a.C.; e no Egito, onde, no templo de Kurna, construído em cerca de 1400 a.C., foi encontrada uma espécie de tabuleiro em que participavam dois jogadores com nove fichas cada um (Delgado Neto, 2005).
Segundo Carneiro (2015), os jogos servem como instrumento pedagógico e, desde a Antiguidade, possuem uma função que vai além do entretenimento, servindo como ferramenta de aprendizagem.
Aristóteles sugere, para a educação de crianças pequenas, o uso de jogos que imitem atividades sérias, de ocupações adultas, como forma de preparo para a vida futura, mas, nessa época, ainda não se discutia o emprego do jogo como recurso para o ensino da leitura e do cálculo (Kishimoto, 1995, p. 39).
Além disso, dever-se-á ministrar a essas crianças instrução básica em todas as matérias necessárias; sendo, por exemplo, ensinado ao aprendiz de carpinteiro, sob forma de brinquedo, o manejo da régua e da trena; aquele que será um soldado, como montar e demais coisas pertinentes. E assim, por meio de seus brinquedos e jogos, nos esforçaríamos por dirigir os gostos e desejos das crianças para a direção do objeto que constitui seu objetivo principal relativamente à idade adulta (Platão, 1999, p. 92).
O jogo, como ferramenta didática, recebe inúmeras classificações, de acordo com o critério adotado. Segundo Castro (2005), os trabalhos de Piaget foram essenciais para a conceituação do lúdico, uma vez que estabeleceram uma “classificação genética baseada na evolução das estruturas”, destacando expressões como: brincadeiras, brinquedo, atividade lúdica e esporte. As linhas que separam jogos, esportes, ginástica, brincadeiras ou danças são tênues, servindo mais para uma definição didática (Pereira, 2013). Contudo, não é fácil definir o que é o jogo, devido à sua subjetividade, permitindo assim que cada pessoa interprete à sua maneira o que é um jogo, podendo se tratar de “jogos políticos, de adultos, de crianças, de animais ou amarelinha, xadrez, adivinhas, contar histórias [...] e uma infinidade de outros” (Kishimoto, 2011, p. 15).
Segundo alguns autores (e.g. Santos, 2014; Miranda et al., 2016; Costa, 2017), apesar de não ser fácil estabelecer uma definição para o que vem a ser o jogo, há consenso sobre sua importância para o processo de aprendizagem. Como destacado por Santos (2014, p. 32), “as atividade lúdicas podem contribuir significativamente para o processo de construção do conhecimento da criança”. Por meio do jogo didático, vários objetivos podem ser alcançados:
- o desenvolvimento da inteligência e da personalidade;
- o desenvolvimento da sensibilidade, da estima e da amizade;
- a ampliação dos contatos sociais;
- o aumento da motivação; e
- o estímulo à criatividade (Miranda, 2002).
Vygotsky (2007), apontando a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil, comenta que o jogo permite à criança ingressar em um processo de autodescoberta, desenvolvendo o seu potencial criativo. Menciona, além disso, que a criança nasce em um contexto cultural complexo, cheio de significações e representações sociais que são de difícil compreensão/interpretação para ela. Desse modo, o jogo permite que ela assimile conceitos abstratos e experimente-os dentro do seu próprio contexto, formulando sua própria compreensão e significado.
Para Campos, Bortoloto e Felício (2003), os jogos didáticos tornam-se aliados no desenvolvimento psicossocial, já que estabelecem conexões importantes entre professor e alunos, possibilitando a transmissão do conhecimento de modo mais motivador e dinâmico. Os autores ressaltam que é importante a busca por alternativas que colaborem no desenvolvimento do processo de ensino, principalmente numa era em que o educador compete, a todo instante, com diversas ferramentas tecnológicas mais atraentes do que muitas das propostas apresentadas em sala de aula.
O ensino é, frequentemente, pautado na fixação de conteúdos que, não raro, são apresentados aos alunos por meio de aulas expositivas, tendo o professor como centro do processo. Contudo, a essência de todo o processo educacional consiste na prática do saber e, não apenas na simples transferência de conteúdo (Costa, 2017). A escola deve continuamente fornecer subsídios adequados para o alcance da aprendizagem, de modo a fomentar no indivíduo habilidades e competências que o tornem um cidadão completo. Aos alunos devem ser dadas oportunidades de práticas reflexivas que fomentem a pesquisa, coleta e seleção de informações, além de permitir aprender e formular por meio de troca mútua entre professor-aluno, em vez de simplesmente realizar exercícios de memorização/fixação.
Nesse sentido, a utilização de jogos didáticos pode ser um caminho viável, já que pode auxiliar no preenchimento de diversas lacunas deixadas pelo processo de transmissão-recepção do conteúdo, facilitando a construção e apropriação do conhecimento e despertando o interesse dos alunos, que terão participação mais ativa no processo ensino-aprendizagem (Costa; Gonzaga; Miranda, 2016), cabendo ao professor o papel de mediador. Portanto, na busca por aulas mais motivadoras, dinâmicas e participativas, os jogos didáticos constituem-se alternativa como agentes modificadores da prática e que conduzem o desenvolvimento de estratégias, senso crítico e confiança, e não simplesmente como atividades de fixação ou passatempo (Miranda et al., 2016; Gonzaga et al., 2017). Contudo,
não há uma receita de sucesso que possa ser utilizada por todos os docentes, em todas as escolas e que obtenha o mesmo resultado. A diversidade de métodos e ferramentas precisa ser analisada por cada professor, a fim de que sejam empregados de forma correta e da melhor maneira possível. A realidade dos alunos, assim como seus interesses, deve sempre ser levada em consideração para que o método e a ferramenta supram as necessidades didáticas, auxiliando verdadeiramente no objetivo ao qual se destinam (Gonzaga et al., 2017, p. 1).
Assim, é possível compreender que não existe um jogo “pronto” que seja capaz de garantir o sucesso em qualquer sala de aula; ele precisa ser adaptado às necessidades e realidades dos alunos, como idade e nível de conhecimento. Gonzaga et al. (2017) consideram que há diversas vantagens na aplicação de jogos didáticos. Os autores citam, por exemplo, sua utilização como ferramenta diagnóstica para os problemas apresentados pelos alunos no processo ensino-aprendizagem. Contudo, vale ressaltar que todos os benefícios e potencialidades dessa ferramenta complementar só são possíveis caso o educador compreenda sua função e aplicabilidade.
Os jogos didáticos têm grande importância no desenvolvimento cognitivo dos alunos, pois atuam no processo de apropriação do conhecimento, permitindo o desenvolvimento de competências, o desenvolvimento espontâneo e criativo, além de estimular capacidades de comunicação e expressão, no âmbito das relações interpessoais, da liderança e do trabalho em equipe. De maneira lúdica, prazerosa e participativa o estudante irá relacionar-se com o conteúdo escolar, levando esse aluno a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos. Segundo Macedo, Petty e Passos (2005, p. 30), “do ponto de vista profissional, a ação de jogar é meio para trabalhar a construção, a conquista ou a consolidação de determinados conteúdos, atitudes e competências”. Nesse sentido, os jogos didáticos destacam-se como uma ferramenta dinâmica que proporciona resultados eficazes no processo de ensino aprendizagem.
Os jogos e brincadeiras são elementos muito valiosos no processo de apropriação do conhecimento. Permitem o desenvolvimento de competências no âmbito da comunicação, das relações interpessoais, da liderança e do trabalho em equipe, utilizando a relação entre cooperação e competição em um contexto formativo. O jogo oferece o estímulo e o ambiente propícios que favorecem o desenvolvimento espontâneo e criativo dos alunos e permite ao professor ampliar seu conhecimento de técnicas ativas de ensino, desenvolver capacidades pessoais e profissionais para estimular nos alunos a capacidade de comunicação e expressão, mostrando-lhes uma nova maneira, lúdica, prazerosa e participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos (Brasil, 2006, p. 28).
Considerações finais
Jogos sempre estiveram presentes na história da humanidade e, desde tempos remotos, serviram como instrumento de aprendizagem, e não apenas para diversão. A utilização de jogos didáticos apresenta-se como importante ferramenta no processo ensino-aprendizagem, tendo em vista seu aspecto colaborativo e motivador, que impulsiona o educando a ter uma atuação ativa, fomentando o pensamento crítico e a habilidade de (re)construção do conhecimento.
O lúdico possibilita a ampliação do conhecimento do indivíduo, uma vez que estimula áreas ligadas à aprendizagem. Tratando-se dos alunos, a aprendizagem com o uso de jogos didáticos estimula o desenvolvimento e aperfeiçoa as habilidades; sendo assim, os jogos tornam-se ferramentas capazes de despertar o seu potencial criativo.
O processo ensino-aprendizagem precisa ser interativo, de modo que o aluno se sinta parte do processo e, principalmente, crie um laço de afinidade com o seu ambiente de ensino. Isso significa que o conhecimento, quando transmitido em um ambiente harmonioso e divertido, potencializa o crescimento intelectual dos educandos, auxiliando na formação de cidadãos críticos e reflexivos.
Nesse sentido, jogos didáticos são ferramentas que podem ser utilizadas para motivar o aluno, permitindo o seu desenvolvimento psicossocial e a assunção de um papel mais ativo no processo ensino-aprendizagem, bem como no preenchimento de lacunas deixadas no processo de transmissão-recepção do conhecimento, facilitando a compreensão dos conteúdos abordados, sobretudo os de difícil entendimento, e colaborando para o estreitamento das relações professor-aluno, de forma a proporcionar uma aprendizagem mais efetiva.
Referências
BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006.
CAMPOS, L. M. L.; BORTOLOTO, T. M.; FELICIO, A. K. C. A produção de jogos didáticos para o ensino de Ciências e Biologia: uma proposta para favorecer a aprendizagem. Cadernos dos Núcleos de Ensino, p. 35-48, 2003.
CARNEIRO, K. T. Por uma memória do jogo: a presença do jogo na infância de octogenários e nonagenários. 273 f. Tese (doutorado em Educação Escolar). Unesp - Universidade Estadual Paulista, 2015.
CASTRO, S. A. B. O resgate da ludicidade - a importância das brincadeiras, do brinquedo e do jogo no desenvolvimento biopsicossocial das crianças. 73 f. Monografia. Unicamp. Campinas, 2005.
COSTA, R. C. O jogo didático Desafio Ciências – sistemas do corpo humano como ferramenta para o ensino de Ciências. 42 f. Trabalho de conclusão de curso. UFF. Niterói, 2017.
COSTA, R. C.; GONZAGA, G. R.; MIRANDA, J. C. Desenvolvimento e validação do jogo didático Desafio Ciências – Animais para utilização em aulas de Ciências no Ensino Fundamental Regular. Revista da SBEnBIO, nº 9, p. 9-20, 2016.
DELGADO NETO, G. G. Uma contribuição à metodologia de projeto para o desenvolvimento de jogos e brinquedos infantis. 188 f. Dissertação (mestrado em Engenharia Mecânica), Unicamp. Campinas, 2005.
GONZAGA, G. R.; MIRANDA, J. C.; FERREIRA, M. L.; COSTA, R. C.; FREITAS, C. C. C.; FARIA, A. C. de O. Jogos didáticos para o ensino de Ciências. Educação Pública, v. 17, nº 7, p. 1-11, 2017.
KISHIMOTO, T. M. O brinquedo na educação: considerações históricas. São Paulo: FDE, 1995. Série Ideias nº 7.
______. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2011.
MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
MIRANDA, J. C.; GONZAGA, G. R.; OLIVEIRA, B.; BORGES, P. N.; LUCAS, Y. O. S. Avaliação do jogo didático Em Busca da Fecundação como ferramenta para abordagem de temas relativos à reprodução humana. Revista da SBEnBio, nº 9, p. 1.845-1.856, 2016.
MIRANDA, S. No fascínio do jogo, a alegria de aprender. Linhas Críticas, v. 8, nº 14, p. 21-34, 2002.
PEREIRA. A. L. L. A utilização do jogo como recurso de motivação e aprendizagem. 132 f. Dissertação (mestrado em Letras). Universidade do Porto. Porto, 2013.
PLATÃO. As leis. Bauru: Edipro, 1999.
SANT’ANNA, A.; NASCIMENTO, P. R. A história do lúdico na educação. Revista Eletrônica de Educação Matemática, v. 6, nº 2, p. 19-36, 2011.
SANTOS, V. R. Jogos na escola: os jogos nas aulas como ferramenta pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2014.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Publicado em 01 de outubro de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
BARROS, Márcia Graminho Fonseca Braz e; MIRANDA, Jean Carlos; COSTA, Rosa Cristina. Uso de jogos didáticos no processo ensino-aprendizagem. Revista Educação Pública, v. 19, nº 23, 1 de outubro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/23/uso-de-jogos-didaticos-no-processo-ensino-aprendizagem
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.