Letramento digital e o Facebook: um estudo sobre o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa

Alessandra Cristina Costa Mendes

Professora de Língua Portuguesa (SME/RJ), especialista em Língua Portuguesa (UERJ) e em Mídias em Educação (UFRRJ)

O ensino da Língua Portuguesa como prática social

Agir com cortesia, alimentar-se à mesa, controlar o tom da voz e outros comportamentos são algumas das habilidades que o homem desenvolve a partir da convivência em sociedade. A inteligência humana é capaz de registrar muitos deles e repeti-los a partir, apenas, da observação; outros exigem que o homem se submeta a um processo de aprendizagem, como é o caso da aquisição da linguagem escrita.

Em meados da década de 1980 surgiram os primeiros estudos brasileiros voltados para a questão social da escrita, despertando um olhar para a educação. Ampliou-se, então, o papel da alfabetização para além da aquisição da tecnologia da escrita, para a aprendizagem de forma transformadora, levando o indivíduo a um estado ou condição de quem usa a leitura e a escrita e é capaz de responder às demandas sociais da comunicação.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Brasil, 1998, p. 25),

A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até há bem pouco tempo, e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de atender a essa demanda obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à constituição de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discursiva na interlocução.

É a atribuição de significado à alfabetização – letramento –, conforme esclarece Soares (1998, p. 40): “o indivíduo que vive em estado de letramento é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita”.

Letramento, pois, é o resultado da ação de ensinar/aprender a ler e a escrever, codificar e decodificar, de forma que o estado ou condição de quem a adquire tenha como consequência principal a apropriação da escrita. Letrar significa levar o indivíduo ao exercício de práticas sociais da leitura e da escrita. “O letrado é aquele que, além de saber ler e escrever, faz uso frequente e competente da leitura e da escrita” (Soares, 1998, p. 36).

Ainda de acordo com os PCN (1998, p. 19), letramento é

entendido como produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e de tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas.

É, portanto, imprescindível que o sujeito seja capaz de lidar com textos de variados tipos e gêneros, o que se configura como habilidade a ser desenvolvida no decorrer de toda a sua trajetória educativa e não apenas nas séries iniciais, uma vez que a escrita é capaz de provocar modificações de diferentes tipos, sejam sociais, culturais, econômicas ou linguísticas. O sujeito passa a fazer parte de um outro grupo social, político, linguístico, psíquico. Apropriar-se da escrita é dizer que esta passou a ser propriedade do indivíduo, que ele a usa e a domina em seus diferentes níveis, desde um simples bilhete até um texto científico.

Letramento digital e ensino

Nos últimos 30 anos, uma tempestade de novos gêneros invadiu e revolucionou a relação humana com a escrita, reflexo incontestável das inovações tecnológicas emergentes no mundo. Tais mudanças, evidentemente, provocaram transformações políticas, sociais, econômicas e, especialmente, linguísticas, afetando também o processo de ensino-aprendizagem.

É coerente inferir que o advento da internet obrigou as pessoas a usar a escrita com maior frequência, uma modalidade de expressão que sempre foi tão temida pela maioria pouco escolarizada e, ao mesmo tempo, idolatrada pelos eruditos da língua. Ela ganhou evidência e vem conquistando cada vez mais espaço e prestígio social.

É nesse contexto que se enquadra o conceito de letramento digital que aqui está sendo discutido. Segundo Yates (apud Marcuschi, 2002), com as novas tecnologias digitais vem-se dando uma espécie de “radicalização do uso da escrita”, e nossa sociedade parece tornar-se “textualizada”, isto é, passar para o plano da escrita.

O Facebook como ferramenta de aprendizagem

Lançado em 2004, no princípio para universitários de Harvard, o Facebook foi aberto ao público em 2006 e desde então tem crescido o número de seus adeptos. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, em 2017 essa rede social alcançou a marca de 2,13 bilhões de usuários no mundo, com cerca de 127 milhões de usuários no Brasil. É muita gente interligada para troca de informações, experiências, vivências, afeto e, sobretudo, conhecimento.

O Facebook dispõe de muitos meios de interação entre seus usuários, como Amizades, Página Inicial, Mensagem, Fotos, Vídeos, Páginas, Grupos, Eventos, Aplicativos e Jogos. De acordo com Ricardo (2018),

Facebook: a maior e mais interativa das redes sociais, atualmente. Funciona por meio de convites pessoais para que as pessoas se juntem à sua rede de amigos. Nessa ferramenta, os usuários podem inserir textos sem limites de caracteres, compartilhar notícias, inserir fotos, vídeos, utilizar jogos, criar grupos pessoais, divulgar eventos. Os usuários podem comentar textos de outras pessoas, além de “curtir” o que essa pessoa escreveu ou compartilhou. No Facebook, ficam registradas todas as atividades de cada usuário desde que se inscreveu na rede social.

Para fazer uso de tais recursos, é fundamental que se tenha o mínimo de conhecimento das habilidades necessárias para utilizar a mídia que será adotada como ferramenta desse processo de aprendizagem, como lidar com diferentes interfaces: migrar de um sistema operacional para outro (de Windows para Macintosh ou Linux e vice-versa). O conhecimento básico possibilita ao usuário aplicar o conhecimento de um programa em outro ou entre mídias, ainda que inicialmente encontre dificuldades.

Um ponto positivo é que as gerações do século XXI têm apresentado muita facilidade em aprender e operacionalizar diversas mídias, o que se configura como grande vantagem para aqueles que desejam aliar o ensino ao uso de tecnologias. Outro ponto é que a aplicação do uso de tecnologias na educação contribui para o desenvolvimento da autonomia, capacidade que o sujeito tem de tomar para si sua própria formação, seus objetivos e fins.

Além disso, a possibilidade de compartilhar conhecimento sem hora marcada permite flexibilidade ao educador, que pode preparar previamente as publicações. No entanto, é preciso cautela, visto que ele também fica sujeito a um permanente estado de conexão online, o que pode trazer consequências negativas para seu trabalho e sua saúde física e mental.

Por outro lado, é preciso estar atento às dificuldades que tal proposta pode ocasionar, já que as distrações oferecidas por uma plataforma tão ampla como o Facebook podem comprometer o resultado almejado.

Nesse ínterim, os desafios que essa nova era social e tecnológica impõem aos docentes são conhecer e transpor sua prática pedagógica para plataformas que, antes de tudo, devem passar pelo crivo crítico do docente. Na própria rede há diversos materiais e sugestões de propostas de trabalho utilizando ferramentas midiáticas que podem ser incorporadas ao cotidiano escolar.

Considerações finais

Letrar-se, como foi apresentado, é desenvolver a capacidade de fazer uso social da leitura e da escrita, que a princípio depende da relação com o outro, tarefa que, inicialmente, é atribuída ao espaço escolar. À medida que a capacidade cognitiva avança, o indivíduo adquire autonomia e se torna capaz de aprimorar esse processo, podendo, inclusive, selecionar os gêneros textuais que necessitam maior conhecimento ou aprimoramento, tendo em vista o contexto social no qual ele está inserido.

É assim que tem sido feita a aprendizagem do letramento digital: com base no interesse particular do sujeito ou da sua exposição excessivamente incontrolável aos gêneros que fazem parte desse aprendizado. É pressuposto que a habilidade de usar plenamente a linguagem nos espaços midiáticos é desenvolvida a partir da simples exposição a determinados gêneros, dispensando a necessidade da aprendizagem mediada. Na verdade,

a função da escrita tem de ser desenvolvida, alimentada pela leitura de textos literários, jornais, revistas, cartas, letras de músicas, mapas, esquemas, dentre outras tantas opções de gêneros discursivos disponibilizados em nossa sociedade para atender às nossas necessidades comunicativas (Abreu, 2017).

Sendo assim, é possível utilizar o Facebook como ferramenta de apoio às aulas de Língua Portuguesa, favorecendo o letramento digital? Claro, não só é possível como também é necessária essa atualização de acordo com as demandas que a sociedade exige a cada época. O Facebook, uma das redes sociais mais populares da atualidade, apresenta diversos recursos que podem ser utilizados como ferramenta de apoio pedagógico.

As principais vantagens dessa proposta são: ampliar a aprendizagem para além dos limites físicos e cronológicos da escola, favorecer o desenvolvimento da autonomia, fortalecer as relações pessoais, multiplicar a troca de informações, aproximar ideias afins e possibilitar discussões de ideias diversas.

Por outro lado, como qualquer outra rede social, é preciso cautela na sua utilização, visto que, devido a infinitas informações, há conteúdos irrelevantes que oferecem grande risco de dispersão. Ela também não possui ferramentas de busca eficientes, há forte propagação de dados e informações falsas, assim como anúncios publicitários selecionados conforme o perfil do usuário. Por isso, é importante que qualquer abordagem nova seja submetida ao crivo do professor.

Portanto, faz-se necessário que o currículo de Língua Portuguesa seja revisto e repensado, levando em consideração o surgimento de novos gêneros textuais e a reestruturação de gêneros antigos. Aplicar os recursos do Facebook às práticas pedagógicas é viável, mas é fundamental que a inclusão digital saia da teoria e que o acesso à internet seja extensivo a todas as classes sociais. Só então será possível pensar no ensino de Língua Portuguesa com foco na capacidade de interagir com sucesso nas diversas práticas sociais de linguagem, nas competências que permitam usar de forma adequada as diferentes variedades da língua conforme a situação, seja ela física, seja virtual.

Referências

ABREU, Maria Teresa Tedesco Vilardo. O ensino da produção escrita e as práticas de letramento. Revista Linguagens & Letramentos, 2017. Disponível em: revistas.ufcg.edu.br/cfp/index.php/linguagensletramentos/article/view/6. Acesso em: 23 jun. 2018.

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental – Língua Portuguesa. Brasília, 1998.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. Texto da Conferência pronunciada na 50ª Reunião do GEL, USP. São Paulo, 23-25 de maio de 2002.

O ESTADO DE S. PAULO. Facebookchega a 2,13 bilhões de usuários em todo o mundo. São Paulo, 31/01/2018. Disponível em: https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,facebook-chega-a-2-13-bilhoes-de-usuarios-em-todo-o-mundo,70002173062. Acesso em: 28 jun. 2018.

RICARDO, Wuilton de Paiva. O uso das redes sociais no ensino de língua materna: extrapolando as paredes da escola. Revista Gatilho, Juiz de Fora, 2014. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2014/05/ricardo-2014.pdf. Acesso em: 31 maio 2018.

SOARES, Magda. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

Publicado em 08 de outubro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

MENDES, Alessandra Cristina Costa. Letramento digital e o Facebook: um estudo sobre o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Revista Educação Pública, v. 19, nº 24, 8 de outubro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/24/letramento-digital-e-o-facebook-um-estudo-sobre-o-ensino-aprendizagem-de-lingua-portuguesa

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