Africanidade: contemporaneidade, cultura e educação

Manoel Messias Gomes

Mestre em Ciências da Educação (Instituto Superior de Educação de Brasília), doutorando (Unigrendal)

O estudo da história e da cultura africana é muito importante para que todos os brasileiros possam tomar conhecimento das contribuições que os africanos que aqui chegaram sob condição de escravos deram para a existência deste país. Sem a participação dos africanos, dificilmente os portugueses teriam conseguido ocupar as terras descobertas no processo de expansão marítima.

Foi pela importação maciça de africanos que os lusitanos conseguiram defender o território brasileiro da cobiça de outras potências coloniais, que também tinham planos de ocupar e explorar as riquezas tropicais aqui encontradas.

Foram os africanos e seus descendentes, juntamente com os indígenas escravizados, que desbravaram matas, ergueram cidades e portos, atravessaram rios, abriram estradas que conduziam aos locais mais remotos do território brasileiro. Na marcha para o interior, guerrearam contra povos indígenas que se opunham ao avanço colonizador ou se associaram aos nativos quando fugiam para a mata, para formar os quilombos. Eram também os escravos que conduziam tropas e carretos que tornaram possível o intercâmbio entre o interior e as cidades litorâneas. Foi na condição de escravos que os africanos e seus descendentes chegaram aos locais mais remotos da colônia.

Apesar da escravidão, os africanos foram atores culturais importantes e influenciaram profundamente as formas de viver e de sentir das populações com que passaram a interagir no Novo Mundo. Os africanos para aqui trazidos tiveram papel civilizador; foram elementos ativos e criadores, visto que transmitiram à sociedade em formação elementos valiosos da sua cultura. Com eles, a língua portuguesa não apenas incorporou novas palavras como ganhou maior espontaneidade e leveza. Portanto, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar africanos, mas terminou também africanizando o Brasil.

No âmbito escolar, observa-se o surgimento de grandes mudanças, principalmente no currículo, com a introdução da História da África e da contribuição dos africanos e seus descendentes para o desenvolvimento econômico e cultural deste país, pois são grandes os avanços com a introdução do estudo da História e da Cultura africana e afrodescendente nas escolas, visto que suscita o debate que pode e deve contribuir para que todos, negros, afro-brasileiros e não negros, posam tomar conhecimento da importância das contribuições dos africanos e seus descendentes no desenvolvimento do Brasil.

Sabemos também que não existe uma só África, mas muitas Áfricas. A África dos países de pessoas não negras, como as populações dos países do norte africano, e a África negra, que comporta a grande maioria dos países do continente. Também sabemos que existem africanos em desenvolvimento e os países subdesenvolvidos, onde uma minoria geralmente formada por grupos familiares se mantém no poder por longos anos e concentram a maioria das riquezas desses países em suas mãos, enquanto a grande maioria da população sofre os horrores da fome, da desnutrição e do descaso das autoridades desses países.

Assim como existem os vários Brasis. Há o Brasil de uma minoria que concentra em suas mãos as grandes riquezas deste país enquanto a grande maioria, como na África, concentra a grande parte da miséria do Brasil. Existe uma minoria privilegiada que recebe educação básica de qualidade, principalmente na rede privada de educação, enquanto a grande maioria, quando consegue entrar no sistema de ensino básico, recebe uma educação de má qualidade, principalmente na rede pública, que é responsável pela sua expulsão pelos altos índices de reprovação e de repetência. Existe o Brasil de uma minoria de não negros que conseguem entrar na universidade pública, tida como de excelência, nos melhores cursos, enquanto para a grande maioria da população restam apenas os cursos de qualidade duvidosa, principalmente na rede de educação superior privada, que prepara o grande exército de reserva de mão de obra desqualificada para o subemprego ou para fazer parte dos milhões de desempregados deste país. Existe o Brasil de uma minoria privilegiada econômica e culturalmente, enquanto o outro Brasil é dos desqualificados também econômica e culturalmente. Por isso, nós, a grande maioria da população, temos de lutar de todas as formas para que todas as pessoas que fazem parte dessa grande maioria possam mostrar a importância, inclusive dos afro-brasileiros, da contribuição para a constituição das riquezas econômicas e culturais deste país chamado Brasil, pois, sabemos que o termo influência não é suficiente para mostrar o quanto os africanos e seus descendentes têm contribuído, ao longo do tempo, para este país.

Os termos afrodescendentes ou afro-brasileiros são usados para definir que a população brasileira é miscigenada, ou seja, é produto da mistura das etnias negras, branca e indígena. Porém muitos não falam que ser afrodescendente ou afro-brasileiro é ser descendente da etnia africana, que veio para este país sob a condição de escravo e que construiu a economia deste país com o seu sangue, seu suor e suas lágrimas. Muitos não falam que são afrodescendentes por vergonha de se reconhecerem como negros ou descendentes deles, pois sentem vergonha de suas origens, quando deveriam se orgulhar de sua ascendência. Talvez a falta de argumentos bem elaborados que mostrem a importância da etnia negra para a formação e o desenvolvimento desta nação seja uma das causas que levam as pessoas, principalmente as descendentes da etnia africana, a renegar as suas origens. A própria sociedade racista tem grande interesse em que isso se perpetue, ou seja, tem interesse em que isso se reproduza ao infinito, pois faz com que as pessoas afrodescendentes se sintam inferiores, internalizem essa condição de inferioridade e subalternidade e não lutem pelos seus direitos nem pela sua dignidade. Nesse sentido, Silva e Marques (2015) esclarecem que

as pressões do Movimento Negro Brasileiro têm sido imprescindíveis nesse processo de luta pelos direitos da população negra e, principalmente, denunciaram o racismo, o preconceito e a discriminação racial que estão presentes na sociedade e, consequentemente, nos currículos e práticas escolares. [...] A luta desse movimento não tem sido em vão, pois tem colocado na agenda política do país a urgência da criação de políticas públicas afirmativas e de diversidade que visem à formulação, coordenação e articulação de políticas, diretrizes e ações voltadas à promoção da igualdade racial em todos os setores da sociedade. No campo da educação têm sido implementadas legislações educacionais que colocam o desafio aos sistemas de ensino, às escolas e aos docentes para a desconstrução de uma educação etnocêntrica que historicamente tem reforçado a transmissão de estereótipos, preconceitos e inferiorização da diferença (p. 47-48).

Existe uma identidade negra?

Se entendermos a identidade, em termos gerais, como um processo que passa pelo discurso – e não como algo fixo, estático –, existe, sim, uma identidade negra. Segundo o professor Kabengele Munanga, a identidade passa pela cor da pele, pela cultura ou pela produção cultural do negro, passa pela contribuição histórica do negro na sociedade brasileira, na construção da economia do país com sangue, passa pela recuperação de sua história africana, de sua visão de mundo, de sua religião.

“Essa identidade se constrói paralelamente à identidade nacional brasileira plural, num país cuja mestiçagem é inegável” (Munanga, 2012). Diante dessa afirmativa, podemos considerar esse processo de construção da identidade negra com a negação da mestiçagem que alguns consideram como maior símbolo da identidade nacional? Num país onde não existe um discurso articulado em torno da identidade “branca” ou “amarela”? Nesse caso, pode-se considerar o discurso sobre identidade negra como um racismo ao avesso. Pois não existe um discurso sobre a identidade branca ou amarela, porque não existe a necessidade desse discurso, visto que a primeira Constituição Republicana pregava o branqueamento da população brasileira como condição para que o país se assemelhasse aos países desenvolvidos, de população branca, e por isso se incentivou a imigração de europeus e asiáticos para colaborar com o desenvolvimento do país pelo branqueamento da população.

Porém é necessário um discurso sobre a identidade negra para que se possa mostrar o quanto os negros que aqui chegaram contribuíram para o desenvolvimento econômico deste país e que precisam ser reconhecidos como elementos importantes na formação do povo brasileiro. A questão é: para que serve essa identidade individual que nos é atribuída obrigatoriamente por nossos pais? Ela marca quais diferenças? É importante perceber que ela é fundamental para a discussão, pois estampa os fenótipos que revelam o pertencimento étnico-racial – a cor da pele, o formato do rosto, do nariz, da testa, da boca e o tipo de cabelo. Ela marca principalmente as diferenças individuais, porém a identidade coletiva pode ser entendida como o conjunto de referenciais que regem os inter-relacionamentos dos integrantes de uma sociedade ou como o complexo de referenciais que diferenciam o grupo e seus componentes dos “outros” grupos e seus membros, que compõem o restante da sociedade.

O riso, o abraço, o olhar, a postura negra deve ser observada como uma música que pretende mostrar o quanto o racismo está presente em nossa sociedade. No entanto, a postura e todas as ações realizadas por negros devem ser vistas com naturalidade, seja nos espaços majoritariamente brancos ou negros, pois não deve ser a cor da pele a caracterizar o ser humano, mas a sua competência, o seu caráter, seja a sua pele de que cor seja. “O riso negro, o olhar negro, o abraço negro, a postura negra nos espaços frequentados majoritariamente por brancos nos espaços frequentados majoritariamente por negros”. O que está por traz da letra da música que fala de um sorriso e de um abraço negro? Será que existe algum texto, um livro, um artigo sobre a identidade branca, sobre a identidade amarela? Por que não escutamos discursos politicamente articulados em nossa sociedade sobre a identidade branca, a identidade masculina, a identidade burguesa, a identidade dos heterossexuais etc.? Porque esses discursos não são necessários, visto que vivemos ainda numa sociedade machista, racista e homofóbica. Portanto, precisamos desconstruir esses discursos e reconstruir um discurso e uma postura de aceitação e de convivência com o diferente e com as diferenças. Os aspectos sociofilosóficos, antropológicos e históricos da africanidade e da etnicidade brasileira através de textos, pesquisas orientadas, vídeos, audições e apresentações ajudarão na assunção da identidade étnica dos alunos da Educação Básica e do Ensino Superior? Geralmente a gente só vê o defeito no outro e nunca em nós mesmos, dificilmente nos percebemos na relação com o outro. Portanto, o preconceito é sempre em relação ao outro, ao diferente. Nesse caso, os textos, as pesquisas orientadas, os vídeos, as discussões e debates, as audições e apresentações ajudarão, sim.

Arte e literatura negra sugerida como forma de resistência cultural na sociedade contemporânea

Na história e na literatura da África, a arte africana é definida pelo grande número de etnias e tribos, cada uma com seus respectivos costumes. Além da música, a pintura também é bastante significativa e funcional, em decorações internas, pinturas corporais e até em máscaras, que são artigos bastante conhecidos e alvo de muita admiração; eles expressam a emoção do africano com muito simbolismo. As máscaras podem ser encaradas como um ser que protege quem a usa e reproduzem seres mitológicos e sobrenaturais. Como o enfoque da cultura africana é a aparência, as vestimentas religiosas, em conjunto com anéis, braceletes, colares e joias, refletem a sua importância na vida africana. A diversidade dos bordados e vestes longas, decoradas com peças de vidro, também demonstra a rica criatividade africana. Se o assunto é religião, a dança africana é muito importante, pois é usada normalmente em rituais para seus deuses e crendices; tem também grande complexidade, pois consegue exprimir todos os sentidos, fazendo com que cada membro do corpo siga um ritmo diferente. Com movimentos repetitivos, a dança causa um efeito de transe. No continente africano, o elemento fundamental é a linguagem. São aproximadamente 1.000 idiomas originários da África e da Europa; as mais faladas na África subsaariana são as línguas da família Níger-Congo, a qual é a maior do mundo em termos de idioma.

Sabemos que o negro não representou e também não tem representado o homem brasileiro em textos literários ao longo do tempo e que o negro não era considerado um habitante original do Brasil. Mesmo depois da Abolição da Escravatura, sempre foi desrespeitado e tratado como um estranho no próprio país, visto que no imaginário popular o negro era considerado um estrangeiro; por isso, muitos advogavam o retorno dos ex-escravos ao continente africano. Enquanto isso, os imigrantes europeus que aqui chegaram logo após a abolição tiveram tratamento diferenciado: inclusive contaram com ajuda do próprio governo brasileiro para se instalar e trabalhar, sendo acolhidos e integrados à sociedade brasileira como autênticos brasileiros. Enquanto isso, o negro foi esquecido nas ruas, nos morros, excluídos das escolas e do mercado de trabalho formal.

Homens e mulheres negros sempre reivindicaram e reivindicam justiça e direitos iguais para todos. Nos quilombos, nas músicas, na religiosidade, nas esculturas, nas pinturas, na literatura oral e escrita e em muitas outras expressões, os negros e negras reivindicam o direito de viver dignamente neste país, que também é deles e de todos nós.

Muitos escritores e poetas afrodescendentes procuravam esconder a sua origem ou não chamar atenção para ela. No entanto, a cultura popular fornece muitas indicações da forte presença do negro no Brasil. Na Bahia, por exemplo, alguns versos de uma canção popular sobre o vapor de cachoeira são muito conhecidos. O cancioneiro popular conta e canta as muitas histórias, e boa parte delas foi criada ou recriada por homens e mulheres negras, muitos deles ainda escravos. Isso ocorreu não só na Bahia, mas em Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e outros locais em que as religiões de matriz africana ajudaram a difundir a cultura afro-brasileira. Em Minas, por exemplo, existem muitas histórias que representam as tensões entre negros e brancos, realçando a vivacidade do negro contra a discriminação. Em Pernambuco, manifestações de origem negra, como o maracatu, são muito importantes. O maracatu, por exemplo, alimentou e alimenta produções de grupos musicais contemporâneos, como Nação Zumbi, ainda em Pernambuco, e Tocaia, na Paraíba, todos marcados pela influência da cultura negra.

Presente em antologias literárias publicadas em vários países, a chamada literatura negro-africana, ou “literatura negra”, ligada a discussões no interior de movimentos que surgiram nos Estados Unidos e no Caribe, espalha-se por outros espaços e incentiva um tipo de literatura que assuma as questões relativas à identidade e às culturas dos povos africanos e afrodescendentes. Porém, com relação à história e à literatura, muito pouco tem aparecido, talvez pela existência de raras obras literárias e históricas disponíveis em nosso país, talvez pela pouca divulgação que é dada a essas obras no Brasil.

Porém, para podermos compreender melhor as contribuições que os povos do continente africano deram à construção econômica e sociocultural dos países que formam o continente americano com a diáspora africana, são de vital importância para todos nós o estudo e a compreensão da história e da literatura da África.

            Neste sentido, segundo o escritor afro-brasileiro, Jorge da conceição, a história e a literatura da África, pode ser contada “fenomenicamente”, como um processo do que ocorria na áfrica com uma certa independência de suas relações com a Ásia, com a Europa e com as Américas, e tem o momento, segundo ele, que é o que mais interessa, que é a partir da colonização europeia, que começa com o tráfico negreiro, que neste caso, considera-se que essa literatura é uma literatura de recontação da história da África, e também da história das relações “pluriétnicas” à nível mundial. Ela é uma literatura produzida por africanos de visão crítica.

Quanto à etimologia da palavra África, temos a seguinte definição: Afri era o nome de vários povos que se fixaram perto de Cartago, no Norte da África. No tempo dos romanos, Cartago passou a ser a capital da província da África, que incluía também a parte costeira da Líbia. Os romanos utilizavam também o sufixo ca denotando país ou território. Ou seja, a palavra África significava, no tempo dos romanos, ou ainda significa povos que habitavam ou habitam um território.

A ludicidade na formação afro-brasileira

Qual a importância dos aspectos lúdicos no processo de reconhecimento e valorização da cultura africana e afro-brasileira? Sabemos que os aspectos lúdicos e as brincadeiras são muito importantes na formação da personalidade do ser humano, pois auxiliam nas primeiras elaborações sobre a vida. Porque um brinquedo, uma cantiga, uma figura de gibi inspiram associações com modelos de humanidade. Porém é sabido que a escravidão em nosso país gerou inúmeras desigualdades reforçadas culturalmente. Tais desigualdades podem estar mantidas nos brinquedos que espelham a vida real.

A cultura define modelos e comportamentos que vão sendo oferecidos ao longo dos ambientes onde a criança experimenta a vida. Portanto, é importante estimular o princípio da diversidade na escolha dos brinquedos, e somente agindo dessa forma podemos contribuir para o fortalecimento e a valorização da cultura afrodescendente e afro-brasileira. Na prática docente, é muito importante que sejam utilizadas a ludicidade e as brincadeiras com frequência, principalmente nas salas de aula do Ensino Fundamental. Brincadeiras que, muitas delas, devem ser de origem afrodescendente e afro-brasileira estimulam, tanto na sala de aula quanto no pátio da escola, a aprendizagem e a socialização dos alunos.

Da África mítica a uma África real

O que significa passar de uma África mítica a uma África real? Significa lutar pela sua autoafirmação como continente e países, esquecer o seu passado colonial e lutar para que as suas expressões culturais sejam vistas em pé de igualdade com as expressões culturais de todo o mundo. Que os governos dos países africanos possam lutar para desenvolver as suas economias, a educação e se tornar países respeitados como países independentes. O que seria uma visão negativa do continente? Uma visão negativa do continente africano foi e é uma visão europeizada, de que a cultura branca e as nações cuja população possuía a pele clara eram superiores e, portanto, predestinadas a levar a sua cultura superior às nações de pele diferente, consideradas inferiores por eles. Por isso achavam-se no direito de invadir a África e reparti-la como se fosse um bolo que eles repartiriam entre si, roubando suas riquezas e suas terras e escravizando sua população, considerada por eles como bárbara e inferior e que precisava receber uma nova cultura, sendo, portanto, a partir daí, aculturada e espoliada de sua cultura.

O que seria afrocentrismo ingênuo? E a historiografia chamada de “pirâmide invertida”? Afrocentrismo ingênuo é a corrente de pensamento que pensa um continente africano como dominante e independente, principalmente nas condições atuais de globalização da economia. No entanto, sabemos que o continente africano precisa lutar para que realmente se torne um continente desenvolvido, principalmente, em termos econômicos.

Sabemos que o continente africano é o berço da civilização e da cultura humanas. No entanto, sabemos o quanto esse continente tem sido espoliado de suas riquezas ao longo do tempo. Nesse sentido, a historiografia da “pirâmide invertida” pode ser vista principalmente na perspectiva de que as minorias do alto da pirâmide, ou seja, os dominantes, são os proprietários das grandes extensões de terras, principalmente a férteis, e das grandes riquezas, deixando a grande maioria das populações com as migalhas.

Para pensar a hibridização cultural da África: a partir de que fontes podemos estudar a história africana? Podemos pensar a hibridização cultural da África baseados na oralidade e na corporeidade afro-brasileira, pois o poder da palavra garante e preserva o ensinamento, uma vez que ela possui uma energia vital com capacidade transformadora do mundo. Como tal, “a palavra ecoa na corporeidade, ressoando como voz cantante e dançante, numa relação expressiva que se faz entre os vivos, os ancestrais e os que ainda estão por vir”. Nesse caso, podemos estudar a história africana com base em fontes orais, escritas, cantos, danças etc.

Como abordar fontes orais em sala de aula? Com base na tradição oral, que é guardiã da história e da memória entre os muitos povos africanos, pois a oralidade é uma forma de registro, preservação e transmissão dos conhecimentos tão complexa quanto a escrita, visto que emprega vários modos de expressão, como a corporalidade, a musicalidade, gestos, narrativas, danças etc.

Podemos falar em reinos africanos? No passado, era comum encontrar reinos e impérios no continente africano. Impérios como o egípcio e reinos como tantos outros; era comum. Porém na atualidade não é possível falar de reinos, mas de Estados e nações independentes há pouco tempo, nações que precisam buscar a sua afirmação mundial, lutando pelo seu desenvolvimento econômico e pela preservação e pelo respeito às suas expressões culturais.

Quais os problemas e possibilidades de análise da história africana com base em fontes arqueológicas? Os maiores problemas enfrentados pelos historiadores a partir dessas fontes, a meu ver, deve-se à dificuldade de interpretação dos materiais e fontes arqueológicas devido à grande quantidade e diversidade deles. Também as guerras civis de grande parte dessas nações têm dificultado, em minha opinião, o estudo e a interpretação dessas fontes. No entanto, isso também pode ser considerado grande possibilidade pela riqueza de documentos e fontes, visto que o continente africano é muito rico em cultura e de uma historiografia bastante diversificada.

Os bens culturais permitem entender melhor a história e a cultura da África, pois são bastante ricos e diversificados, permitindo uma interpretação da história e da cultura africanas, apresentando grande riqueza de detalhes e diversidades. As fontes artísticas, iconográficas e imagéticas são muito importantes para a interpretação das expressões culturais africanas e afro-brasileiras, principalmente porque mostram a riqueza cultural africana no próprio continente ou trazida pelos africanos que aqui chegaram sob a condição de escravos. São expressões como dança, cantigas, congados, brincadeiras, cores e sabores trazidos pelos africanos e que puderam mostrar a sua riqueza e diversidade cultural, contribuindo para a riqueza cultural deste país.

Diversidade e religiosidade afro-brasileira

Encontramos na diversidade da religiosidade afro-brasileira e na sua realidade uma afirmação relacionada de modo peculiar ao cotidiano de cada pessoa, comunidade e povo que faz de sua experiência uma busca de identificação e identidade religiosa e cultural. Todavia, como se daria esse aspecto relacionado à afirmação de uma identidade? Como estaria nossa leitura da realidade social, política, religiosa mediante a alfabetização, a organização do trabalho, a democratização da sociedade e o abrasileiramento das instituições presentes em nossos contextos, sem a cultura? Qual seria um bom caminho a seguir no entendimento e aprofundamento das culturas? Como interpretar o chamado “sincretismo” das expressões religiosas afro-brasileiras? Existe um pensar hermenêutico-teológico negro? E a cultura mais propriamente “vivida” da “experiência africana”, onde entraria para uma interpretação caracterizada por outro tipo de entendimento? Onde e como entraria uma “hermenêutica africana” numa compreensão sistemática? Como se configura uma Eclesiologia afro-brasileira? Seria possível, com base em documentos e textos ou na própria práxis teológica desenvolver uma Cristologia afro-brasileira? Qual a abrangência e relevância desse discurso dogmático para a Teologia? Precisaríamos passar ou nos firmar nesses rumos? Seria possível afirmar uma Teologia, ou talvez fosse melhor dizer “sabedoria”, “reflexão não teológica, mas teologizável”? Como refletir teologicamente na perspectiva da fé e das experiências religiosas de africanos e afrodescendentes com as categorias gregas, ocidentais? Somente na teoria religiosa, das Ciências, sem passar pela Teologia? Nesse aspecto, o essencial não seria o emprego de outro tipo de hermenêutica – não “tradicional ocidental e ortodoxo”, mas “tradicional africano e afro-brasileiro”? Sabemos que a identidade religiosa é um fator preponderante para a identidade cultural, para o sentimento de pertencimento a certo grupo e de fazer parte de uma cultura.

Nesse sentido, percebemos também que a religiosidade dos grupos que compõem a formação do povo brasileiro é o seu principal aspecto do sentido de pertencimento à cultura do nosso país. Sem essa identificação, não se pode falar de cultura. Porém, no caso brasileiro, cuja população é fruto de intensa miscigenação, não há como fazer uma leitura da nossa realidade social, política, religiosa e da organização do trabalho e da democratização da sociedade sem nos reportarmos às contribuições dadas pelas práticas religiosas de homes e mulheres que aqui chegaram na condição de escravos e trouxeram consigo suas religiosidades e que entraram em contato aqui com a religiosidade trazida da Europa e das práticas religiosas indígenas existentes aqui, formando o que hoje chamamos de sincretismo religioso, em que santos e orixás, unidos, abriram o caminho para permanecerem cultuados – como Santa Bárbara, que na leitura africana aqui é reconhecida como Iansã; os gêmeos São Cosme e São Damião, que aqui são reconhecidos como os gêmeos Ibeji, entre outros. São essas práticas que nos identificam como povo, com nossas práticas culturais, como um país miscigênico.

O melhor caminho para o entendimento e aprofundamento das culturas é o respeito que se deve ter às suas manifestações, sem ideias etnocêntricas, de que existem culturas superiores ou inferiores a outras, pois, como percebemos, existem culturas diferentes, multiculturalismo ou diversidade cultural. Portanto, desde que exista o respeito às manifestações e às expressões de cada cultura, é possível o entendimento. O sincretismo das expressões religiosas afro-brasileiras deve ser entendido como uma forma de resistência à aculturação imposta pelas ideias dos europeus que aqui chegaram como colonizadores e que se diziam dominantes e superiores culturalmente. Como percebemos, toda a rica e variada ritualística africana passou por perseguições e excomungações; principalmente na Bahia, os santos da hagiologia cristã foram reunidos de modo a permanecerem cultuados, como Nosso Senhor do Bonfim, cultuado como Oxalá, entre outros.

Hoje se percebe que existe um pensar hermenêutico negro, pois os movimentos negros, desde o tempo da escravidão, vêm lutando por uma identidade da cultura negra. Diante disso, é possível afirmar que existe um pensar hermenêutico negro e que a cultura vivida da experiência africana tem caracterizado o entendimento de uma hermenêutica africana, numa compreensão sistemática.

Nessa perspectiva, configuram-se pela presença das várias expressões religiosas dos africanos que aqui chegaram e que resistiram ao aculturamento europeu, cultuando as suas divindades e, mesmo sob a opressão por parte do colonizador, souberam resistir e preservar a sua identidade religiosa. É possível, a partir de documentos e textos, o desenvolvimento de uma Cristologia afro-brasileira, pois muitas entidades africanas foram associadas a santos da Igreja Católica como forma de resistência à aculturação e à perseguição da Igreja Católica contra as práticas religiosas da população escrava deste país. Esse discurso é abrangente para a Teologia, pois mostra que, mesmo com toda a perseguição, foi possível resistir e preservar os elementos da religiosidade africana em nosso país. Porém, precisamos nos firmar como povo de extrema religiosidade, principalmente porque buscamos mesclar o catolicismo com os aspectos religiosos das etnias que nos originaram. Nesse sentido, não é necessário o emprego de outro tipo de hermenêutica tradicional africana e afro-brasileira, já nos identifica como povo ou nação que precisa respeitar e ser respeitado em suas manifestações religiosas e culturais.

Não podemos esquecer que a língua é um fenômeno social que designa um grupo étnico, sua cultura, seus costumes e crenças, espaço territorial e forma de organização. Nesse sentido, sabemos que as línguas africanas têm seus sons, suas gramáticas, suas formas de escrita, suas expressões literárias, seus fonemas e seus numerais. No caso da língua portuguesa, também não é diferente. Sabemos que, além de toda expressão idiomática, também existem os regionalismos. No caso da região nordeste, região onde se iniciou a colonização do Brasil, as palavras de origem africana contribuíram decisivamente para a riqueza e para a diversidade da língua portuguesa; a maioria das palavras da língua portuguesa no Brasil com regionalismo nordestino são originárias de um tronco linguístico denominado bantu, o que mais influenciou a língua portuguesa em todo o Brasil.

Sabemos que ler, escrever, falar significa ter acesso às informações, às leis que regem o país e às relações que nele se estabelecem. Porém, na história da população negra, a experiência escolar tem deixado marcas negativas ou não muito positivas. É preciso perceber que por trás disso, além da má qualidade do ensino, existe ainda a necessidade de democratizar as relações específicas de respeito ao outro, ao seu universo vocabular e cultural. Um dos caminhos para a democratização é o reconhecimento e a valorização da memória, da herança cultural dos povos. Nesse sentido, o desafio é buscar as explicações. Ou seja, desafiar a trama cultural, nos seus múltiplos sentidos, recuperando e produzindo significados e, na própria voz dos sujeitos, buscar saídas para redimensionar a condição atual. Portanto, o melhor caminho é dar vez e voz aos sujeitos para que possam expressar as suas manifestações culturais, pois pelos movimentos como hip hop, reggae, afoxé, samba, pagode etc. é possível dar voz aos seus representantes para o uso de termos linguísticos com a finalidade de persuadir e chamar a atenção para determinados acontecimentos, fortalecendo o uso sociocultural da oralidade e configurando-se como símbolo de resistência e de denúncia do racismo, contribuindo assim para a organização da população negra; essas linguagens expressam significados, desejos e identidade cultural, revelando-se como expressão e registro de um modo de pensar e agir no mundo. A esse respeito, Gouvêa, Oliveira e Sales (2014, p. 8-9) esclarecem que,

se tomarmos como exemplo o caso brasileiro, o debate referente à diversidade no campo da educação tem sido muito dinamizado nos últimos anos como resultante dos efeitos provocados pelas alterações efetuadas pela legislação e diretrizes que passaram a incidir sobre o currículo, abrangendo diferentes áreas do conhecimento. Ainda que temas referentes à diversidade e à inclusão nos espaços escolares fossem desde há tempos frequentados por pesquisadores e professores no Brasil, essa discussão assumiu novos contornos, de caráter não apenas acadêmico. O contexto social deu uma marca especial às discussões sobre a temática: conferiu-lhe uma cor política e, portanto, uma posição. E esse lugar de referência entrelaçou os estudos sobre a inclusão e a diversidade no nosso país às reflexões sobre o racismo e a desigualdade.

Diversidade cultural e de gênero

No Brasil, há diversas tradições culturais, algumas mais popularizadas, outras pouco respeitadas. Como compreender os elementos comuns e as singularidades entre as culturas? Como lidar com a diversidade cultural e a questão de gênero na sala de aula? É muito importante que a questão de gênero seja discutida não só na sala de aula, mas em toda a comunidade escolar, na família e na sociedade, assim como as questões relacionadas às tradições culturais, para que alunos, pais e sociedade possam compreender e respeitá-las. Compreender que nenhuma cultura é melhor ou pior que a outra, é apenas diferente, e essa diferença tem que ser respeitada, de maneira que todos possam aprender a lidar com a diversidade de culturas existentes, respeitando e procurando conviver com essa diversidade. A questão de gênero deve ser discutida em sala de aula e na sociedade para que os alunos e as pessoas em geral possam compreender e respeitar a opção de cada um.

Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e a políticas públicas específicas.

Como o professor da Educação Básica pode contribuir e/ou tem contribuído para a mudança? É importante que ele procure contribuir para que haja mudança da situação, levando o assunto para ser discutido em sala de aula, a fim de que seus alunos possam refletir e manifestar as suas opiniões e, dessa forma, enriquecer o debate sobre as questões relativas a etnocentrismo, estereótipos, preconceitos e discriminação, de forma que possam compreender e respeitar as pessoas, suas escolhas e opções, discutindo de forma que possamos todos juntos contribuir para o esclarecimento e a diminuição desse tipo de atitude em relação ao outro, de modo que se crie um ambiente de respeito e de convivência pacífica com o diferente e com as diferenças.

A diversidade cultural é vital para um saudável dinamismo cultural. Diversidade que demanda respeito. Respeito e tolerância são sinônimos? Percebe-se alguma conotação negativa no conceito de tolerância? A diversidade cultural é uma realidade presente em nosso país. Portanto, temos de ter atitude de respeito e de aceitação em relação às representações culturais. Porém respeito e tolerância podem até ser palavras parecidas, podem até parecer sinônimos, mas, em minha opinião, não são; eu posso tolerar certas coisas, mas posso não ter o devido respeito por essa coisa ou vice-versa. Logo, percebo conotação negativa no conceito de tolerância, pois é possível até tolerar certas atitudes sem ter o devido respeito por elas. Pode-se tolerar certas manifestações culturais, sem ter-lhes o devido respeito.

Compreendemos que não se faz educação de qualidade sem educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem uma antiga trajetória normatizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os/as estudantes negros/as, indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo), se levaria os “desviantes” à integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Qual o seu conceito ou definição de “normal” e “anormal”? Qual seria o seu “modelo” de sujeito “normal” e de sujeito “anormal”?

O conceito de sujeito normal é o conceito de sujeito que age de acordo com suas convicções e concepções. Ser gay, ser lésbica, transexual etc. deve ser uma questão de opção de cada um e que essa opção deve ser respeitada. O meu modelo de sujeito “normal” é o sujeito que discrimina, que é homofóbico, que é intolerante e que não respeita a opção sexual dos outros. Esse é o modelo de sujeito “normal”. Porque os diferentes sistemas de gênero – masculino e feminino – e de formas de operar nas relações sociais de poder entre homens e mulheres são decorrência da cultura, e não de diferenças naturais instaladas nos corpos de homens e mulheres. Não faltam exemplos de que a hierarquia de gênero, em diferentes contextos sociais, é em favor do masculino.

De onde vêm as afirmações de que as mulheres são mais sensíveis e menos capazes para o comando? A ideia de “inferioridade” feminina foi socialmente construída pelos próprios homens e pelas mulheres ao longo da história, não? A ideia da inferioridade feminina vem, ao longo da história, de uma sociedade machista, em que as mulheres sempre foram vistas como inferiores ao homem, com a desculpa de que a mulher é mais sensível e mais fraca fisicamente, sendo portanto inferior e que devia ser subordinada ao homem. Tal cultura foi repassada de geração em geração, fazendo com que até mesmo as mulheres se sentissem inferiores e incapazes em relação aos homens. No entanto, nos últimos tempos, temos percebido a evolução e a revolução causada pelas mulheres para mostrar o quanto são competentes – muitas vezes superiores aos homens em competência e responsabilidade. Hoje, vemos que mulheres e homens são iguais e muitas vezes temos visto mulheres em posição de comando, saindo-se bem melhor do que homens na mesma posição. Vemos hoje muitas famílias serem sustentadas por mulheres que mostram a cada dia o quanto são capazes e o quanto são dinâmicas em suas atitudes, em relação à profissão, em relação à família ou à sociedade.

Será que, como pai/mãe e educador/a, consegue-se identificar as diferenças na educação de meninos e meninas? Como, então, aprendemos a conformar nosso olhar e terminamos por tratar homens e mulheres de modo distinto? É muito presente ainda em nossa sociedade as ideias machistas que foram encasquetadas em nossas cabeças ao longo do tempo no sentido de tratar meninos e meninas de formas diferentes; essa diferença era sempre no sentido de inferiorizar as meninas em relação aos meninos. No entanto, temos visto e presenciado grandes avanços em relação às formas de educar nossos filhos, seja homem ou mulher. O mais importante é que sejam educados sempre para que respeitem as diferenças e as opções sexuais de cada um. Se educarmos nossos filhos para serem cidadãos respeitadores, tolerantes e para que possam procurar conviver com as diferenças respeitando-as, então, tenho certeza de que os teremos educado adequadamente.

Ser mulher branca, negra ou indígena faz diferença? E ser mulher pobre ou rica? Ter ou não escolarização? Viver no campo ou na cidade? Ser mulher heterossexual, lésbica ou ser travesti é diferente? Ser mulher branca, negra, indígena, pobre ou rica não deve fazer diferença. O que importa é que sejam mulheres competentes, sensíveis, femininas ou feministas, sejam gays, lésbicas ou heterossexuais. O que importa é que sejam mulheres. Que tenham dignidade e que lutem com todas as forças pelos seus direitos e que sejam respeitadas em suas opções e decisões. Que lutem cada vez mais por escolaridade e por educação, pois quanto mais conscientes elas forem mais vão poder lutar pelos seus direitos e pelo respeito que merecem.

Considerações finais

A escola e a família têm papel fundamental na luta contra o aumento do preconceito e da discriminação direcionados às mulheres e a todos aqueles que não correspondem a um ideal de masculinidade dominante. Como você imagina que se possa trabalhar nessa direção em casa e na escola? Qual a responsabilidade da escola e dos educadores e educadoras na garantia do direito de cada pessoa ter uma justa imagem de si e de ser tratada com dignidade? Como educar meninos e meninas para a igualdade de direitos e oportunidades? A escola e a família têm esse papel fundamental de educar as crianças, adolescentes e jovens para uma cultura de respeito às diferenças e para uma convivência pacífica e de respeito pelas opções de cada um. É da responsabilidade da família e da escola, de educadores e educadoras, procurar garantir – na escola, na família ou na sociedade – o direito de cada pessoa ter seu direito a uma justa imagem de si mesmo e de ser tratado com a dignidade e o respeito que merece. Portanto, cabe a todos nós, pais e educadores, orientar nossas crianças, adolescentes e jovens para uma cultura de respeito à dignidade da pessoa humana e de respeito à diversidade de opiniões e de opções para a vida de cada um. Considerando a questão de gênero e representação política, será justa a proporcionalidade entre o número de deputadas e senadoras e o número total de mulheres no Brasil? Se as mulheres são maioria na população, por que não o são na representação política? Se as mulheres são a maioria da população brasileira, nada mais justo do que elas serem a maioria na política. Isso mostra que nossa sociedade ainda tem muito de uma visão machista da situação. Pois, como se sabe, os partidos políticos devem guardar pelo menos 30% de sua representação política para o sexo feminino, o que sabemos que já é muito injusto. E sabemos que a representação política das mulheres é muito menor do que isso; percebemos que as mulheres ainda têm de lutar muito para que possam ser realmente reconhecidas como maioria da população; diante disso, nada mais justo do que elas possam realmente ser maioria na representação política da população em nosso país.

As cenas de violência de gênero, principalmente de homofobia em relação a alunos homossexuais, tanto masculino quanto feminino, estão muito presentes na escola. Isso nos desafia a levar para a sala de aula a questão e o debate sobre as questões de gênero, o respeito que se deve ter pelas opções de cada um e a procura por conviver com as diferenças e com o diferente. Seria também muito importante que as questões sexuais e as relações de gênero pudessem ser mais debatidas em nossa escola. Porém, com relação à disciplina e as diferenças de rendimento, percebemos que as meninas são mais comportadas e prestam mais atenção nas aulas, tirando notas melhores que os meninos, não porque sejam mais inteligentes, apenas são mais dedicadas. As meninas brincam mais no pátio, e os meninos brincam mais na sala de aula; por isso, rendem menos do que as meninas.

A violência atinge-nos a todos. Somos cotidianamente abordados por notícias assustadoras sobre a violência e suas várias facetas. A violência de gênero é aquela oriunda do preconceito e da desigualdade entre homens e mulheres. Apoia-se no estigma de virilidade masculina e de submissão feminina. Enquanto os rapazes e os homens estão mais expostos à violência no espaço público, garotas e mulheres sofrem mais violência no espaço privado. Isso quer dizer que a violência vem de casa? Será que a escola contribui para esses comportamentos? Será que estimula o uso da força física e da opressão por parte dos meninos e a submissão por parte das meninas?

A violência está presente em todos os espaços. A escola também não tem escapado. Porém muitas vezes percebemos que a violência é gerada na família, quando pais e mães não se respeitam e não respeitam os seus filhos. Muitas vezes, presenciamos atos de violência na família, quando os pais agridem as mães, seja física ou psicologicamente, na frente dos filhos, gerando situações de violência doméstica, e os filhos, assistindo a tudo isso, muitas vezes levam para o espaço da escola aquilo que presenciaram em casa, desrespeitando os colegas e os professores, que têm se tornado vítimas da violência gerada na sociedade, que se reflete também na escola. Tudo isso muitas vezes na visão de que os homens são superiores às mulheres e que elas devem se submeter inclusive a tudo isso que estamos presenciando na escola e na sociedade.

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Publicado em 05 de novembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

GOMES, Manoel Messias. Africanidade: contemporaneidade, cultura e educação. Revista Educação Pública, v. 19, nº 28, 5 de novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/28/africanidade-contemporaneidade-cultura-e-educacao

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