Interdisciplinaridade nas tramas do texto
Ana Cristina Muniz Percilio
Especialista em Gestão da Educação, pedagoga e professora de Língua Portuguesa e Produção de Textos (Seeduc/RJ)
Ailson Carlos da Silva
Especialista em História Social do Brasil, professor de História e diretor-adjunto escolar (Seeduc/RJ)
Considerações iniciais
Pensar estratégias, refletir, propor novas atividades, dinâmicas, interações, são recursos adotados por todo educador que prima por uma educação com vistas a um aprendizado mais significativo. Foi com este norte que nos dispusemos a realizar atividades que tivessem como objetivo a interdisciplinaridade como forma de integração de conteúdos em História e Produção de Texto e desenvolver no aluno o sentimento de solidariedade e voluntariado no cotidiano escolar, refletindo experiências em forma de texto e, ao mesmo tempo, a formação do sujeito no exercício de cidadania.
O trabalho contribuiu para propor reflexões de cidadania assim como habilidades de leitura e produção de texto. Como professores, entendemos que o espaço escolar pode ser compreendido além de lugar de aprendizado, como ambiente modificador, pautando-se na afetividade, na pluralidade, no respeito e em trocas. As leituras e as práticas devem ser alvos de reflexão constante e estar alinhados, tendo como base a busca de humanização de um espaço alicerçado no respeito e construção de uma educação mais humana.
Partindo desse entendimento, um projeto pedagógico foi realizado com alunos do Ensino Fundamental embasado na leitura do livro Juca Brasileiro – o voluntário fazendo acontecer, de Patrícia Secco, e outras leituras, com o propósito de trabalhar determinados valores essenciais para a vida em sociedade, promover discussões sobre o que pensam a respeito e, a partir das experiências, produzir seus textos.
Tecendo ideias nas tramas do texto
O produto final a que objetivou a realização do projeto foi a produção de textos, ou melhor, o registro do entendimento acerca das reflexões e atividades produzidas nas oficinas. Para isso, coube, primeiramente, a provocação: que conhecimentos são necessários para produzir textos?
As atividades propiciaram aos alunos compreender que, para produzir um texto, é necessário que o escritor tenha conhecimento prévio do assunto que irá abordar e assim expor, por meio de palavras, suas próprias ideias. Foi pensando dessa forma que as oficinas foram desenhadas, com o intuito de, primeiramente, trazer à tona o tema a ser discutido e estimular o pensamento, a fim de oferecer ferramentas necessárias para que o aluno pudesse trazer suas reflexões para o papel. Para esse fim, foi utilizada a leitura do livro Juca brasileiro - o voluntário fazendo acontecer, para expor o tema aos alunos e possibilitar a discussão.
Para início, comunicamos aos alunos que, nas duas aulas seguintes, eles iriam estudar as implicações éticas de um tema conhecido: a solidariedade. Perguntamos o que eles achavam que era solidariedade e pedimos que escrevessem no caderno o conceito formulado por eles. Em seguida, sugerimos que socializassem suas reflexões e anotamos no quadro posteriormente.
Na sequência, reservamos um tempo para uma parte expositiva sobre as origens da solidariedade e fizemos uma breve abordagem sobre o tema nos dias de hoje. Apontamos o desafio de ser solidário para quem mora ou convive em áreas de risco e violência, sinalizando que o conceito de solidariedade surge da responsabilidade com os outros membros do grupo social pautada pela mútua cooperação. Após essas considerações, distribuímos aos alunos o livro para que fizessem a leitura, reflexão e levantamento de dúvidas.
Figura 1: Turma do 6º ano do C. E. Vila Guarani, de São Gonçalo/RJ
Esclarecemos as inquietações e relacionamos o voluntariado com o conceito de solidariedade estudado na etapa anterior. Explicamos que voluntariado é um tipo de conduta de pessoas que exercem atividades em diversos ramos da sociedade sem remunerações ou retribuições. Tais atitudes são muito mais antigas do que convencionalmente imaginamos.
No início da industrialização na Europa, o êxodo rural e o crescimento da população urbana levaram a graves problemas sociais, como fome e doenças. Por conta disso, surgiram instituições de voluntários que tratavam desses problemas, sobretudo porque o Estado liberal, pautado pela garantia das liberdades individuais, deixava esse tipo de cuidado para a própria sociedade civil. As diferentes formas de organização voluntária tiveram papel muito importante para o avanço dos direitos dos cidadãos e conquistas democráticas. Deixamos claro aos alunos que a ideia de atividade voluntária aqui é muito ampla e compreende partidos, associações religiosas, grupos de intelectuais etc.
Finalizando a atividade, pedimos aos alunos se dividissem em grupos para debater o tema discutido. Foi solicitado, por fim, que elaborassem um texto individual a partir das reflexões e da pergunta “Como a solidariedade pode estar ligada à ação voluntária?”, sugerindo que apresentassem exemplos de voluntariado e descrevessem uma ação que poderiam realizar na escola ou na sua comunidade.
Considerações finais
Foi de forma voluntária que nos unimos em solidariedade aos nossos alunos, aos nossos propósitos e às nossas inquietações em prol de um fazer aprender diferente. Ninguém nasce solidário, ninguém nasce sabendo discernir valores essenciais para uma vida em sociedade, ninguém nasce sabendo produzir textos, assim como ninguém nasce sabendo trazer reflexões para o papel e para a sua vida. Mas tudo isso é possível ensinar.
Nosso objetivo maior foi mudar o curso tradicional do ensino em sala de aula, trabalhar valores e estimular, de forma diferente e prazerosa, habilidades de leitura, expressão e produção de textos, que não pode findar com o término do projeto. Pensar uma escola mais humanizada, e trabalhar para termos alunos como agentes ativos naquele espaço, não é tarefa fácil nem é possível alcançar os objetivos pretendidos em curto prazo, mas é um começo.
As oficinas deixaram marcas de possibilidade de um ensino menos engessado e mais dinâmico, passível de resultados satisfatórios trabalhando de forma interdisciplinar e com o envolvimento de todos. Dessa forma, como educadores, devemos sempre buscar melhorias para o fazer aprender, aperfeiçoando a nossa prática para a formação de novas gerações.
Referências
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SECCO, Patrícia Engel. Juca Brasileiro - o voluntário fazendo acontecer. 4ª ed. São Paulo: Educar Dpaschoal, 2008.
Publicado em 05 de fevereiro de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
PERCILIO, Ana Cristina Muniz; SILVA, Ailson Carlos da. Interdisciplinaridade nas tramas do texto. Revista Educação Pública, v. 19, nº 3, 5 de fevereiro de 2019.
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