Legislação educacional: um estudo sobre a Resolução nº 08/07 Câmara de Educação Básica - CEB, do Conselho Estadual de Educação (CEE-AL)
José Clécio Silva e Souza
Bacharel em Serviço Social (Unopar), licenciado em História (Uniasselvi), especialista em História da Cultura Afro-Brasileira (Face Bahia), docente de História e Matemática na Escola Municipal de Educação Básica Manoel Moura de Souza, em Delmiro Gouveia/AL e de História na Escola Municipal de Educação Básica Nossa Senhora do Rosário, em Inhapi/AL
No Brasil, existe um conjunto de leis que regem o processo educacional em nível federal estadual e municipal. A lei federal que rege a educação é a nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; há outras que normatizam e propõem mudanças, como a 11.274/06, que altera o Art. 32 da LDBEN e torna obrigatório o Ensino Fundamental de nove anos, com ingresso da criança aos seis anos de idade.
O prazo para implantação do Ensino Fundamental de nove anos expirou em 2010; visando regulamentar sua implantação na rede estadual de ensino, a Câmara de Educação Básica do Conselho Estadual de Educação do Estado de Alagoas elaborou a Resolução nº 08/07; os municípios que não possuem Conselho Municipal de Educação (CME) devem aderir as normas estabelecidas pela resolução.
A Resolução organiza todo o Ensino Fundamental, com base na lei federal; seu texto demonstra grande preocupação em “acabar” com a distorção idade-série e, para tal finalidade, cria as progressões continuada e parcial, entre outras formas de promover o aluno para a série seguinte.
O presente trabalho se propôs a analisar e refletir sobre essa resolução e verificar as principais mudanças ocorridas após a sua implantação em uma unidade de ensino pública de Delmiro Gouveia/AL, município que segue o texto da resolução por não dispor de CME. O trabalho é iniciado com uma breve caracterização do Ensino Fundamental de nove anos; na sequência há uma abordagem sobre a Resolução nº 08/07, apresentando e analisando as suas principais características; por fim, apresenta o resultado de uma pesquisa de campo que contempla entrevistas realizadas com profissionais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Castro Alves, localizada no Distrito de Barragem Leste, em Delmiro Gouveia-AL, a fim de conhecer melhor a aplicação dessa resolução e seus efeitos no processo de ensino e aprendizagem.
Ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração
A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade, é uma meta almejada pela Política Nacional de Educação há muitos anos. Contudo, ainda há muito o que planejar para que, com essa medida, melhorem as condições de equidade e de qualidade da Educação Básica.
É necessário conhecer o amparo legal da ampliação do Ensino Fundamental de nove anos; a seguir apresentamos uma perspectiva histórica do ordenamento legal.
- Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, admite a matrícula no Ensino Fundamental de nove anos, a iniciar-se aos seis anos de idade;
- Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aprovou o Plano Nacional de Educação/PNE. O Ensino Fundamental de nove anos se tornou meta progressiva da educação nacional;
- Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos no Ensino Fundamental;
- Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, amplia o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade, e estabelece o prazo de implantação pelos sistemas até 2010.
Resolução CEB-CEE/AL nº 08/07: aspectos gerais
Essa resolução tem como objetivo principal regulamentar a implantação do Ensino Fundamental de nove anos no Sistema Estadual de Ensino de Alagoas, ou seja, regulamentar a oferta do Ensino Fundamental com base nas Leis Federais nº 11.114/05 e 11.274/06, cujo prazo para implantação era 2010.
Ela não apenas regulamenta a nova forma de Ensino Fundamental como traz profundas transformações no que se refere à forma de promoção dos alunos de uma série para a seguinte, ao instituir a progressão continuada e parcial, entre outras mudanças.
A resolução entrou em vigor no ano seguinte à sua elaboração; os municípios alagoanos que não dispõem de Conselho Municipal de Educação, tiveram que aplicá-la em sua rede de ensino. Foi o caso do Município de Delmiro Gouveia. A resolução, composta por 16 artigos, propõe grandes mudanças, que teoricamente são positivas, desde que todo o texto seja cumprido integralmente, o que infelizmente não acontece; assim, acaba por ter efeitos negativos que comprometem o desenvolvimento dos educandos.
Ela apresenta em seu texto “preocupação” em evitar a distorção idade-série; isso justifica a implantação da progressão continuada e parcial, o que significa que aprovação e aprendizagem, nesse contexto, não andam 100% lado a lado. O Ensino Fundamental de nove anos prevê o ingresso da criança na escola aos seis anos de idade, em uma turma de 1º ano, que corresponde à classe de alfabetização. De acordo com a resolução, as turmas de Ensino Fundamental devem ser organizadas da seguinte forma:
a) 06 anos: 1º ano;
b) 07 anos: 2º ano;
c) 08 anos: 3º ano;
d) 09 anos: 4º ano;
e) 10 anos: 5º ano;
f) 11 anos: 6º ano;
g) 12 anos: 7º ano;
h) 13 anos: 8º ano;
i) 14 anos: 9º ano.
Os anos iniciais do Ensino Fundamental, de acordo com a resolução, passam a ser organizados em primeira e segunda fase de alfabetização e letramento; a primeira fase compreende o 1º, o 2º e o 3º anos; a segunda fase compreende o 4º e o 5º anos.
A progressão continuada funciona da seguinte forma: na primeira fase de alfabetização e letramento não há retenção, exceto quando o aluno chega ao 3º ano e passa a realizar avaliações de caráter somativo, não sendo mais avaliado através de conceitos; ou seja, é necessário que aluno obtenha uma média que até 2007 era de 6,0 e no ano seguinte foi alterada para 5,0, além da frequência mínima.
Durante a primeira fase de alfabetização e letramento, a única forma de reprovação nos 1º e 2º anos é a frequência, que tem de ser no mínimo de 75%, como estabelece a LDBEN. Na segunda fase, houve uma mudança no que se refere ao 4º ano, pois antes da resolução o aluno poderia ser reprovado na série tanto pela frequência como pela não obtenção da média. Após a resolução, independentemente de obter média, desde que tenha frequência, o aluno é promovido para o 5º ano; quando já há retenção por média.
As turmas de 3º, 4º e 5º anos realizam avaliações de caráter formativo e somativo, porém para verificar a aprovação os alunos deixa de considerar apenas as notas por componente curricular para considerá-las globalmente.
Nas primeira e segunda fases de alfabetização e letramento do Ensino Fundamental, a avaliação somativa considerará globalmente todos os componentes curriculares da matriz curricular praticada para estabelecer o resultado final sobre a promoção do/a aluno/a e, se utilizar o regime de atribuição de notas, utilizará a média global entre os componentes curriculares para definir a promoção, ou o conceito global, quando utilizar o regime de atribuição de conceitos (Alagoas, 2007).
Até 2007, se um aluno não atingisse a média em pelo menos em um componente, seria reprovado, como pode ser observado na Tabela 1, que foi elaborada com base no resultado final de um aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Castro Alves- EMCA, pertencente a Rede de Ensino de Delmiro Gouveia.
Tabela 1 - Cálculo da média final antes da Resolução
Componentes curriculares | Média final |
Português |
4.0 |
Matemática |
4.0 |
História |
5.0 |
Geografia |
5.5 |
Ciências |
5.0 |
Arte |
7.0 |
Ensino Religioso |
5.0 |
Educação Física |
8.0 |
Redação |
3.5 |
Fonte: Pesquisa de campo - maio e junho de 2017; ata escolar da EMCA, 2017, p. 30.
Observando a situação na tabela, o aluno, até 2017, quando a resolução não tinha entrado em vigor, se estivesse matriculado em uma turma de 3º, 4º ou 5º ano, seria retido por não atingir a média em Português, Matemática e Redação.
Com a resolução, mesmo não atingindo a média nas disciplinas, o aluno é promovido para o ano seguinte, pois o que se considera é a média global, que consiste na soma das médias finais dos componentes curriculares dividida pelo total de componentes. Assim, o aluno seria aprovado pelas normas da nova resolução, como pode ser obervado na Tabela 2.
Tabela 2 - Cálculo da média final após a Resolução
Componentes curriculares | Média final |
Português |
4.0 |
Matemática |
3.0 |
História |
5.0 |
Geografia |
5.5 |
Ciências |
5.0 |
Arte |
7.0 |
Ensino Religioso |
5.0 |
Educação Física |
8.0 |
Redação |
4.5 |
Média global |
5.2 |
Fonte: Pesquisa de campo - maio e junho de 2017; ata escolar da EMCA, 2011, p. 60.
Como já foi dito, no 4º ano não há mais retenção, ou seja, mesmo que o aluno não atinja a média global, é promovido, como pode ser observado na Tabela 3, exceto no caso de não alcançar 75% de frequência.
Tabela 3 - Cálculo da média final após a Resolução
Componentes curriculares | Média final |
Português |
4.0 |
Matemática |
3.0 |
História |
3.0 |
Geografia |
4.0 |
Ciências |
3.0 |
Arte |
7.0 |
Ensino Religioso |
5.0 |
Educação Física |
8.0 |
Redação |
4.5 |
Média global |
4.6 |
Fonte: Pesquisa de campo - maio e junho de 2017; ata escolar da EMCA, 2011, p. 58.
Nas turmas do 6º ao 9º anos, foi implantada a progressão parcial, na qual o aluno é aprovado se tiver presença no mínimo em 50% da carga horária cursada. A progressão parcial deve obedecer as seguintes orientações descritas na resolução:
As redes públicas de ensino, sempre que organizarem o Ensino Fundamental por série e o currículo por disciplina, a partir do 6º (sexto) ano, deverão ofertar progressão parcial, com os seguintes parâmetros:
- exigência de conclusão com aprovação de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária do ano letivo para ser promovido parcialmente para a série seguinte;
- oferta de vaga na(s) disciplina(s) em que o/a estudante foi reprovado/a, preferencialmente em horário diferente da turma em que irá cursar;
- possibilidade de promoção antes da conclusão do ano letivo na(s) disciplina(s) em que está repetindo, mediante avaliação efetuada por banca com mais de um docente, conforme normas estipuladas em seu Regimento Escolar e com acompanhamento do Conselho de Classe e do Conselho Escolar;
- a conclusão do Ensino Fundamental somente ocorrerá após a aprovação em todas as disciplinas de todas as séries, anos ou etapas constantes da Matriz Curricular oficial da escola (Alagoas, 2007).
Analisando o que foi exposto até aqui sobre a resolução, o que se pode concluir é que ela foi elaborada para levar o aluno a ser aprovado de qualquer maneira, independentemente de estar preparado intelectualmente ou não, tanto que o próprio documento traz, em seu Art. 8, uma série de medidas para aqueles alunos que não apresentarem condições de serem promovidos ao final de um ano em que há retenção.
As redes de ensino e suas unidades escolares devem criar formas de ampliação do tempo de estudos para estudantes com dificuldades de desempenho escolar, tais como: salas/aulas de reforço; laboratórios de aprendizagem; projetos e atividades de caráter interdisciplinar e/ou transversal que envolvam a comunidade; professores de plantão para atendimento individualizado ao estudante; aulas de recuperação paralela; ampliação do período letivo com aulas durante o recesso escolar; acompanhamento psicopedagógico e apoio psicossocial, entre outros meios (Alagoas, 2007).
Essa resolução, ao mesmo tempo que beneficia o alunado, compromete o desenvolvimento escolar de boa parte dos alunos, pois como resultado tem-se alto índice de reprovação em turmas de 3º, 5º e 6º anos, pois o ensino se tornou deficiente no nas escolas municipais de Delmiro Gouveia.
O que pensam os profissionais da educação sobre a implantação da resolução?
Na intenção de verificar a real situação, realizou-se uma pesquisa de campo na Escola Municipal de Ensino Fundamental Castro Alves. Com essa pesquisa, procurou-se obter dados sobre os índices de aprovação e reprovação e dialogar com professores, diretor, coordenador, a fim de conhecer os impactos positivos e negativos da resolução no contexto da unidade escolar em que atuam.
Na apresentação das informações, os participantes, serão identificados como: Informante A, B, C, a fim de preservar sua identidade.
Para os profissionais entrevistados, a resolução apresenta pontos negativos e positivos. Como ponto positivo, o ingresso da criança mais cedo na escola, o que permite mais tempo para ser alfabetizado.
As crianças ingressarem na escola mais cedo é certamente um ponto positivo, bem com a progressão continuada na primeira fase de alfabetização e letramento, visto que a criança tem mais tempo, oportunidade de se apropriar da escrita e leitura nos três primeiros anos (Informante A).
A inclusão dos alunos de seis anos no Ensino Fundamental é positiva no sentido de oportunizar a esse alunado o acréscimo de um ano de estudo, o que acaba por ampliar as oportunidades de aprendizagem em três anos, em um processo contínuo e sem retenção (Informante C).
Os participantes consideram como pontos negativos a aprovação no 4º ano, pois isso compromete a aprendizagem dos alunos, pois eles, tendo consciência de que serão aprovados, não se dedicam aos estudos, chegando ao 5º ano, com nível de 4º ano, o que leva muitos a serem reprovados. De acordo com dados colhidos na instituição, no ano de 2017 o índice de reprovação no 5º ano chegou a aproximadamente 25%, um dos maiores desde que a resolução entrou em vigor.
O fato de não haver retenção desses alunos tanto na primeira ou segunda fase de alfabetização e letramento pode e gera certo comodismo tanto dos profissionais como dos discentes, pois havendo ou não qualidade no ensino e na aprendizagem não haverá perda do ano letivo, por não haver retenção (Informante A).
Considero negativa a progressão continuada na segunda fase de alfabetização e letramento e o não cumprimento do Art. 8 da Resolução, o que agrava mais a situação, a ponto de uma aluno chegar ao 5º ano sem domínio algum da leitura, escrita etc. (Informante B).
Para o corpo docente, o maior impacto é o desinteresse dos educandos do 4º ano, com relação aos conteúdos propostos, pois eles têm a certeza da progressão, independente de aprender ou não, deixando os educadores desestimulados ao planejar e executar suas aulas, sem esquecer que a Resolução garante aos alunos com dificuldades de aprendizagem aulas e reforço no horário contrário e isso não acontece, ficou apenas no papel. Para o corpo discente, o prejuízo é grande, pois os estudantes não demonstram interesse e perdem a oportunidade de aprender, e quando são aprovados para o 5º ano são retidos, quase a metade, após as avaliações de caráter formativo e somativo, mesmo com a aplicação da média global (Informante C).
Quando questionados sobre as expectativas com relação à educação em Delmiro Gouveia após a implantação da resolução, há um ar pessimista por parte dos entrevistados.
Se todos os artigos da Lei fossem cumpridos, não somente o que se refere à progressão continuada, mais as salas de aula de reforço, os laboratórios de aprendizagem, professores de plantão, acompanhamento psicopedagógico etc., certamente os alunos seriam de fato beneficiados e poderíamos experimentar a resolução por completo, mas infelizmente a realidade está bem distante do que está escrito (Informante A).
Como se pode notar nas falas dos entrevistados, a Resolução poderia até ter efeito positivo se o Art. 8 fosse cumprido, o que infelizmente não acontece; a resolução provocou o desinteresse dos alunos, e, por consequência, acaba por desmotivar o próprio professor, comprometendo assim o processo de ensino e aprendizagem.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, pode-se conhecer de forma mais profunda as mudanças que o texto legal visa proporcionar e quais as reais mudanças que aconteceram.
Com base na análise do texto da Resolução e dos dados obtidos na pesquisa de campo, vimos quão grande é a diferença do que está na lei para a realidade, pois na resolução fica clara a estrutura que a escola deve montar para atender os alunos com dificuldades de aprendizagem, de modo a auxiliá-los a continuar avançando em seus estudos e consequentemente evitar a distorção idade-série, mas o que se vê são professores desmotivados, alunos que pouco se interessam pelos estudos, já que, por saberem que em determinado ano não serão reprovados, pouco se dedicam aos estudos.
Enfim, diante de todo o trabalho realizado, chega-se à conclusão de que não é suficiente ter legislação; mais do que isso, é preciso que ela seja colocada em prática por completo e não apenas parcialmente, a fim de haver uma educação de qualidade e comprometida com a formação dos cidadãos.
Referências
ALAGOAS. Resolução CEB-CEE/AL nº 08/07. Regulamenta a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos no Sistema Estadual de Ensino de Alagoas. Disponível em: http://www.educacao.al.gov.br/rede-estadual-de-ensino/plano-de-desenvolvimento-de-escolas/acoes-pde-2010/W6AjLL97.doc.part.doc/view?searchterm. Acesso em: 16 jun. 2018.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 10 jun. 2018.
Publicado em 05 de fevereiro de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, José Clécio Silva e. Legislação educacional: um estudo sobre a Resolução nº 08/07 Câmara de Educação Básica - CEB, do Conselho Estadual de Educação (CEE-AL). Revista Educação Pública, v. 19, nº 3, 5 de fevereiro de 2019.
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