Slam: literatura e resistência!

Josi de Paula

Graduada em Administração de Empresas (FGV/Ebape), poeta, idealizadora e slammaster do Slam Negritude

O que é slam?

O slam é uma competição de poesia falada criada nos Estados Unidos por Marc Smith, mais especificamente em Chicago nos anos 1980 e trazido ao Brasil em 2008 por Roberta Estrela D’Alva.

Originário do inglês, o termo slam quer dizer batida. Algo semelhante a uma pancada. No entanto, resumir essa palavra a apenas um significado é uma tarefa difícil porque qualquer descrição que se faça nunca dará conta da amplitude que essa vertente da cultura urbana alcançou nem do impacto que ela tem na vida de inúmeras pessoas.

As batalhas de poesia falada seguem algumas regras: poesias autorais de até três minutos sem a utilização de objetos cênicos e sem acompanhamento musical. Corpo e voz são elementos fundamentais! As notas são dadas por um júri popular que é escolhido no momento da competição. Esta normalmente ocorre em três fases: geral, semifinal e a final, que revela o poeta vencedor daquela edição.

Num slam são recitadas poesias de temas livres, mas verifica-se, ao longo do tempo, que grupos historicamente excluídos vêm se utilizando dessa expressão artística como forma de reivindicar seus lugares de direito, de dar visibilidade às suas lutas e se colocar como protagonistas de suas próprias histórias.

13 de maio (trecho)

Josi de Paula
Você comemora 13 de maio, é?
Eu sei bem por quê!
Porque nos livros de História
Não contaram o que aconteceu!
Num dia éramos escravos
E no dia seguinte libertos
Mas não nos deram estrutura
Não fizeram o que era o certo!
E como num passe de mágica:
– Agora se vira, ô negro!
Isabel nos libertou
Porque a Inglaterra pressionou,
Não porque ela era boazinha!
Se boazinha ela fosse
Tinha era indenizado as negrinhas!
– E não ia ser mais que obrigação!
E da desigualdade se ergueu um país
Negros têm mais alta taxa de mortalidade
Pela polícia e seus fuzis
“Auto de resistência”
Mas ninguém liga! Nossa vida não vale nada!
Viramos estatística!
Foram cento e onze balas achadas
No carro de cinco meninos indefesos!
Seus crimes: eram pretos! Pretos!
E a lavagem cerebral racista
Começa dentro de casa
Desde cedo a TV ensina que bonito é ter a pele clara!
Alva, branca
Como a da Xuxa
Que me empurraram na infância
Como padrão de beleza!
Como demorei a entender que nunca ia ter paquita preta!
E como diz Nação Zumbi:
“A revolução não vai passar na TV, é verdade”
E não vai mesmo!
Em pleno século 21
A Globo fez uma Bahia sem pretos!


Foto 1: Primeira edição do Slam Negritude, em 24 de maio de 2019, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica
Foto de Bernardo Feitosa

Slam RJ, Slam BR e Copa do Mundo de Poesia Falada

As batalhas de poesia falada vêm ocorrendo no Rio de Janeiro desde 2013. Uma característica marcante da cena carioca é a territorialidade. Cada slammaster (organizador de slam) exerce papel fundamental na ampliação da oferta de cultura e no desenvolvimento de seu território. Os slams que realizam pelo menos seis edições (cinco classificatórias e 1 edição final) estão elegíveis para enviar o campeão da temporada para o Campeonato Estadual de Poesia Falada – o Slam RJ.

O Slam RJ 2019 ocorreu no dia 31 de outubro de 2019 no Circo Voador; essa competição eletrizante reuniu poetas de 17 slams representando oito municípios do estado. Estavam presentes assuntos atuais e importantíssimos, como o genocídio do povo preto, o combate ao racismo, a vida nas favelas, a atuação do Estado, que corrobora as desigualdades sociais, e a situação política do país. Um público atento e interessado em ouvir poesia numa noite representativa! Isso é histórico!

No Slam-RJ revelaram-se os representantes do Rio no Slam BR – Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, que reúne representantes dos diferentes estados da Federação. A quantidade de poetas que cada estado envia para o Slam BR varia ano a ano e se relaciona com a quantidade de slams que possui. Em 2019 o Rio de Janeiro teve duas vagas preenchidas pelo 1º e pelo 2º lugar, respectivamente a poeta King e o poeta Nego Preto.

King teve vaga no Slam RJ através do Slam Negritude; o poeta Nego Preto, pelo Slam Liberdade, realizado em Petrópolis. O Slam BR de 2019 acontece em São Paulo de 12 a 15 de dezembro, reunindo representantes de todo o Brasil.


Foto 2: Poeta King na 2ª edição do Slam Negritude, em 19 de junho de 2019, na Casa do Nando
Foto de: Magoo Campos

Quem vencer o Slam BR representará o Brasil na Copa do Mundo de Poesia Falada, que acontecerá na França. Nos últimos três anos, o protagonismo tem sido preto e feminino. Em 2016, a campeã foi a poeta Luz Ribeiro, de São Paulo; em 2017, venceu a poeta Bel Puã, de Pernambuco; em 2018 foi a vez da poeta Pieta, de Minas Gerais. Quem será o/a poeta vencedor/a este ano? Vamos torcer!

O Slam Negritude: batalha de poesia afrocentrada

Onde está o povo preto? Que lugares ainda ocupa de forma majoritária na sociedade brasileira? Que soluções podemos traçar como forma de combater o racismo numa sociedade que finge não enxergá-lo? Qual o papel da cultura nesse contexto?

Tendo em vista esses questionamentos, em maio de 2019 iniciou-se o Slam Negritude, batalha de poesia afrocentrada que vem ocorrendo no Centro do Rio de Janeiro e que visa propiciar reflexões e impulsionar mudanças de comportamento. A proposta é unir falas, despertar consciências e ser uma ferramenta de combate ao racismo.

No contexto de um Brasil em que o povo preto sofre até os dias atuais com as consequências da escravidão e de uma falsa Abolição, que não lhe deu as devidas reparações, o slam vem se configurando como uma forma de arte que questiona as estruturas vigentes e propõe novos formatos para a sociedade, de forma contínua.

A continuidade das ações é um fator importante a ser ressaltado, tendo em vista que, com a proximidade do dia 20 de novembro, estão sendo resgatadas diversas discussões sobre a questão racial.

Num país onde o racismo é arraigado em todas as suas estruturas, esse resgate é necessário, porém é insuficiente porque não dá conta da realidade que é a seguinte: para os negros, essas questões permeiam toda a sua existência e não apenas o mês de novembro. Fica a reflexão.

Sugestões de acesso

Vídeo do poeta Dudu Neves na 1ª edição do Slam Negritude, realizada em 24 de maio de 2019

William Correa (W-Black Rapper). Artigo publicado em A Voz das Comunidades

Página de Marc Smith

Página de Roberta Estrela D’Alva

Página do Slam BR

Página do Slam Negritude

Página do Slam RJ

Página de Josi de Paula

Página da poeta King

Página do poeta Nego Preto

Página do Slam Liberdade

Página de Luz Ribeiro

Página de Bel Puã

Página de Pieta

Publicado em 19 de novembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

PAULA, Josi de. Slam: literatura e resistência! Revista Educação Pública, v. 19, nº 30, 19 de novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/30/slam-literatura-e-resistencia

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