Estudo do fluxo do conhecimento em uma sala de aula por meio de redes egocêntricas de monitoria
Leandro César Mol Barbosa
Professor (IFMG - Congonhas)
Ronan Daré Tocafundo
Professor (IFMG - Congonhas/Arcos)
A utilização de preceitos de análise de redes no intuito de entender o comportamento de grupos sociais tem seus primórdios na primeira metade do século XX, com estudos voltados a crianças da pré-escola. Esses estudos ganharam força com a publicação do livro Who shall survive, do escritor e sociólogo Jacob Moreno (Zancan; Santos; Campos, 2012). Desde então a sua utilização foi ampliada para diversos campos do conhecimento, sendo utilizada hoje no Brasil em pesquisas relacionadas, por exemplo, à inovação e análises organizacionais (Rolt; Dias; Peña, 2017), análise de produções científicas (Lima, 2011) e saúde e bem-estar (Gouveia; Matos; Schouten, 2016), entre outros temas.
A análise de redes sociais permite estudar o compartilhamento de informações e conhecimento dentro de um grupo por meio de indicadores que traduzem os relacionamentos formados por cada indivíduo em parâmetros de análise.
Quando a rede é analisada com base em relacionamentos de um indivíduo focal em uma estrutura social mais restrita, ela recebe o nome de egocêntrica. Na rede egocêntrica, o indivíduo pode se ligar a outros por meio de laços fortes ou fracos, de acordo com a profundidade dos relacionamentos existentes entre eles (Guerreiro et al., 2013; Tomaél; Marteleto, 2015).
Este estudo tem como objetivo analisar e entender os fluxos de conhecimento gerados por um processo de monitoria dentro de sala de aula e demonstrar a potencialidade do estudo de redes egocêntricas para esse fim. Isso se torna importante porque, embora o processo de monitoria traga benefícios mútuos para o monitor e demais alunos e apresente grande difusão no Brasil, os estudos sobre a prática são escassos (Jesus et al., 2012). Além disso, nota-se que quando o tema é discutido, o debate se limita à esfera do Ensino Superior, mesmo que essa prática não esteja restrita a ela (Dias, 2007; Nunes, 2007; Matoso, 2014).
Dado esse contexto, a pesquisa foi realizada por meio de estudo de caso em uma turma do 2º ano integrado de uma instituição pública, em que o conhecimento foi rastreado por meio do fluxo de informações na rede egocêntrica formada com base no monitor das disciplinas Física e Matemática. Ao final da pesquisa, pôde-se verificar a limitação do fluxo de informações pela força dos laços formados e a influência positiva da proximidade do monitor e da ação desvinculada a grupos sociais preexistentes. Além disso, foi possível demonstrar a relevância da utilização da análise de redes egocêntricas para avaliação de ações de monitoria.
Revisão teórica
A fim promover uma base contextual e prática de aplicação da análise de redes egocêntricas em sala de aula, este tópico foi construído de forma a expor a relevância e os potenciais benefícios da monitoria aplicada ao ensino básico. Além disso, foram tratadas práticas de análise de redes sociais formadas por estudantes, sobretudo redes egocêntricas, assim como as métricas comumente utilizadas para a sua análise.
Relevância da monitoria para o ensino básico
O entendimento de que o ensino não deve ser uma atividade restrita aos professores não é uma ideia recente, já tendo ganhado amplitude ao longo do processo de evolução do ensino (Frison; Moraes, 2010). Esse viés foi parcialmente adotado pela legislação brasileira na proposição de programas de monitoria com foco nos cursos de Ensino Superior pelo Decreto nº 85.862, de 31 de março de 1981, e posteriormente pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual discorre sobre o exercício da função de monitoria (Jesus et al. 2012).
Embora muito aplicada no ensino superior com o objetivo de formação de professores, tanto por meio da potencialização da aprendizagem colaborativa quanto pela formação autorregulada (Frison, 2016), a monitoria não se limita a esse fim. Nota-se que as atividades de monitoria realizadas desde o ensino básico vêm sendo citadas como políticas de ensino que podem ajudar a preencher lacunas de aprendizagem futura (Felicetti; Gomes; Fossatti, 2013). Essas atividades não se limitam necessariamente a simples trabalhos realizados em grupo. Na verdade, a monitoria consiste em esforços planejados e organizados em que os alunos desenvolvem suas habilidades em grupo, difundindo o conhecimento de forma que o próprio grupo sofre influência individual de cada componente (Cavalheiro; Pino, 2007).
A monitoria tem grande relevância, a qual não se restringe ao desempenho discente, tendo também responsabilidades quanto ao processo de socialização e qualidade da formação do aluno (Nunes, 2007). Além de promover uma forma alternativa de aprendizado para grupos discentes, a monitoria proporciona ganhos mútuos, uma vez que os estudantes monitores atuam na solução de problemas que necessitam de cooperação entre os alunos. Isso resulta no desenvolvimento de habilidades de comunicação e raciocínio do monitor, além de desenvolver maior gosto pela escola (Cavalheiro; Pino, 2007).
Redes sociais de estudantes
A representação de uma rede social é normalmente baseada em dois elementos principais: os atores, considerados os nós da rede, e os laços ou arestas, que fazem a ligação desses nós e representam as relações existentes entre eles. Tanto os atores quanto os laços possuem atributos, os quais são fundamentais para a realização da análise da rede. Esses atributos são propriedades que descrevem um estado ou uma característica a ser estudada. Por exemplo, ao se referir aos atributos vinculados a um indivíduo ou nó de uma rede, pode-se descrever características como sexo, raça e idade, entre outros. Para um laço, esses atributos dizem respeito às características do relacionamento existente entre um nó e outro, como grau de parentesco, amizade e relação de trabalho, entre outros (Silva, 2005; Martes, 2006).
As redes de estudantes podem ser representadas por meio de diferentes características, dependendo dos objetivos finais e atributos analisados. Essas redes podem ser classificadas como monopartidas – quando compostas apenas por estudantes, representando um único tipo de ator – ou como bipartidas – quando vinculam o ator a um grupo ao qual ele pertence, como vinculando alunos às suas salas de aula, a materiais de trabalho ou mesmo a professores (Grunspan; Wiggins; Goodreau, 2014).
Além disso, as redes podem ser analisadas conforme a mutualidade dos laços existentes entre os atores, o que traz diferentes configurações para a rede. Por exemplo, no caso de uma de atividade em grupo, se um aluno A executou uma atividade com um aluno B, automaticamente o aluno B executou a mesma atividade com o aluno A. Nesse caso, a rede gerada é denominada bidirecional, pois o vínculo assume automaticamente direcionamento duplo. O mesmo não acontece com uma relação de estudo, em que, se o aluno A passa informações sobre a matéria para o aluno B, não necessariamente o aluno B terá passado informações para A. A esse tipo de rede, dá-se o nome de não direcionada (Chung; Hossain; Davis, 2005).
A análise das redes de estudantes pode revelar informações relevantes no contexto educacional, tanto relacionadas à morfologia da rede quanto aos tipos diferentes de impactos que elas podem gerar. Além disso, por meio da observação da rede formada pelos alunos, pode-se formular e testar hipóteses diversas. Estas, por sua vez, permitem aos educadores desenvolver planos para intervenções construtivas em sala de aula (Grunspan; Wiggins; Goodreau, 2014). Dessa forma, as informações das redes sociais podem, se bem utilizadas, iniciar ou estimular mudanças em comportamentos ou melhorar as relações entre os estudantes, o que permite promover meios que ajudem os alunos a enfrentar problemas acadêmicos e melhorar a acessibilidade a recursos didáticos (Van Rijsewijk et al., 2018).
Redes egocêntricas
Para analisar as relações existentes entre os alunos em sala de aula, duas abordagens podem ser utilizadas. A primeira abordagem, denominada Whole Network ou redes censitárias, visa o estudo da rede como um todo. Nela, todos os alunos e todos os vínculos existentes entre eles são igualmente levantados e analisados, resultando em uma visão ampla da rede. Nesse tipo de análise, o estudo não é focado em um indivíduo e sim no grupo (Di Chiara, 2006; Grunspan; Wiggins; Goodreau, 2014). A segunda abordagem, denominada redes egocêntricas, baseia-se no papel social que um ou mais alunos realizam dentro da rede e nas posições que são assumidas por eles (Di Chiara, 2006).
As redes egocêntricas podem fornecer dados importantes para a descrição de uma amostra; não raramente podem ser a única forma disponível de estudo em um determinado grupo de atores, uma vez que a análise gira em torno apenas do ator focal (Grunspan; Wiggins; Goodreau, 2014). Nesses estudos, o ator focal, denominado “ego”, pode ter vários “alters”, que compreendem os outros atores que estão de alguma forma ligados a ele. Os “alters” podem ser divididos em “alters in” e “alters out”, conforme o direcionamento de seu laço com o “ego”. Os “alters in” são aqueles que recebem as ligações do “ego”, enquanto os “alters out” são aqueles que as direcionam ao “ego” (Di Chiara, 2006).
Existem diversos níveis ou graus diferentes em redes egocêntricas, que variam conforme a amplitude do estudo realizado. O primeiro grau corresponde aos “alters” diretamente ligados ao “ego” analisado, formando uma rede imediata a ele. O segundo grau compreende os “alters” ligados àqueles de primeiro nível. Essa estrutura repete-se sucessivamente até o último nível analisado, conforme exemplificado na Figura 1. Deve-se ressaltar, porém, que em grande parte dos estudos as análises de redes egocêntricas concentram-se nos “alters” de primeiro grau (Wu et al., 2016). Isso faz com que a análise tenda mais para as questões relacionadas ao ator focal. Caso o foco de estudos concentre-se mais nas características da rede, deve-se utilizar graus mais elevados de análise (Di Chiara, 2006).
Figura 1: Exemplo de divisão de graus de redes egocêntricas
Métricas de análise para redes egocêntricas
Para a realização da análise dos dados de redes estudantis egocêntricas, algumas métricas podem ser utilizadas (Quadro 1). Essas métricas ajudam a entender como acontece o fluxo de informação em sala de aula e o grau de importância do ator focal no que se refere a seu posicionamento na rede. Dentre as principais métricas serão destacadas: o menor caminho na rede, o grau de entrada e saída, a força dos laços, a autoridade, a centralidade e o coeficiente de clustering.
Quadro 1: Métricas para análise de redes egocêntricas
Os dados fornecidos pelas métricas da rede podem ser mais tarde utilizados como degrau inicial para a realização de mudanças reais nas dinâmicas da sala de aula, uma vez que caracterizam comportamentos e relações dos alunos. Eles fornecem informações como se todos os alunos estão conectados na rede ou se alguma intervenção pode ser realizada de forma a alterar algum laço e fazer com que a rede se torne mais coesa com relação às necessidades observadas (Van Rijsewijk et al., 2018).
Metodologia
O estudo de caso aqui proposto foi realizado em uma escola da rede pública federal situada no Estado de Minas Gerais, mais especificamente em uma turma do 2º ano do curso integrado de Edificações. A escolha por essa turma se deu pela condição existente de realização de atividades de monitoria e pela facilidade de acesso aos dados pelos pesquisadores. O estudo seguiu os passos metodológicos apresentados na Figura 2.
Figura 2: Passos metodológicos utilizados
Na definição dos procedimentos a serem adotados, optou-se pela utilização de métodos de análise tanto quantitativos quanto qualitativos, dadas as perspectivas e necessidades do estudo realizado. Essa proposta permitiu que a rede fosse analisada não somente por meio das métricas levantadas e apresentadas no referencial teórico, mas também pela morfologia encontrada, admitindo então uma análise visual da rede e outros tipos de análises não estatísticas.
Em função do tipo de vínculo a ser analisado, a rede foi tratada como bidirecional (Chung; Hossain; Davis, 2005), pois em uma parceria de estudos não existe necessariamente uma correspondência quanto à passagem de conhecimento, o que significa que a troca realizada nem sempre é reciproca. Além disso, optou-se por utilizar uma rede monopartida (Grunspan; Wiggins; Goodreau, 2014), de forma a manter o foco no relacionamento entre os alunos. Essa escolha deve-se à necessidade de isolar o fluxo do conhecimento dos alunos, evitando a influência de qualquer outro fator externo estranho às atividades de monitoria realizadas.
O levantamento de campo se deu por meio de um questionário em que os alunos informaram quem dentro da sala de aula eles consideram como seus parceiros de estudo e a força dos laços existentes nessa parceria. A força foi medida por uma escala fixa em que o menor valor significa que estudam pouco juntos e o maior valor, que estudam muito juntos. Embora o questionário fosse voluntário, conseguiu-se um levantamento de informações suficientes para a montagem da rede totalizando 34 alunos. Esses dados foram modelados por meio do software Gephi 0.9.2, em que a rede foi estruturada e as métricas, calculadas.
As métricas utilizadas para o estudo compreendem a autoridade na rede, a centralidade, os caminhos da rede, o grau de entrada e saída e o coeficiente de clustering. Essas métricas foram analisadas individualmente de forma a entender o comportamento do fluxo de informações na sala de aula, sempre com foco no monitor das disciplinas de Matemática e Física. Além disso, a morfologia da rede foi verificada tanto em função dos laços fortes quanto em função dos laços fracos. Por fim, foram apresentados os resultados por meio de uma visão conjunta dos dados e as contribuições do estudo.
Apresentação dos resultados
Após modelada a rede egocêntrica focada no monitor da turma, chegou-se a uma rede de grau 2, considerando todos os laços possíveis, independentemente da sua força (Figura 3). Isso significa que o fluxo de informações de estudo difundidas pelo monitor da turma percorre um caminho mínimo menor ou igual a dois passos. Além disso, nota-se uma comunicação direta com 72,7% dos alunos.
Figura 3: Grafo da rede egocêntrica com laços fortes e fracos
Embora a rede pareça muito inclusiva, analisando-se apenas os laços fortes (Figura 4) nota-se que existe uma distribuição muito desigual da informação. Isso acontece porque, ainda que haja várias relações firmadas entre os estudantes, muitas delas são realizadas por meio de laços mais fracos, o que significa que a intensidade dessas relações é baixa, ou seja, pouca informação é repassada entre os alunos. Apenas 34,2% dos laços observados entre os alunos são laços fortes, o que muda bruscamente a morfologia da rede observada, assumindo uma forma de grau 5. Isso resulta em uma maior quantidade de passos para a informação caminhar do monitor até os alunos de grau mais elevado. Essa maior quantidade de passos pode resultar em informações de menor qualidade nas extremidades da rede ou mesmo em um atraso considerável no tempo de propagação das informações. Além disso, deve-se ressaltar que seis alunos, ou seja, 18,2% da turma, encontram-se isolados no que tange aos laços fortes, indicando suspeitas de barreiras de comunicação ou interação para serem investigadas.
Figura 4: Grafo da rede egocêntrica com apenas laços fortes
Figura 5: Comparação da autoridade do monitor com os demais alunos
Com relação à autoridade do monitor na rede, nota-se que ele possui informações de estudo valiosas. Isso pode ser observado em seu grau de autoridade mais do que três vezes maior que a média dos alunos analisados, como é verificado na Figura 5; isso significa que as informações do monitor são muito propagadas pela sua vizinhança na rede. Devido a esse motivo, nota-se que o monitor é um elemento que possui influência muito grande na sala de aula, sendo responsável por grande impacto na rede de estudos formada.
Figura 6: Grau de entrada e saída do monitor na rede de estudantes
O monitor da turma possui os maiores graus de entrada e saída da rede analisada: respectivamente, 20 entradas e 15 saídas (Figura 6). O número de saídas mostra a abertura por parte do monitor para o direcionamento das informações a vários alunos da turma, se comparado à média de 5,94 saídas por aluno. Nota-se ainda que o fluxo de informações é maior dos outros alunos para o monitor do que do monitor para eles. Acredita-se que essa diferença seja uma situação atípica na atividade de monitoria e esteja relacionada a uma forma de atuação específica do monitor analisado como elo de ligação entre diferentes grupos na rede, como será discutido no coeficiente de clustering. Os elevados graus de entrada e saída encontrados corroboram as posições de centralidade assumidas pelo monitor na rede (Figura 7).
A centralidade de proximidade analisada mostra que o monitor possui acesso muito grande sobre o restante da turma, assumindo um valor mais do que 11 vezes maior que a média dos alunos e mais do que quatro vezes maior que o aluno de maior índice depois dele. Com relação à centralidade da intermediação, essa diferença não é tão elevada, muito embora o aluno monitor ainda apresente o maior índice entre os alunos. Isso significa que, embora seja ele quem mais atue com a intermediação de informações, outros alunos também ocupam posições importantes para que ela seja realizada. De acordo com os dados levantados, a centralidade de intermediação do monitor, representada por um valor de 0,6, é 50% maior que a média dos alunos e aproximadamente 13% maior que o segundo aluno de maior índice.
Figura 7: Centralidade de proximidade e centralidade de intermediação
Quanto ao coeficiente de clustering, o monitor apresentou um valor de 0,17, correspondendo ao menor índice entre os alunos (Figura 8). Isso significa que o monitor possui tendência de não fazer parte de grupos específicos, assumindo uma posição mais transversal e penetrando em vários pontos diferentes da rede. Essa atuação faz com que o conhecimento seja mais bem distribuído, partindo do princípio de que ele não fica restrito a um grupo específico de estudantes.
Figura 8: Comparação do coeficiente de clustering do monitor com os demais alunos
Discussão dos resultados
Pelos dados apresentados, nota-se que a atuação do monitor possui relevância muito grande no tocante à rede de estudos da turma analisada, sendo um dos fatores influentes capazes de moldar os vínculos de estudo entre os alunos. Esse fator reforça de forma positiva os indícios da importância das atividades de monitoria em sala de aula e a necessidade do acompanhamento dos desdobramentos delas.
O fluxo das informações de estudo propagadas pelo monitor demonstra três características relevantes da rede. A primeira característica está relacionada à influência da força dos laços levantados para o fluxo ótimo das informações. Embora as informações de estudo do monitor sejam valiosas para os alunos, assim como explicitado pelo índice de autoridade, elas não são capazes de percorrer toda a rede com a mesma qualidade. Isso acontece porque os laços fortes representam apenas um terço dos laços formados entre os alunos. Isso pode significar que existe espaço para a tomada de ações por parte de professores e pedagogos que aumentem a intensidade dos laços de estudo formados pelos alunos, de forma que as informações disseminadas pelo monitor consigam atingir em sua melhor forma os pontos mais distantes da rede, principalmente no que tange aos casos de alunos isolados. Com relação a esses alunos que não apresentaram ligações fortes diretas ou indiretas com o monitor, uma análise diferenciada deve ser realizada antes de uma possível intervenção, pois não se pode afirmar com certeza que um aluno isolado detém mais ou menos informações sobre a disciplina, mesmo porque o isolamento pode ser consequência da falta de necessidade da ajuda de um monitor por parte dele.
A segunda característica importante está relacionada à posição assumida pelo monitor na rede, marcada pela proximidade elevada aos alunos. Isso indica um comportamento proativo do monitor, o que ajuda na manutenção do fluxo de informações na rede. Essa atuação pode ser confirmada pelo alto grau de centralidade de proximidade e pelo grau de saída elevado. No caso, esse comportamento pode ser estimulado por professores e pedagogos para que o monitor se torne ainda mais presente, estimulando o desenvolvimento dessa qualidade pessoal.
A terceira característica está ligada à atuação estratégica do monitor na propagação do conhecimento na rede, confirmada pelo coeficiente de clustering. Essa atuação (proposital ou não) faz com que o monitor esteja presente em vários grupos de alunos, não limitando a sua atuação a um grupo específico. O resultado disso é uma informação mais democrática, que não se restringe por meio de barreiras de grupos sociais já existentes. Além disso, a presença em vários grupos faz com que o monitor assuma uma posição de “ponte” de conhecimento, levando informações e discussões relevantes de um grupo para o outro, aumentando a integração da turma no tocante às disciplinas da monitoria. Isso também pode ser confirmado por meio da centralidade de intermediação elevada.
Conclusão
Ao longo de seu desenvolvimento, este artigo apresentou uma visão da atividade de monitoria no ensino básico por meio de representações e métricas provenientes do estudo de redes sociais. Por meio desse campo de análise, foi possível desdobrar as relações de ensino e o fluxo das informações em uma rede egocêntrica baseada no aluno monitor das disciplinas de Matemática e Física. O exame da rede formada proporcionou um entendimento detalhado da influência das ações de monitoria, abrindo uma nova possibilidade de análise dos relacionamentos estudantis dentro de sala de aula.
Com relação aos resultados obtidos na rede estudada, foi possível verificar por exemplo a amplitude da atividade de monitoria em função do detalhamento do fluxo de informações e as posições adotadas pelo monitor na rede. Isso resultou em três pontos de verificação importantes:
- A quantidade de laços fortes é um limitador da atividade de monitoria na turma analisada;
- a proximidade do monitor com a turma é importante para a manutenção do fluxo de conhecimento na rede; e
- a atuação do monitor desvinculada de grupos sociais preexistentes torna a informação mais democrática.
Essas características podem ser utilizadas para orientar as próximas atividades de monitoria ou para a realização de intervenções com o objetivo de melhorar as atividades em andamento.
Deve-se ressaltar que dificilmente esses resultados seriam obtidos sem a utilização de técnicas de análise de redes sociais egocêntricas. Isso se dá uma vez que esse tipo de análise, além de atuar sobre um ponto focal, não se restringe às características do indivíduo analisado, permeando também seus relacionamentos. Essa característica potencializa a análise do ambiente educacional, uma vez que este é fortemente relacionado aos vínculos formados entre os estudantes.
Embora a utilização de métodos de redes egocêntricas amplie muito a capacidade de análise, ela não está livre de limitações. Dentre as limitações mais relevantes está a necessidade de verificação do contexto situacional da sala de aula, uma vez que ele pode interferir diretamente na interpretação dos dados levantados. Além disso, como a técnica utilizada trabalha com informações situacionais, a rede pode mudar ao longo do tempo. Dadas essas limitações, sugere-se como estudos futuros a aplicação do método para o acompanhamento longitudinal da atividade de monitoria utilizando redes egocêntricas.
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Agradecimento
Os autores deste trabalho agradecem o apoio dado pelo Instituto Federal de Minas Gerais, mais especificamente aos idealizadores e realizadores do curso de pós-graduação em docência do Câmpus de Arcos, uma vez que este trabalho é fruto dos desdobramentos de suas atividades.
Publicado em 26 de novembro de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
BARBOSA, Leandro César Mol; TOCAFUNDO, Ronan Daré. Estudo do fluxo do conhecimento em uma sala de aula por meio de redes egocêntricas de monitoria. Revista Educação Pública, v. 19, nº 31, 26 de novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/31/estudo-do-fluxo-do-conhecimento-em-uma-sala-de-aula-por-meio-de-redes-egocentricas-de-monitoria
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