Herói, anti-herói e vilão: a percepção crítica contextualizada à sala de aula
Ronan Daré Tocafundo
Departamento de Ciências Aplicadas (IFMG Arcos)
Emanuelle Silva Rodrigues
Departamento de Ciências Aplicadas (IFMG Arcos)
O estudo das figuras do herói, anti-herói e vilão são tópicos do Currículo Básico Comum de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental (CBC/2005), que é fornecido pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais como orientação da disciplina. Saber trabalhar tais tópicos de forma adequada é fundamental para desenvolver nos discentes a leitura autônoma e reflexiva dos diversos gêneros que perpassam o tipo narrativo, tão presente na contemporaneidade. Sendo assim, as aulas a respeito desse tópico foram contextualizadas e diversificadas, tendo como finalidade o melhor aproveitamento do conteúdo e o desenvolvimento da leitura crítica.
Buscou-se, no desenvolvimento deste trabalho, entender se os alunos do 7º ano conseguem estabelecer relações entre os seus conhecimentos prévios de personagens famosos das histórias em quadrinhos e os conceitos de herói, anti-herói e vilão, favorecendo o desenvolvimento da análise crítica nos discentes.
Nos anos de prática escolar, lidando com o conteúdo de Língua Portuguesa para alunos tanto do Ensino Médio quanto do Fundamental, ambos regulares, percebeu-se a falta de interesse de grande parte dos alunos, que não possuem ânimo para realizar as atividades propostas dentro e fora da sala de aula.
A grande oferta de mídias sociais e tecnologias de fácil acesso despertam interesses e distrações difíceis de serem vencidas frente a conteúdos ora considerados “chatos” ou que não são visivelmente necessários ao público adolescente. Os discentes não só desgostam das disciplinas apresentadas como não veem implicações práticas em suas vidas; percebe-se, ainda, que a falta de objetivos e/ou influência familiar não lhes permite visualizar os benefícios de uma boa educação, uma vez que os lucros do estudo se dão a longo prazo. Preferem jogos, filmes, revistas em quadrinhos ou ficar horas nos smartphones a decorar conjugações verbais, aprender acentuação gráfica, ou mesmo escrever um texto narrativo. Tais apontamentos são reflexos de anos de prática docente, e aqui fica visível um grande problema no Fundamental.
É dever do educador, então, desenvolver não só os conteúdos programáticos como também associá-los a aulas que despertem o interesse dos discentes. Sendo assim, trabalhar com a proposta de desenvolver a análise crítica é algo a ser pensado em um escala crescente e gradativa, considerando um passo de cada vez! Por isso, as aulas foram contextualizadas aos conhecimentos prévios dos alunos, a fim de uni-los ao conteúdo e despertar-lhes o interesse por uma participação mais ativa dentro da sala de aula.
Para tal, desenvolvemos atividades que variaram entre exercício escrito, para análise dos conhecimentos prévios; aula expositiva, com apresentação literária do conteúdo; dinâmica com participação oral e ativa dos alunos, na qual tiveram a oportunidade de desenvolver a postura crítica e a participação ativa na aquisição de seus conhecimentos e, por fim, um trabalho final no qual eles desenvolveram narrativas e criaram personagens com base nos conhecimentos adquiridos.
Percebe-se, então, que o conhecimento é conquistado com processos gradativos de aprendizagem, e entendê-los melhor, bem como o contexto de desenvolvimento de cada atividade, é de vital importância para alcançar resultados desejados, tais como interesse e aprendizado por parte dos alunos.
Por fim, este artigo tem como objetivo relatar a experiência advinda de aulas específicas de Língua Portuguesa em três turmas de 7º ano de uma escola pública do município de Pará de Minas/MG em 2019 e refletir sobre a participação ativa dos alunos durante o desenvolvimento das atividades com relação ao conteúdo predeterminado: análise crítica dos conceitos de herói, anti-herói e vilão (título apresentado aos alunos), bem como sobre o interesse dos alunos durante as atividades.
Após entendimento dos objetivos e da importância de compreender e refletir sobre os processos de ensino-aprendizagem, parte-se para a apresentação da metodologia utilizada.
Percurso metodológico
Inicialmente, foi realizada uma atividade de cunho diagnóstico, na qual os alunos foram orientados a escrever sobre os seus conhecimentos prévios acerca dos conceitos, características e exemplos conhecidos do que seriam os heróis, anti-heróis e vilões. Nessa primeira etapa, não foram autorizadas quaisquer formas de retirada de dúvidas entre professora e alunos ou entre eles mesmos, uma vez que foram informados da necessidade de que seus conhecimentos prévios e legítimos fossem reconhecidos. Também foi destacado o fato de que seria avaliada a tentativa, e não as respostas corretas.
Baseado na análise dos conhecimentos prévios, em um segundo momento, foram trabalhados os conceitos de herói, vilão e anti-herói, com atenção especial neste último. Como os alunos em questão pertencem à 7ª série do Ensino Fundamental e o objetivo era desenvolver a análise crítica, os conceitos foram apresentados com linguagem acessível ao cognitivo psicológico deles.
Na terceira etapa das atividades, após a análise dos conhecimentos prévios dos alunos e a apresentação dos conceitos sobre herói, anti-herói e vilão, fez-se uma dinâmica cujo objetivo foi desenvolver a análise crítica por parte dos discentes. Dessa feita, foram apresentados 23 personagens famosos de histórias em quadrinhos, desenhos e filmes aos alunos, que foram selecionados após a análise da atividade diagnóstica e revelaram-se ser de conhecimento geral deles. Criaram-se cartões contendo imagens desses personagens, retiradas do Google.imagens (2019) e depois impressas e coladas em papel cartão, recortadas com medidas próximas a 7cm de largura e 9cm de comprimento, variáveis de acordo com a ilustração.
Os personagens escolhidos foram: Elsa, Skar, Os Incríveis, Superman, Síndrome, Megamente, Hércules, Mufasa e Simba, Pica-pau, A Bela e a Fera, Deadpool, Batman, Wolverine, imagem característica de bruxa, Hulk, Os Guardiães da Galáxia, Shrek, Caminhão dos bombeiros com bombeiro e cachorro, O príncipe do filme A Princesa e o Sapo, Vingadores, Gru, Thanos e As princesas da Disney.
A seguir, passamos a realizar uma dinâmica com os alunos orientada pelas seguintes regras:
- Há 23 personagens que poderão ser classificados entre herói, anti-herói ou vilão.
- As cartas ficarão viradas de forma a ocultar o personagem e cada aluno individualmente, escolherá uma carta e a classificará, sendo necessária a justificativa.
- Após a fala do aluno que selecionou a carta, os voluntários poderão também classificá-la e justificá-la. Todos os alunos foram convidados a participar da atividade; contudo, alguns não se sentiram à vontade para ir até a frente da sala e selecionar uma carta. Os que se dispuseram a participar foram, individualmente, até à frente da sala e selecionaram uma carta que estava virada para baixo, devendo classificar o(s) personagem(ns) ilustrado(s) como herói, anti-herói ou vilão, justificando em seguida.
- Respeito pelas opiniões é necessário, pois o conteúdo é saber analisar, classificar e justificar; a posição crítica é pessoal e as classificações não são fixas.
Após a apresentação das regras aos alunos, os 23 cartões foram colocados em uma superfície plana com as ilustrações escondidas e, individualmente, voluntários iam selecionando as cartas e classificando cada personagem entre herói, vilão ou anti-herói, com destaque para as justificativas. Quando o aluno demonstrava dificuldade em argumentar algo, cabia à professora fazer perguntas ora diretas, ora indiretas, sempre com apoio dos colegas para responder, levando-os a algum posicionamento crítico.
A metologia utilizada, que consistiu em atividade oralizada e contextualizada dos conhecimentos de mundo dos alunos, encontra respaldo nos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN) para o Ensino Fundamental II (Brasil, 1998, p. 24), uma vez que o texto traz consigo que
uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento, pois permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos, a avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos.
Apesar de o texto subscrito justificar as atividades orais para tratamento dos gêneros oralizados, ele também confirma ser de grande utilidade para a absorção dos novos conhecimentos, de forma que a sua adequação para o desenvolvimento das reflexões críticas é de vital importância.
Após a dinâmica, os alunos foram orientados a fazer um trabalho em equipes com até quatro integrantes. Tal trabalho teve uma versão escrita e outra apresentada oralmente para a turma. Nesse trabalho, os alunos tiveram que criar dois personagens, sendo um herói e outro podendo variar entre vilão ou anti-herói; versões femininas também foram autorizadas. Além da criação de personagens, consistiu do trabalho fazer ilustrações e criar uma sinopse que contivesse ambos os personagens com suas respectivas características.
Para desenvolver esse trabalho e as atividades descritas até aqui, foi necessário delinear conceitos como: prática pedagógica, conhecimentos prévios, herói, anti-herói e vilão. Assim, feitas as considerações sobre o percurso metodológico, passa-se a tratar dessa base conceitual.
Delineando conceitos utilizados no trabalho: prática pedagógica e conhecimentos prévios
O Currículo Básico Comum do Ensino Fundamental (CB/EF) dedicado à Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais - Anos Finais, com foco na Língua Portuguesa (2005), tem por finalidade auxiliar os professores quanto aos conteúdos e habilidades a serem trabalhados nessas séries. Contudo, é orientado aos professores trabalhá-los de forma a contribuir para uma prática pedagógica contextualizada e que leve a um aprendizado eficiente e adaptado às experiências escolares (CBC/EF, 2005).
O trabalho com as práticas pedagógicas foi discutido por Libâneo (1985, p. 37); ele considera que a escola trabalha tanto com práticas pedagógicas quanto com responsabilidades atribuídas pela sociedade, e concluiu que,
por fim, situar o ensino centrado no professor e o ensino centrado no aluno em extremos opostos é quase negar pedagógica (sic) porque não há um aluno, ou grupo de alunos, aprendendo sozinho, nem um professor ensinando para as paredes. Há um confronto do aluno entre sua cultura e a herança cultural da humanidade, entre seu modo de viver e os modelos sociais desejáveis para um projeto novo de sociedade. E há um professor que intervém, não para se opor aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudá-lo a compreender as realidades sociais e sua própria experiência (Libâneo, 1985, p. 37).
Libâneo ainda analisou os perfis de prática escolar e chegou à conclusão de que o perfil adequado seria o que valorize os conhecimentos prévios dos alunos e os auxilie no desenvolvimento de novas competências e habilidades. O aluno e o professor não são sujeitos em lados opostos; ambos devem ser considerados peças fundamentais para o processo de aprendizagem, no qual o professor seja um auxiliador e o aluno aja em prol de seu próprio aprendizado. Desenvolver uma prática educacional na qual o aluno seja um sujeito ativo é justificado por vários estudiosos, dentre eles os defensores da Teoria Cognitivista.
A principal contribuição das teorias cognitivistas é permitir um maior nível de compreensão sobre como as pessoas aprendem, partindo do princípio de que a aprendizagem é resultado da construção de representações mentais que se dão a partir da participação ativa do aprendiz. Em linhas gerais, aprendizagem resulta do processamento de informações que serão internalizadas e transformadas em conhecimento (Tocafundo, 2018, p. 20).
A teoria da aprendizagem intitulada cognitivismo ou construtivismo surgiu entre as décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos e defende que o aluno não é um sujeito passivo esperando estímulos dos professores, mas um sujeito ativo e capaz de aprender a partir do processamento das informações, que após internalizadas serão transformadas nos conhecimentos necessários ao próximo aprendizado. Sendo assim, o aluno é ativo e não mero espectador do professor; este será um monitor que levará o aluno a construir representações mentais, as quais são o fundamento do aprendizado (Tocafundo, 2018, p. 20).
Compartilhando o pensamento, ou melhor, a presença do professor como um orientador e o aluno como sujeito ativo, torna-se necessário frisar que uma das estratégias de leitura apresentadas por Ferreira e Dias (2002) foi
a idéia da situação educativa como um processo compartilhado, em que os papéis de professor e aluno revezam-se entre a figura e o fundo do todo que é a situação educativa. Nesse tipo de concepção, nem o professor nem o aluno se apresentam como o centro do processo, mas como elementos indispensáveis do cenário educativo (Ferreira; Dias, 2002, p. 46).
Após o entendimento de que aluno e professor devem trabalhar juntos, faz-se necessário entender as representações mentais, citadas por Tocafundo (2018, p. 20). Borges (1999, p. 2) discorreu que os modelos mentais são utilizados em diversas áreas do conhecimento e que uma definição simples seria a de que ele seria um modelo que já existe na mente de alguém. O autor ainda reflete que geralmente os sujeitos não têm noção de quais modelos mentais possuem; sobre o assunto, é importante frisar que,
mesmo quando somos expostos a um modelo aceito pelos cientistas através de um livro, de uma discussão com colegas ou de uma aula, nós construímos um modelo mental daquilo que entendemos, usando nossas habilidades e competências cognitivas, culturais, linguísticas e sociais e também os conhecimentos específicos que já temos sobre o tópico (sic) (Borges, 1999, p. 2).
Borges (1999, p. 2) defende a importância dos conhecimentos prévios na aquisição de novos entendimentos sobre um mesmo assunto, isto é, as habilidades e competências são constantemente consolidadas a partir do aprimoramento de modelos mentais anteriores.
Outra autora a trabalhar a importância de fazer associações com os conhecimentos prévios foi Biondo (2007, p. 15), que desenvolveu um projeto no qual analisou as concepções de leitura dos alunos a partir dos seus conhecimentos prévios. Para tal trabalho, ela selecionou um livro didático da 2ª série da coleção Viver e Aprender Português e discutiu as concepções de leitura e as abordagens geralmente feitas em salas de aula. Destaca-se parte de suas conclusões:
A atividade de leitura pode resumir-se a uma prática de decodificação, uma prática que, de acordo com Kleiman (1993), caracteriza-se por ser bastante automática. Como podemos observar nos exercícios [...], não há condições para que o aluno seja levado a construir significados, pois a ele não é exigido pensar, uma vez que, para responder às questões, ele necessita apenas voltar até o texto e copiar o trecho correspondente à resposta. Essa atividade, que é geralmente reconhecida como “leitura” na escola, permite ao aluno a entrada no texto, porém não há crescimento desses alunos, pois não modifica em nada sua visão de mundo (Biondo, 2007, p. 15).
Biondo concluiu que o livro didático analisado não utiliza os conhecimentos prévios dos alunos na assimilação de novos conteúdos, o que os leva a apenas decodificar as informações, transcrevê-las do texto para as perguntas, que não os fazem refletir nem analisar criticamente, fato que repercute negativamente no aprendizado, uma vez que o real conhecimento é construído por meio de interações com o meio e com os conhecimentos já absorvidos pelos alunos.
As reflexões apresentadas por Biondo (2007, p. 15) encontram reflexos neste trabalho, uma vez que os alunos devem ser sujeitos ativos na aquisição do conhecimento, atividade omissa quando o aluno simplesmente recebe questionamentos que estão apresentados claramente nos textos, levando-os a não agir ou refletir, mas apenas a transcrever as respostas.
Por sua vez, os PCN (Brasil, 1998) discorrem que alguns dos objetivos para o ensino da língua materna sejam que os alunos aprendam a “utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações construídas em várias áreas do conhecimento” (Brasil, 1998, p. 32) e ainda “ampliem a capacidade de reconhecer as intenções do enunciador, sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideológicas sustentadas em seu discurso” (Brasil, 1998, p. 49). Tais citações deixam claro que os PCN fundamentam o ensino da língua nas experiências prévias dos alunos, justificando que o desenvolvimento da análise crítica pode ser feito através de seus conhecimentos de mundo, sejam elas filmes, histórias em quadrinhos ou desenhos animados.
Teixeira e Sobral (2010, p. 669) também trataram dos conhecimentos prévios e escreveram que podem ser considerados o resultado das concepções de mundo que a criança desenvolve a partir das interações estabelecidas “com o meio de forma sensorial, afetiva e cognitiva, ou ainda, como resultado de crenças culturais” (Teixeira; Sobral, 2010, p. 669). Para as autoras, os conhecimentos prévios são fundamentados nas interações familiares e sociais com que a criança está relacionada.
Após a compreensão de que a prática pedagógica se fundamenta na associação entre um professor orientador e um aluno como sujeito ativo e não mero espectador da aula, bem como no reconhecimento dos conhecimentos prévios, faz-se necessário dialogar sobre os conceitos de herói, anti-herói e vilão, uma vez que o tópico de estudo deste trabalho foi o desenvolvimento da análise crítica sobre as temáticas do herói, anti-herói e vilão.
Delineando conceitos utilizados no trabalho: herói, anti-herói e vilão
Heróis são as pessoas ou personagens que agem conforme a bondade, ou melhor, colocam o bem de terceiros acima de suas próprias vontades e dão tudo de si para o bem comum, mesmo que isso lhes custe a vida. Por sua vez, o vilão é visto como o antagonista, ou melhor, a pessoa ou personagem contrário ao herói, fazendo de tudo para não somente se opor ao bem de todos, mas também infringindo leis, tendo condutas imorais e buscando na maldade a base de suas atitudes. Não menos importante, o anti-herói é construído de forma diferente do herói tradicional, pois ele pode até ter causas em favor de terceiros, mas os seus objetivos e intenções não são nobres (Laytynher, 2011, p. 2).
Com linguagem simples e facilmente entendida pelos alunos, o minidicionário de Rios (2018) também conceitua os vocábulos herói, vilão e anti-herói:
Herói: 1 Pessoa notável por suas qualidades, valor, fitos ou ações extraordinárias. 2 Personagem principal de um romance, de um poema, de uma peça teatral, de um filme, de uma telenovela. Fem.: Heroína.
Vilão: 1 Habitante de vila. 2 Rústico, grosseiro, rude. 5 Baixo, vil, abjeto, desprezível, sórdido. 8 indivíduo desprezível. Fem.: Vilã.
Anti-herói: 1 Oposto do herói. Personagem de ficção a quem faltam atributos físicos e/ou morais característicos do herói clássico. Fem.: Anti-heroína (Rios, 2018, p. 227; p. 533; p. 35).
Valle e Telles(2019, p. 3) escreveram sobre as várias construções históricas do mito de herói e apresentaram:
o herói é uma figura arquetípica que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. O termo se destina originalmente a um protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para a mitologia grega, o herói estava na posição intermediária entre os deuses e os homens, sendo, em geral, filho de um deus com uma mortal ou vice-versa. Portanto, o herói tinha dimensão semidivina (Valle; Telles, 2019, p. 3).
A definição de Valle e Telles (2019, p. 3) esclarece que os heróis eram os chamados semideuses, filhos de mortais com deuses que tinham como único objetivo proteger e salvaguardar a vida dos mais fracos e em perigo. Posteriormente, foram adaptados às histórias em quadrinhos, às novelas e aos filmes, sendo eles geralmente os protagonistas dessas narrativas. Como as narrativas possuem um conflito, o antagonista (aquele que se opõe) era geralmente representado pelo chamado vilão.
Baranta (2015, p. 7) definiu:
o anti-herói é considerado a personagem que vai perturbar e, ao mesmo tempo, criar empatia com o espectador, ao conciliar caraterísticas boas e más, defeitos e qualidades, que podem ou não ser equivalentes aos do espectador normal. Ou seja, o anti-herói vive no equilíbrio entre virtudes e defeitos da conduta moral.
Baranta afirma que o público pode ter dificuldades em distinguir vilões e anti-heróis, pois são muito parecidos. Todavia, os vilões sempre foram vistos como os opositores dos heróis e os anti-heróis deixam dúvidas se são, realmente, antagonistas para os heróis. Assim sendo, embora os anti-heróis também sejam maus e imorais, possuem condutas, código ético e objetivo definidos que lhes fazem ser aceitos e justificados pelo receptor.
Para o autor, herói e anti-herói confundem o público, uma vez que o herói é construído como uma versão melhorada dos homens, levando-os à admiração; o anti-herói é criado de forma que “o espectador identifica-se com ele, no entanto as caraterísticas negativas são salientadas, criando fascínio e admiração para o observador, independentemente da sua conduta imoral” (Baranta, 2015, p. 8).
Os heróis, anti-heróis e vilões não só fazem parte do imaginário das crianças, jovens e adultos como também são fontes de diversão e inspiração dos seus fãs. Tal universo, presente na atual realidade e de fácil acesso no mundo globalizado e tecnológico, demonstra-se muito útil para ser utilizado no estudo da Língua Portuguesa, especialmente no desenvolvimento da criticidade nos alunos, uma vez que eles demonstram interesse e conhecimentos prévios sobre assunto. A respeito do que é ser aluno crítico, adotado para fins deste trabalho, passaremos a apresentar as discussões discorridas por, dentre outros, Carraher (1983), Silva (2003) e Laytynher (2011).
Aluno crítico: construindo a criticidade do aluno
Carraher (1983, p. 14) afirma que “um indivíduo que possui a capacidade de analisar e discutir problemas inteligente e racionalmente, sem aceitar de forma automática suas próprias opiniões ou opiniões alheias, é um indivíduo dotado de senso crítico”. É dever da educação desenvolver o posicionamento crítico dos alunos, de forma que eles não aceitem tudo que lhes seja oferecido, sem mesmo questionar. Carraher (1983, p.14) ainda, citando Piaget diz que o dever da educação é
formar mentes que possam ser críticas, que possam verificar, ao invés de aceitar tudo que lhes é oferecido. O grande perigo hoje em dia é o dos chavões, das opiniões coletivas, de modas pré-fabricadas de pensamentos. Temos que ser capazes de resistir individualmente, de criticar, de distinguir entre o que foi provado e o que não foi. Portanto, precisamos de alunos que sejam ativos, que aprendam cedo a descobrir por si próprios, em parte através de sua atividade espontânea e em parte através do material que lhes apresentamos; que aprendam cedo a distinguir o que é verificável da primeira ideia que lhes vem à cabeça (Piaget, 1964 apud Carraher, 1983, p. 14).
Um dos deveres da educação é ensinar os alunos a argumentar, a não ter opiniões pré-formadas; é também ensinar a fazer associações entre os conhecimentos prévios e os novos que lhes são apresentados. Os alunos devem se permitir questionar e analisar, não aceitando os conhecimentos pré-fabricados, sem antes interferir com suas próprias abordagens individuais.
Carraher (1983, p. 14) apresenta as características gerais de um pensador crítico:
1. Uma atitude de constante curiosidade intelectual e questionamento;
2. A habilidade de pensar logicamente;
3. A habilidade de perceber a estrutura de argumentos em linguagem natural;
4. A perspicácia, isto é, a tendência a perceber além do que é dito explicitamente, descobrindo as ideias subentendidas e subjacentes;
5. Consciência pragmática, um reconhecimento e apreciação dos usos práticos da linguagem como meio de realizar objetivos e influir sobre outros;
6. Uma distinção entre questões de fato, de valor e questões conceituais;
7. A habilidade de penetrar até o cerne de um debate, avaliando a coerência de posições e levantando questões que possam esclarecer a problemática (Carraher, 1983, p. 14).
Com base nessa citação, subentende-se que o aluno dotado de senso crítico questiona a todo momento o que lhe é apresentado, seja na forma de textos ou mesmo em situações rotineiras do dia a dia. Ele utiliza a linguagem para pensar racionalmente, fazendo uso das teorias a fim de analisar e refletir sobre os filmes, as histórias, os diálogos e as construções textuais, como um todo, que lhe são apresentados. Enfim, o aluno dotado de senso crítico não aceita os conhecimentos prontos e acabados, mas entende que o processo de aprendizado está em constante desenvolvimento e transformação.
Silva (2003, p. 4) também identificou as características de um aluno dotado de pensamento crítico e apontou que muitos professores pensam, erroneamente, que criticar é mencionar defeitos ou censurar algo. Sendo assim, a autora buscou diversos estudiosos sobre o assunto e afirmou que o aluno crítico sabe pensar, julgar, analisar, avaliar e estabelecer relações entre os julgamentos e as possíveis consequências desses julgamentos. Silva diz ainda que o pensamento crítico deve ser baseado em “critérios, e saber estabelecê-los ou indentificá-los é imprescindível para o desenvolvimento da capacidade crítica” (Silva, 2003, p. 4):
Para tanto, é preciso estabelecer relações, pois estas fornecem aos julgamentos sentido e orientação. De fato, para julgar, precisamos observar, estabelecer comparações, discernir semelhanças e diferenças, orientando-nos por critérios. Tais atividades constituem um mecanismo metodológico de investigação que pode ser exercitado mediante a orientação do professor.
Por essa citação, entende-se que é necessário esclarecer para os alunos que a análise crítica está fundamentada na observação e nas comparações, ou melhor, eles precisam ter conhecimentos anteriores que lhes ofereçam margens para tais reflexões. Os critérios são baseados em argumentos e estes surgem a partir do momento em que os alunos conseguem estabelecer relações, pois criticar é saber argumentar.
Por sua vez, ao tecer estudo sobre a formação de leitores críticos, Laytynher (2011) defendeu a contribuição das HQs nesse processo. Segundo o autor, muitos críticos consideram que as histórias em quadrinhos e os textos audiovisuais fazem com que os alunos percam o interesse por leituras escritas; contudo, ele disserta que, especialmente no Brasil, há diversos motivos que levam a tal desinteresse, inclusive econômico-sociais ou políticos. Sendo assim, o aluno ora não tem condições financeiras de adquirir bons livros, ora não encontra apoio no sistema político, o que reflete na sua própria escola e educação (Laytynher, 2011, p. 10).
Laytynher conclui que as histórias em quadrinhos são importantes instrumentos a serem utilizados no desenvolvimento da análise crítica dos alunos:
O uso de histórias em quadrinhos na escola pode proporcionar não só o interesse pela leitura, mas também o aprimoramento da leitura crítica. Uma das formas de alcançar isso é por meio do conhecimento das ideologias presentes na composição dos super-heróis dos gibis, o que despertaria nos estudantes a curiosidade de conhecer o texto por trás do texto em outros gêneros (Laytynher, 2011, p. 11).
Sobre o assunto, Paiva (2001) disserta que “anteriormente apresentadas unicamente como influência negativa, as histórias em quadrinhos podem ser fonte de benefícios para o desenvolvimento e moral dos leitores” (Paiva, 2001, p. 2), relevante a observação feita pelo autor, quando associa as histórias em quadrinhos ao cotidiano dos jovens e de pessoas de diversas idades, levando inclusive a filmes baseados em gibis e a grandes sucessos de bilheteria (Paiva, 2001, p. 2):
sua influência está na música, no cinema, na literatura e em outras diversas formas de demonstrações artístico-culturais. Mesmo os menos atentos se deparam diariamente com imagens relacionadas aos personagens clássicos dos gibis (Batman, Super-Homem, Homem Aranha, entre outros), quando não com os próprios personagens, apresentados em produtos mais diversos, desenhos animados, nomes próprios ou comerciais e nas próprias histórias em quadrinhos. Dentre as maiores bilheterias dos cinemas atuais estão filmes baseados em histórias em quadrinhos, e os principais gibis rendem tiragens de centenas de milhares de exemplares, não raras vezes milhões de exemplares em cada número (Paiva, 2001, p. 2).
Vergueiro (2006), citado por Paiva (2011), define diversas vantagens no uso das HQs na educação, tais como o fato de que esse gênero textual faz parte da vida dos jovens e da cultura de massa, existindo diversos temas trabalhados em seus enredos. Também o fato de que as histórias em quadrinhos auxiliam no desenvolvimento do hábito da leitura, enriquecem o vocabulário de seus leitores e são encontradas com facilidade (Vergueiro, 2006, p 21-24 apud Paiva, 2011, p. 2).
Tanto Paiva (2011) quanto Vergueiro (2006) perceberam que as histórias em quadrinhos e, conseguintemente, as versões cinematográficas que elas inspiraram possuem grande recepção por parte dos jovens, sendo de fácil acessibilidade e oferecendo grandes oportunidades para que os professores as incluam em suas práticas pedagógicas. A diversidade temática, vocabular e narrativa pode ser utilizada nas diversas abordagens curriculares em sala de aula.
Por sua vez, Santos (2001, p. 46) também considerou as histórias em quadrinhos como veículo de muitas utilidades, ou melhor, podendo ser vista para marketing ou para sua utilização como ferramenta pedagógica:
Além disso, a história em quadrinhos, como veículo de comunicação, tem, ainda, outras aplicações, seja como peça de marketing, seja como instrumento de transmissão de conhecimento e ferramenta pedagógica. É justamente a possibilidade de uso das HQs que necessita ser mais bem compreendida e explorada por educadores, pais e membros de movimentos populares e comunitários (Santos, 2001, p. 46).
Para Santos (2001, p. 46), embora o produto não possua qualidade material, pois é feito com base no sistema produtivo que exige grandes quantidades de produtos, as HQs encantam pela criatividade e temáticas ousadas e criativas. Suas propostas despertam os interesses do público em geral, principalmente dos jovens. Aproveitar tal interesse é uma proposta a ser pensada pelo corpo escolar, sejam pedagogos, professores em geral e familiares, uma vez que o interesse dos jovens por tal gênero textual deve ser explorado juntamente com conteúdos mais diretos e didáticos. Utilizá-lo como ponto de partida para um debate oferece material para a discussão de reflexões e valores (Santos, 2001, p. 49).
Se um dos objetivos deste trabalho é desenvolver estudo que auxilie no aprimoramento do senso crítico dos alunos, utilizar os conhecimentos prévios de um assunto que sabidamente é de interesse geral e de domínio dos jovens somente poderá trazer resultados satisfatórios quando bem trabalhado no ensino da Língua Portuguesa.
Atividade diagnóstica
A atividade diagnóstica consistiu em um questionário ao qual responderam 85 alunos das três turmas de 7º ano do Ensino Fundamental (em 2019) e serviu para avaliar os conhecimentos prévios dos alunos acerca dos temas herói, vilão e anti-herói. Foram feitos condensados com as respostas dadas pelos alunos.
Tabela 1: Condensado da atividade diagnóstica
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Herói |
Vilão |
Anti-herói |
Conceito |
Heróis geralmente são os personagens principais da história, salvam as pessoas e sempre pensam no outro além de suas próprias vidas. Têm superpoderes, sempre salvam as pessoas; os vilões são seus inimigos. |
Os vilões são pessoas com superpoderes e que fazem o mal porque gostam. Possuem inveja ou desacertos na infância e, por isso, são contrários ao bem e aos heróis. Sempre fazem coisas erradas e, geralmente, os heróis ganham no final. |
É uma pessoa sem responsabilidade e sem superpoderes, mata por diversão e salva por interesse. |
Os alunos, de modo geral, demonstraram conhecer os conceitos de herói e de vilão. Identificam o primeiro como uma pessoa ou personagem que sempre está envolvida em fazer o bem e, inclusive, é percebido como o protagonista das narrativas conhecidas. Percebem, ainda, que o vilão é o opositor do herói, sempre aparecendo para interromper a bondade; nas narrativas, é o antagonista que geralmente sai como perdedor no final do enredo. Seus conceitos sobre heróis e vilões compactuam o apresentado por Laytynher (2011, p. 2), demonstrando possuírem conhecimentos prévios corretos sobre o assunto.
Por outro lado, o conceito do anti-herói revelou-se não ser de conhecimento dos alunos (grande parte deixou a questão em branco ou houve respostas contraditórias); todavia, eles percebem que o vocábulo faz parte do mesmo universo semântico, isto é, do contexto dos super-heróis, revelando que possuem modelos mentais sobre o assunto, o que facilitará a absorção do conteúdo, conforme abordagem feita por Borges (1999, p. 2), isto é, quando o autor garante que modelos mentais prévios são necessários para a consolidação de novos conhecimentos.
Os alunos demonstraram certa dificuldade em separar conceitos e características, demonstrando paráfrases em suas respostas para ambas as abordagens.
Tabela 2: Condensado da atividade diagnóstica
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Herói |
Vilão |
Anti-herói |
Características |
O herói sempre tem o coração bom e pensa no outro, tem superpoderes e um vilão que tenta o impedir de fazer o bem. Usa, ainda, uniformes e máscaras especiais. |
O vilão é malvado, rancoroso e tem uma risada aterrorizante. É o inimigo do herói, tem uma aparência feiosa e é malvado, sempre provocando medo nas pessoas. |
O anti-herói é como se fosse um herói, mas não tem superpoderes. |
Ao analisar as respostas dos alunos com base em seus conhecimentos prévios acerca das características de heróis, vilões e anti-heróis, mais uma vez observou-se que os alunos não tiveram dificuldade em escrever sobre os dois primeiros; todavia, sobre os anti-heróis, ora deixaram em branco, ora entraram em contradições, demonstrando conhecimento apenas sobre o campo semântico ao qual ele pertence.
As características apresentadas pelos alunos não recordam a definição discutida por Valle e Telles (2019, p. 3), já exposta neste trabalho, isto é, uma figura dotada de grande força e atributos capazes de superar enormes dificuldades, assemelhando-se aos semideuses. Também não compactuam com a definição apresentada por Rios (2018, p. 227; 533), citado anteriormente, para o qual o herói poderia ser qualquer pessoa com qualidades notáveis ou extraordinárias; e o vilão, apenas um indivíduo desprezível. Pela definição dicionarizada, heróis e vilões podem estar presentes na vida real, pessoas boas ou ruins, realizando o bem comum sem proveito próprio ou agindo conforme a imoralidade, ilegalidade ou maldade. Proporcionar que os alunos vejam esses heróis ou vilões da vida real, nas revistas, jornais, noticiários ou redes sociais faz parte do desenvolvimento do senso crítico e foi trabalhado durante a dinâmica por meio de questionamentos. Essa etapa já foi discutida no decorrer desse trabalho.
Outro autor discutido neste trabalho foi Baranta (2015, p. 7), que discorreu sobre a possibilidade de o público ter dificuldade em separar herói e anti-herói, pois o primeiro é uma versão aprimorada dos homens e este é um personagem feito de forma que as pessoas se identifiquem com ele. Sobre isso, os alunos simplesmente não souberam conceituar nem caracterizá-lo, pois faltavam-lhes modelos mentais sobre o assunto; nas suas respostas eles pendiam para conceituar o anti-herói como herói ou vilão, deixando muitas vezes as respostas em branco.
Entretanto, algumas tentativas de conceituação, caracterização ou exemplificação do termo anti-herói, mesmo não sendo um tema com que eles tivessem contato anteriormente, demonstraram a habilidade dos alunos em tentar buscar soluções para um problema dentro do universo temático que já lhes é conhecido. Revelaram, assim, a inquietude de buscar soluções para um problema com base em conhecimentos prévios; isso é basicamente o que foi citado com base em Carraher (1983, p.14) quando define o que é um pensador crítico.
A análise da atividade diagnóstica, até então, demonstrou que os alunos possuem conhecimentos prévios sobre o assunto e a habilidade de buscar soluções para problemática envolvendo o campo semântico de heróis, anti-herói e vilões. No entanto, os seus exemplos demonstraram que possuem modelos mentais pré-fabricados pela indústria de entretenimento, uma vez que só conhecem personagens das HQs e/ou midiáticos, não os reconhecendo na nossa realidade.
Tabela 3: Condensado da atividade diagnóstica
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Herói |
Vilão |
Anti-herói |
Exemplos |
Lanterna verde, Superman, Thor, Mulher Maravilha, Super-homem, Ladbay, Os Vingadores |
Coringa, Charada, Thanos |
Deadpool, Batman, Robin, Venon, Gru, Os Minions, Megamente |
Como já discorrido, os alunos demonstraram que possuem conceitos pré-formados e corretos do que seja um herói ou um vilão. É importante ressaltar que eles conceituaram, exemplificaram e apresentaram características claramente baseadas em filmes de grande sucesso da Marvel Comics e da DC Comics. Essas são editoras de quadrinhos americanas especializadas em quadrinhos e em mídias relacionadas que fazem grandes sucesso pelos filmes transmitidos em todo o mundo, inclusive sucessos de bilheteria no Brasil, sendo eles repercutidos e aceitos, em alguns casos, com paixão, entre os jovens.
Como já foi descrito no percurso metodológico, após a análise da atividade diagnóstica e o entendimento do que seja um aluno crítico, foi feita, na segunda etapa das atividades, uma dinâmica na qual os alunos foram questionados a julgar determinados personagens e encontrá-los também na sociedade em geral.
Dinâmica para oportunizar o desenvolvimento do senso crítico
A dinâmica feita nas três turmas do 7º ano permitiu que os alunos classificassem os personagens em herói, anti-herói ou vilão. Dessa feita, foram apresentadas imagens na forma de cartinhas de papel; as classificações tiveram que ser justificadas. Nesse momento, os alunos puderam utilizar os conhecimentos prévios sobre os personagens e os enredos e associá-los aos conhecimentos teóricos sobre herói, anti-herói e vilão, estabelecendo relações. O estabelecimento dessas relações, orientadas pelo professor, é o que repercute no desenvolvimento da capacidade crítica, ideia essa defendida por Silva (2003, p. 4) como mencionado no decorrer deste trabalho.
A seguir são apresentadas algumas abordagens feitas no andamento da dinâmica. Sobre o desenho típico de uma bruxa (feia, nariguda e com verruga), disseram que
No filme João e Maria, há as bruxas boas e Maria é uma bruxa que caça outras bruxas.
Também tem a bruxa boa, como no filme O Mágico de Oz.
A bruxa pode ser boa ou ruim.
Nem toda bruxa má é feia e nem toda bruxa boa é bonita, como no filme do Mágico de Oz.
A bruxa é má, ela matou a Branca de Neve.
É vilã, pois passa por cima de todos para conseguir o que quer (citações de alunos do 7° ano do Ensino Fundamental, 2019).
Sobre a imagem da bruxa, os alunos foram levados a questionar os estereótipos de modo geral, pois nos filmes atuais não há mais padrões prefixados, isto é, a princesa não necessita mais encontrar um príncipe a fim de ter um “felizes para sempre”, e o protagonista não precisa mais ter as características próprias de um herói. Os alunos demonstraram entendimento do tema, pois citaram passagens de filmes com bruxas boas ou ruins, conforme citado.
O trabalho desenvolvido nesta etapa está de acordo com o defendido por Piaget, citado por Carraher (1983, p. 14), quando defende que é dever da educação e dos professores formar mentes críticas, que não aceitem conceitos ou ideias pré-fabricadas, conforme apresentado no corpo deste artigo.
Outra imagem intrigante foi a de um caminhão de bombeiros, momento no qual os discentes concordaram que os heróis também podem existir na vida real, desde que façam coisas boas, surpreendentes e sempre pensando no bem dos outros acima de si mesmos.
Os demais desenhos foram baseados principalmente em HQs que são defendidas por Laytynher (2011, p. 4) como importantes instrumentos para aprimorar o posicionamento e desenvolvimento do senso crítico dos alunos. A respeito da famoso personagem verde “Hulk”, houve polêmica em sala de aula:
Hulk é vilão, pois, na história, mata as pessoas e destrói a cidade.
É anti-herói, porque é carismática, tem um objetivo e é aceito pelo público.
É um herói, porque o que ele faz é porque tem excesso de raiva e é conturbado.
Herói, porque participa dos grupos dos heróis.
É anti-herói, porque matou o Homem de ferro (citações de alunos do 7° ano do Ensino Fundamental, 2019).
Conforme o que foi visto nas ideias de Santos (2001, p. 46), que entende as histórias em quadrinhos como instrumento pedagógico, a personagem Hulk serviu para trabalhar não só os conceitos sobre heróis, vilões e anti-heróis, mas também sobre o posicionamento crítico que pode variar de pessoa para pessoa, desde que haja argumentos sobre a opção escolhida.
Diferentemente das princesas da Walt Disney e dos Vingadores, que foram classificados como heróis porque “só querem o bem de todos” e “salvam vidas”, respectivamente, a personagem Batman foi vista ora como herói, pois “salva as pessoas”, ora como anti-herói, pois é “malvado sob justificativa”; “quer vingança pela morte dos pais”; e “não tem as características de um anti-herói, mas tem um objetivo e o povo gosta dele” (citações de alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, 2019).
Outros personagens geraram polêmica em sala de aula e valem ser destacados:
- Wolverine: “varia entre herói e anti-herói”; “mata as pessoas porque não tem memória”, “faz o bem e salva vidas”.
- Gru: “é um vilão que se transformou durante a narrativa e se tornou um herói”.
- Os Incríveis: “são heróis porque salvam as pessoas”; “anti-heróis porque não é ela que se opõe a todos, mas ela que faz de tudo para salvar o marido e todos que se opõem a ela” (no enredo, a protagonista agride muitos homens para salvar o marido que fora sequestrado).
- Megamente: “é um vilão que se transforma em anti-herói”.
- Shrek: “é um anti-herói que se transforma em herói”; “ele é um vilão, porque faz mal às pessoas”.
- Deadpool: “anti-herói, porque é malandro, engraçado e tem justificativas para as suas atitudes”.
- Elsa: “é heroína porque foge para não machucar as pessoas e salvou a Ana”; “não fez mal por querer”.
- Picapau: “é um anti-herói, porque faz de tudo por comida, atrapalha os outros, é trapaceiro e malandro”; “às vezes é um vilão, porque atrapalha os outros” (citações de alunos do 7° ano do Ensino Fundamental, 2019).
Ao término da dinâmica, percebeu-se o grande interesse dos alunos em participar com seus posicionamentos; tais posturas podem ser justificadas porque o uso das HQs pertence aos conhecimentos prévios e cotidiano dos jovens, conforme Paiva (2001, p. 2). Tais narrativas também serviram para auxílio na educação, pelo mesmo motivo de estarem presentes no contexto social dos alunos (Vergueiro, 2006). Não podemos esquecer que os discentes puderam estabelecer relações entre conhecimentos prévios e novos, desenvolvendo a habilidade crítica, conforme já apresentado por Silva (2003, p. 4).
Conclusão
A atividade diagnóstica revelou que os alunos conheciam os conceitos e características de heróis e vilões; todavia desconheciam o termo anti-herói. Após breve explicação deste último, os discentes não tiveram dificuldades para reconhecer e justificar anti-heróis famosos das histórias em quadrinhos e/ou filmes.
Durante a dinâmica, a maior dificuldade foi monitorar os alunos a fim de que um falasse de cada vez, pois grande parte dos alunos queria escolher e falar por cada personagem que era selecionado. Como alguns alunos são tímidos, estes também participaram, pois foram feitas votações para cada personagem selecionado, ou melhor, “levantem as mãos quem acha que tal personagem é herói, vilão ou anti-herói”. Quanto aos heróis, não houve discussões, diferentemente dos antagonistas (vilões e anti-heróis), que proporcionaram discussões e reflexões interessantes.
De modo geral, a dinâmica permitiu aos alunos justificar seus posicionamentos sempre levando em consideração a narrativa referente a cada personagem, estabelecendo relações entre os conhecimentos prévios e os conceitos estudados. Nas três turmas trabalhadas, os alunos perceberam que muitos personagens evoluem conforme o enredo e os conflitos de cada narrativa. Os alunos discursaram que alguns personagens podem começar como antagonistas e terminar como heróis dentro da narrativa.
Os discentes não tiveram dificuldades para associar os conceitos teóricos apresentados aos enredos respectivos e à classificação de cada personagem em herói, anti-herói ou vilão. Em grande quantidade, mostraram interesse em participar das atividades e superaram as expectativas, uma vez que refletiram criticamente com relação ao estereótipo da bruxa.
Por outro viés, a metodologia utilizada, a qual se apoiou nos conhecimentos prévios dos alunos a fim de utilizá-los como ponto de partida para a absorção de novos conceitos e contextualizar a disciplina ao universo dos adolescentes em questão, foi de grande utilidade a fim de despertar-lhes o interesse pela aula. Quanto ao objetivo da análise crítica, o uso de uma dinâmica que se aparentou em tom de brincadeira conjuntamente aos conhecimentos prévios e novos foi responsável pela efetiva e interessada participação dos alunos.
Reiterando, os alunos demonstraram interesse em participar da dinâmica, com facilidade para refletir sobre cada personagem que era de seu conhecimento, e foram felizes no trabalho final, no qual tiveram que criar duas personagens, sendo um herói, um vilão ou anti-herói e uma sinopse que contivesse a história de ambas as escolhidas. Essa atividade de conclusão do tópico da disciplina serviu para que os alunos desenvolvessem seus talentos tanto na escrita quanto na ilustração. Seguem algumas considerações dos trabalhos realizados pelos alunos.
Na história “As aventuras de Stop-Cap”, elaborada pelos discentes, Cap era um médico que tinha uma vida normal até ser picado por um animal diferente e adquirir superpoderes. Depois da transformação, decidiu fazer uma fantasia bem diferente dos outros super-heróis e combater o crime em sua cidade. Quando descobriu o vilão Calvin, lutou contra ele e perdeu a primeira luta, mas conseguiu ajuda dos Vingadores e o antagonista foi expulso para o espaço.
Embora os estudantes tenham feito um enredo que possa ser chamado de clichê, pois reescreveu a estrutura de narrativas famosas das HQs, não se pode tirar o mérito da equipe, pois conseguiu estruturar todas as características de uma narrativa, isto é, apresentação, conflito, clímax e desfecho, desenvolvendo a habilidade da escrita.
Apesar de alguns trabalhos terem seguido os padrões narrativos, outros foram bem originais, como o “Clã da Leitura Maligna”.
O Clã da Leitura Maligna “são livros que têm pensamento e sentimentos terríveis. São maus, ignorantes e arrogantes. Todo o mal da cidade sai deles”. No universo criado pela aluna, esse clã representa o mal, enquanto “Os Escritores de Orações” defendem o bem e protagonizam a história, que se passa na cidade de Vondial; o Clã da Leitura Maligna rouba livros da biblioteca e troca os bons conteúdos por fúteis, que posteriormente são reescritos pelos heróis “Escritores de Orações”.
A ideia da aluna foi elogiada em sala de aula, pois se mostrou criativa e bem escrita! Ela seguiu a estrutura de narrativa, mas sem se prender aos universos cinematográficos ou HQs, como fizeram outros alunos que criaram o “Supergreem”.
Para elaborar o “Supergreem”, os alunos desenharam um personagem típico das HQs, isto é, superpoderoso e com fantasia chamativa; suas características são a força, a capacidade de voar e ficar invisível; sempre pensando no bem das pessoas, age em defesa dos outros acima de suas vontades!
Por sua vez, “Joy e Cold” exemplifica no que a maioria dos trabalhos fundamentaram: os estereótipos típicos do que seria um herói e/ou um vilão permaneceram na mentalidade dos alunos na hora de escrever suas próprias histórias. Todavia, aproveitaram suas habilidades de desenho e escrita (motivo este pelo qual o trabalho fora feito em equipe, pois os alunos possuem talentos diferentes que podem ser trabalhados em conjunto) para fazer belos trabalhos!
Os alunos, em sua maioria, basearam suas escritas e ilustrações nos heróis e vilões sabidamente conhecidos no universo cinematográfico e nas histórias em quadrinhos. Eles conseguiram aprimorar o senso crítico durante a dinâmica oralizada, mas na hora de escrever sobre o assunto, criando suas próprias histórias, não conseguiram demonstrar um posicionamento crítico frente aos estereótipos de protagonistas e antagonistas (nenhum aluno criou um personagem anti-herói).
Por fim, o objetivo, o qual consistia em despertar o interesse dos alunos frente às aulas de Língua Portuguesa no tópico análise crítica do herói, vilão e anti-herói, foi satisfatório e surtiu resultados positivos na dinâmica oralizada, pois foram participativos e ativos ao estabelecer associações entre o novo conteúdo e os conhecimentos prévios. Outro ponto positivo foi a prática da escrita e da criatividade no último trabalho; todavia, grande parte dos alunos não conseguiu ter posições críticas e inovadoras quanto ao conteúdo das narrativas. Esta última observação leva ao fato de que um novo projeto, no qual os alunos possam criar narrativas desvinculadas de estereótipos e do universo cinematográfico, com pessoas sem poderes inalcançáveis pelos humanos e dentro da atual realidade, seja algo necessário ao trabalhar o conteúdo de anti-herói, vilão e herói em sala de aula.
Referências
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Publicado em 26 de novembro de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
TOCAFUNDO, Ronan Daré; RODRIGUES, Emanuelle Silva. Herói, anti-herói e vilão: a percepção crítica contextualizada à sala de aula. Revista Educação Pública, v. 19, nº 31, 26 de novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/31/heroi-anti-heroi-e-vilao-a-percepcao-critica-contextualizada-a-sala-de-aula
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