Introduzindo Astrobiologia em turmas de Educação de Jovens e Adultos

Angela Ferreira Portella

Graduada em Ciências Biológicas (UERJ)

Adriana Oliveira Bernardes

Doutoranda em Ensino e História da Matemática e da Física (Pemat/UFRJ)

Segundo Caniato (1996) e Iachel et al. (2009), a Astronomia é um assunto rico e fértil, pois desde o homem primitivo o céu, o sol, as estações despertavam o interesse; até os dias de hoje somos condicionados a tais fenômenos. Ela fomenta a curiosidade dos estudantes em qualquer nível escolar, porém poucos são os que têm acesso a esse tipo de tema, pois é abordado de maneira muito limitada. O tema encontra-se em constante avanço, sendo cada vez mais estudado, guarda os mais avançados conhecimentos que a humanidade possui e está presente no dia a dia.

A Astronomia, apesar de ainda aparecer nas escolas e universidades de maneira tênue, é um tema bastante rico, que pode motivar e se tornar popular, já que o seu objeto de estudo, o céu, é de “alcance” de todos (Langhi; Nardi, 2009). Para Silva e Begalli (2018), dentro das escolas a Astronomia se torna bastante relevante, pois, além de tratar de assuntos matemáticos, pode abordar questões filosóficas.

O estudo da Astronomia foi incorporado ao Currículo Mínimo de Física do Estado do Rio de Janeiro em 2012, na 1ª série do Ensino Médio, ditando uma proposta diferente da que vinha sendo feita. Nesse currículo é sugerida uma abordagem histórica e filosófica dos conteúdos, propondo a discussão dos movimentos da Terra, da Lua e do Sol, além do estudo das ordens de grandeza e movimentos astronômicos (Rio de Janeiro, 2012).

O estudo da Astronomia também foi revisto e incorporado nos currículos mínimos do Estado de São Paulo e no ensino de Ciências no Estado do Paraná (Soler, 2012; Paraná, 2012).

Essa modificação no currículo por importantes estados brasileiros demonstra maior conscientização da importância do ensino de Astronomia e provável tendência nacional: a incorporação do tema em suas escolas, trabalhando prioritariamente o entendimento dos conceitos físicos e suprimindo uma Física excessivamente matematizada (Bernardes; Reis, 2016).

Dentro dos estudos sobre Astronomia, encontramos a Astrobiologia, que, para Neitzel (2006), é o estudo da origem, distribuição e do destino da vida em todo o Universo. É um assunto relativamente novo e interdisciplinar, abrangendo Biologia, Química, Física, Geologia e Astronomia. Com isso, se torna um grande recurso para o desenvolvimento intelectual do aluno.

Segundo Lima e Santos (2016) e Gross (1998), essa ciência surgiu no século XX, sendo classificada como a área que estuda a existência de vida no Universo, unificando assim conhecimentos científicos.

Dentro de sala de aula, pode-se unificar os conhecimentos de maneira interdisciplinar, tornando o conhecimento mais profundo e abrangente. Ainda se cria uma visão geral da origem e evolução de formas de vida, sintetizando boa parte do conteúdo de Física, Química e Biologia, tornando-se, assim, uma ferramenta na prática docente para enriquecimento das aulas (Neitzel, 2006; Lima; Santos, 2016).

Para Portella e Bernardes (2017), a introdução da Astrobiologia na escola traz um ambiente dialógico e contribui para a alfabetização científica dos alunos. No trabalho realizado por essas autoras em escola pública do município de Nova Friburgo, o tema Astrobiologia foi bem recebido pelos alunos e a oficina realizada contribuiu de forma efetiva para o aprendizado, levando para a escola uma metodologia alternativa.

A Astrobiologia estuda os organismos extremófilos (aqueles que vivem em condições de temperatura, pressão, salinidade, pH e radiação extremos). Normalmente, esses extremos são capazes de destruir a integridade celular dos organismos em geral, porém esses seres são resistentes e conseguem sobreviver. Há microrganismos vivendo quilômetros abaixo da superfície, nas profundezas do oceano e até em lugares congelados (Rampelotto, 2010).

Gross (1998), em seu trabalho, discorre sobre a importância dos extremófilos, pois seu estudo gera conhecimentos aprofundados dos organismos e as interações deles com o meio ambiente.

Para a realização deste trabalho, contamos com a participação de uma turma de Educação de Jovens e adultos (EJA). Na opinião de Bernardes (2010), essas turmas são formadas por alunos que deixaram a escola há muito tempo, por diversos motivos – pessoais e profissionais, porém o mercado de trabalho está exigindo demais desses alunos, o que os fez retomar às escolas. Esses discentes precisam ter um projeto direcionado a eles, dado que alguns possuem grande dificuldade em diversas disciplinas.

Em trabalho realizado por Dias (2010), ele relata que sempre encontrava dificuldades em ensinar Física aos alunos de EJA. Por conta disso, desenvolveu um projeto que auxiliasse os professores a tratar essa questão mais seriamente, introduzindo a Astronomia como auxílio nessa empreitada. Ao fim, pode-se perceber que o professor, utilizando esse recurso, pôde enriquecer suas aulas e ter resultados mais satisfatórios no ensino de Física. Observou-se também que pouco é falado sobre esse tema nas escolas públicas de nosso país, o que deveria ser mudado, já que a Astrobiologia pode ser utilizada para estimular a aprendizagem de alunos de qualquer idade de maneira interdisciplinar.

Ao perceber a importância de uma educação diferenciada para os alunos da EJA, este trabalho visou Introduzir o ensino de Astrobiologia em turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido em escola pública da cidade de Nova Friburgo/RJ. O colégio oferece Ensino Fundamental, Ensino Médio Inovador e NEJA (Educação de Jovens e Adultos) e conta com mais de 700 alunos, divididos nos turnos da manhã, tarde e noite.

Inicialmente realizamos pesquisa bibliográfica sobre o tema Astrobiologia e trabalhos ligados à sua introdução no Ensino Médio. Os alunos participantes são da turma de EJA do Ensino Médio; têm idade entre 18 e 48 anos, com média de 22,3 anos, de ambos os sexos, num total de 12 estudantes. Os alunos assistiram a uma apresentação de slides elaborada pela aluna do 10° período do curso de licenciatura em Biologia do Cederj, que trouxe o tema de forma simples e dialógica, explorando o conhecimento prévio dos alunos.

Após a realização da oficina, a fim de sondar o conhecimento e a visão das turmas sobre o tema, elaboramos e aplicamos um questionário composto de seis questões de múltipla escolha.

Questionário

1) Você já conhecia o tema Astrobiologia?
(  ) Sim
(  ) Não 
(  ) Não desta maneira ou com esse nome

2) Como você imagina um ser que vive em outro planeta?
(  ) Com características humanoides
(  ) Completamente diferente de nós
(   ) Uma bactéria

3) Alguns filmes abordam a temática “vida em outros planetas”; você acha que corresponde à realidade?
(  ) Sim
(  ) Não
(  ) Às vezes

4) A temática “vida em outros planetas” já foi abordada pelo professor de Biologia em alguma das séries que você cursou?
(  ) Sim
(  ) Não

5) O que você acha do tema?
(  ) Gosto
(  ) Não gosto
(  ) Acho interessante, mas não acredito que exista vida em outros planetas

6) Você sabe o que é zona habitável?
(  ) Sim
(  ) Não
Se sim, o que é? __________________________________

Resultados e discussão

Os resultados encontrados foram bastante satisfatórios. Os alunos assistiram à oficina de maneira participativa, fomentando a discussão do tema abordado. Por meio do questionário, obtiveram-se alguns resultados relevantes.

Figura 1: Resultados da Questão 1

Foi visto que a maioria dos alunos não sabia da existência do termo Astrobiologia, apenas um deles sabia e dois já haviam ouvido falar, mas não tinham certeza do que se tratava. Isso remete à importância da incorporação desse tema nas escolas, como relatado por Portella e Bernardes (2017).

Vemos também em trabalhos realizados por Lima e Santos (2016) e Gross (1998) que a Astrobiologia é uma ciência relativamente nova, o que a torna algo novo para a maioria dos estudantes, sendo assim instrumento inovador para ser utilizado por professores.

Figura 2: Resultados da Questão 2

Nota-se, por meio dessa pergunta, que, apesar de pouco ainda ser falado dentro de salas de aula sobre Astronomia/Astrobiologia, como relatado por  Langhi e Nardi (2009), os alunos possuem uma ideia de como seria essa vida fora do nosso planeta, e a maioria deles acredita que seria diferente das características humanas ou até mesmo similar a uma bactéria; cinco deles consideram que seria diferente de nós, cinco acham que seria similar a uma bactéria; apenas dois alunos assinalaram a opção de características humanoides.

Pelos estudos sobre organismos extremófilos, foram constatados microrganismos em diversos hábitats inóspitos de nosso planeta; logo, a presença desses mesmos organismos em outros planetas é uma possibilidade (Rampelotto, 2010). Identificou-se que os alunos têm uma noção prévia desses conceitos, que provavelmente foi adquirida de maneira informal, ao longo de suas vidas; isso pode ser utilizado de maneira contextualizada pelo professor.

Figura 3: Resultados da Questão 3

Com base nesses resultados, podemos sustentar o que foi relatado. A maioria dos filmes que retratam a vida fora da Terra cria seres extraterrestres com características humanoides; alguns raros relatam como bactérias e seres microscópicos. Apesar de a ficção científica estar presente na vida desses estudantes, a maioria deles não acredita em seres humanoides, com inteligência similar à humana.

Gross (1998) em seu trabalho discorre sobre a importância dos extremófilos, pois seu estudo gera conhecimentos aprofundados dos organismos e as interações dos mesmos com o meio ambiente.

Figura 4: Resultados da Questão 4

Em concordância com o trabalho de Langhi e Nardi (2009), vemos como a Astrobiologia e a Astronomia pouco são faladas dentro de sala de aula: poucos são os professores que discutem o tema. Logicamente, esses docentes enfrentam todos os dias diversos problemas na educação: têm que se deparar com escolas mal estruturadas e falta de tempo, o que dificulta a incorporação de novos temas; porém é sempre bom relatar que a Astronomia tem caráter interdisciplinar, assim como relatado por  Neitzel (2006) e Lima e Santos (2016) em seus trabalhos, o que ajuda a sintetizar bastante o conteúdo de Física, Química e Biologia.

Figura 5: Resultados da Questão 5

A Astrobiologia é um tema sempre bem recebido pelos alunos, assim como foi visto no trabalho realizado por Portella e Bernardes (2017). Nenhum dos alunos respondeu que não gostava do tema; todos gostam ou acham interessante. Alguns marcaram a última opção, “Interessante, mas não acredito em vida fora da Terra”, o que seria uma resposta aceitável, já que nada ainda foi encontrado.

Figura 6: Resultados da Questão 6

Foi feita uma pergunta direta sobre Astronomia/Astrobiologia; 8 dos 12 alunos participantes não sabiam o que era zona habitável. Esse conceito foi explicado rapidamente na oficina, em uma aula de 50 minutos, quando outros conceitos também foram trabalhados. Quatro alunos responderam de maneira correta durante o questionário; portanto, o resultado, para uma única vez em contato com o tema, foi bastante razoável. Para obter resultados ainda maiores, recomenda-se voltar a esses conceitos e trabalhá-los de forma mais intensa e com mais tempo.

Por fim, acreditamos que a oficina foi bastante proveitosa; os alunos gostaram, foi introduzido um tema nunca visto pela maioria deles, o que colabora para a alfabetização científica dos discentes.

Considerações finais

Introduzimos a Astrobiologia em turmas de Educação de Jovens e Adultos; os resultados foram satisfatórios, o que torna esse tema um aliado do professor, um importante instrumento para ser utilizado em aulas. Os alunos da EJA são diferenciados, já que muitas vezes trabalham o dia todo e chegam à escola cansados. Este trabalho contou com a participação de estudantes que são cabeleireiros, costureiras, marceneiros, mecânicos – profissões em que o desgaste é grande, pois são horas de trabalho árduo e exaustivo. Logo, o professor, ao receber esse aluno, deve ser capaz de propor atividades diferenciadas – e a oficina de Astrobiologia pode ajudá-lo nessa tarefa.

Por ser interdisciplinar, faz com que o aluno tenha uma visão mais ampla dos conceitos físicos, biológicos e químicos, o que ajuda a ter um aprendizado mais significativo.

Referências

BERNARDES, A. O. Observação do céu aliada à utilização do software Stellarium no Ensino de Astronomia em turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, 2010.

______; REIS, J. C. O. Astronomia no currículo mínimo do Estado do Rio de Janeiro. Educação Pública, 2016. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/revista/artigos/astronomia-no-curriculo-minimo-do-estado-do-rio-de-janeiro. Acesso em: 16 mar. 2017.

CANIATO, R. Astronomia e Educação. Universo Digital, 1996. Disponível em: http://www.liada.net/universo/articulos/Caniato/Astronomia%20e%20Educacao.pdf. Acesso em: 16 mar. 2017.

DIAS, M. B. Astronomia na Educação de Jovens e Adultos: uma proposta. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010.

GROSS, M. Life on the edge: amazing criatures thriving in extreme environments. New York: Plenum Press, 1998.

IACHEL, G.; BACHA, M. G.; PAULA, M. P.; SCALVI, R. M. F. A montagem e a utilização de lunetas de baixo custo como experiência motivadora ao ensino de Astronomia. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 31, nº 4, 2009.

LANGHI, R.; NARDI, R. Educação em Astronomia no Brasil: educação formal, informal, não formal e divulgação científica. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 31, nº 4, p. 4.402, 2009. Disponível em: http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/314402.pdf. Acesso em: 02 out. 2018.

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Publicado em 03 de dezembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

PORTELLA, Angela Ferreira; BERNARDES, Adriana Oliveira. Introduzindo Astrobiologia em turmas de Educação de Jovens e Adultos. Revista Educação Pública, v. 19, nº 32, 3 de dezembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/31/introduzindo-astrobiologia-em-turmas-de-educacao-de-jovens-e-adultos

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