Educação, formação de professores e democracia: primeiras aproximações com Anísio Teixeira

Patrícia Vieira Bonfim

Doutoranda em Educação (UFF), pedagoga (IFSEMG – campus Muriaé)

Geovani Falconi Glória

Mestre em Administração (UFF)

Fabrício Vieira Bonfim

Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho (Unileste), engenheiro eletricista (UFMG)

Educação e democracia são temas muito difundidos nos espaços acadêmicos. Não raras vezes, deparamo-nos com conversas informais, trabalhos de conclusão de curso (TCC), artigos científicos e outras produções em que os focos são “escola democrática”, “educação democrática” e “gestão democrática”. No entanto, frequentemente tais expressões carregam mais o sentido de jargão do que o de um conceito demarcado política e historicamente.

Sem dúvida, abordar a relação entre educação e democracia em diálogo com intelectuais da Educação não é tarefa fácil. Exige contextualização, reflexão e pesquisa. Exige, sobretudo, retomar os fundamentos epistemológicos nos quais se basearam os autores e, a partir das reflexões que emergirem, pensar o contexto contemporâneo da educação pública brasileira.

Ciente da complexa tarefa a que nos propomos, apressamo-nos a anunciar que este texto é fruto dos primeiros contatos com as leituras de e sobre Anísio Teixeira, um intelectual que acreditou na educação pública, universal, gratuita e de qualidade como mola propulsora para o progresso e a democracia no Brasil do século XX.

Anísio Teixeira nasceu em 1900 em Caetité, uma cidade do interior baiano. Sua família possuía prestígio social tanto pelo fato de ser grande proprietária de terras quanto por estar envolvida com a política. Anísio teve a oportunidade de estudar em renomados colégios vinculados à ordem jesuítica, o que lhe possibilitou contato com professores “que combinavam a vocação sacerdotal com a vocação acadêmica, sendo pesquisadores em seus campos de conhecimento e autores de artigos em revistas internacionais” (Nunes, 2010, p. 12-13).

Após essa breve contextualização, destacamos que o texto se organiza a partir da seguinte proposta: na primeira parte, antes de adentrar propriamente o pensamento de Anísio, optamos por recorrer, ainda que de forma sucinta, às ideias de John Dewey, já que este foi um dos mestres que mais o influenciaram em suas concepções de Educação. Na segunda parte, buscamos demonstrar como a relação entre educação e democracia está presente em Anísio. Para isso, enfatizamos o porquê da urgência de alfabetizar o povo brasileiro entre as décadas de 1920 e 1930. Na terceira parte do texto, ressaltamos o quanto a formação de professores foi um desafio para Anísio e ainda o é em nossos dias.

Nas considerações, provisórias, inacabadas, deixamos alguns fios soltos, de modo que o leitor encontre outras possibilidades de tessituras e de arremates a partir e com as instigantes obras que Anísio Teixeira nos deixou.

O encontro de Anísio com John Dewey e o pragmatismo

John Dewey (1859-1952) nasceu em Burlington, Estado de Vermeton, nos Estados Unidos. Foi um filósofo e pedagogo muito influente na primeira metade do século XX. Embora tenha começado sua carreira interessando-se pelos escritos neo-hegelianos, o autor que mais o influenciou, provocando-lhe uma mudança de direção no campo epistemológico rumo à articulação entre pragmatismo e educação, foi William James (1842-1910).

O termo pragmatismo origina-se do grego prágma, que significa coisa, fato, matéria. Portanto, o pragmatismo, como sistema filosófico, minimiza a distinção entre pensamento e prática. Dito de outro modo: salienta que as ideias, as ações ou os pensamentos só possuem valor se tiverem aplicabilidade (Gadotti, 1999). Na concepção pragmática, o foco da educação é preparar o indivíduo para o mundo.

Partindo dessa matriz filosófica, Dewey interessou-se pela Educação e elencou como propósito “transformar as escolas do país em instrumentos da democratização radical da sociedade estadunidense” (Westbrook; Teixeira, 2010, p. 22).

Quando o pragmatismo de Dewey chegou ao Brasil, ainda na década de 1930, sua proposta foi alvo de várias críticas. Uma delas, apontada por Barbosa (2015), é o fato de que sua teoria inspirou o escolanovismo, movimento muito combatido à época, inclusive por instituições de ensino superior renomadas. Para contextualizar historicamente, o movimento escolanovista brasileiro, segundo Saviani (2013), foi instituído com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, escrito pelo sociólogo Fernando de Azevedo (O Manifesto, 1984).

Em linhas gerais, o Manifesto apontava para uma visão de escola redentora, que fosse capaz de equalizar os problemas sociais via educação. Não menos importante a destacar é que o escolanovismo esteve permeado por concepções filosóficas, sociológicas e psicológicas de intelectuais como Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Manuel Bergstron Lourenço Filho (1897-1970).

Além disso, Dewey foi visto

por muito tempo como defensor de uma educação elitista, pelos que se consideravam renovadores; e, pela direita, como um esquerdista americano que era preciso rasurar. Havia ainda os que se julgavam de esquerda e nacionalistas por recusarem qualquer influência americana e procuravam, para demonstrar seu esquerdismo, se associar ao pensamento e à pedagogia europeia, desprezando tudo que vinha dos Estados Unidos (Barbosa, 2015, p. 17).

Um dos discípulos de Dewey que, além de ser o primeiro tradutor de suas obras no Brasil, deu início também à propagação de suas ideias foi o intelectual Anísio Teixeira. Este, assim como aquele, não foi poupado das críticas dos nacionalistas, dos esquerdistas, dos da direita e até daqueles que se identificavam como renovadores. Mas o leitor pode estar se perguntando: como e por que Anísio se interessou por Dewey?

Anísio se aproximou das ideias de Dewey quando foi seu orientando na pós-graduação e, anteriormente, quando teve acesso às obras dele em viagens que realizou para os Estados Unidos. O contato de Anísio Teixeira com a literatura deweyana foi decorrente de suas viagens aos Estados Unidos na década de 1920 e dos estudos que realizou com Dewey durante seu mestrado na Universidade de Columbia (Saviani, 2013). A primeira dessas viagens foi comissionada por lei, em 1927, com o objetivo de que Anísio estudasse a organização escolar daquele país, já que havia, em 1924, começado a ocupar o cargo de inspetor geral de Ensino da Secretaria do Interior de Salvador.

O convite para assumir o cargo foi parcialmente resultante do acordo político entre seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, e o então candidato eleito a governador, Francisco Góes Calmon. Sublinhamos o parcialmente resultante de um acordo, porque o desejo de Deocleciano era que Anísio ocupasse a posição de promotor de Caitité, tendo em vista que sua formação era em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Porém isso acabou não ocorrendo e Anísio foi convidado a construir seu percurso na Educação, campo profissional para o qual, naquele momento, não se sentia preparado.

Como bom intelectual que era, tendo em vista essa mudança de rumo em seu percurso, percebeu a necessidade de recorrer aos estudos e às pessoas que de algum modo poderiam ampliar seus horizontes. Logo após sua primeira viagem à América e seu encontro com o pensamento deweyano, Anísio escreveu a seu pai que os estudos haviam o encorajado a manter-se firme no foco educativo.

Nenhum trabalho poderia me apaixonar, que fosse mais vasto ou mais necessário do que este. E, sobretudo, irredutivelmente idealista como me parece que sou, nenhum outro me será tão querido ao coração e à inteligência (Teixeira, 1927, p. 1).

Ao que tudo indica, essa viagem abriu os olhos de Anísio para a educação. Além da forte convicção para aquilo a que iria se dedicar, Anísio destacou uma renovação do seu ânimo, pois, desde que havia assumido o cargo de inspetor, visitou escolas públicas na Bahia que, além de raras e concentradas apenas na capital naquele período, encontravam-se em péssimas condições de funcionamento. Quanto à estrutura, muitas das salas onde ocorriam as aulas eram alugadas pelos professores e as escolas funcionavam em casas antigas, com mobiliários improvisados e trazidos pelos próprios estudantes. A formação dos professores era muito frágil. Alguns deles, só pelo fato de saberem ler, estavam aptos a ensinar.

Todo esse cenário visto por Anísio se opunha “à cultura, à organização, à competência docente dos colégios nos quais estudara; deparou-se – na capital do estado natal – com a pobreza de recursos materiais e humanos” (Nunes, 2010, p. 16).

Por esses e outros motivos, essa viagem de Anísio e o contato com o pragmatismo demarcaram sua trajetória, provocando-lhe uma convicção de que estava no caminho certo, de que era na educação que valeria a pena apostar. Em linhas gerais, foi por meio do pragmatismo que obteve “um guia teórico que combateu a improvisação e o autodidatismo, permitiu-lhe operacionalizar uma política e criar a pesquisa educacional no país” (Nunes, 2010, p. 19).

Educação e democracia em Anísio

A aposta de Anísio não era em qualquer educação. Ele justificou essa posição com o seguinte argumento: “não é qualquer educação que produz democracia, mas, sòmente, insisto, aquela que fôr intencionalmente e lùcidamente planejada para produzir êsse regime político e social” (Teixeira, 1956, p. 3, com a ortografia da época). Em outras palavras: somente uma educação pública, universal e gratuita pode possibilitar a toda a população, especialmente às camadas populares, ter acesso à escola. Certamente foi esse um dos motivos que levou Anísio a adotar Dewey

como sua plataforma de lançamento para o mundo, como viga mestra para compreender o que se passava na sociedade norte-americana. Escolhera um crítico contundente dos impasses da democracia dessa sociedade, um colaborador direto de instituições instaladas no meio da população pobre e imigrante com objetivos filantrópicos e educativos, um pensador que denunciava, nos Estados Unidos, que a ameaça da democracia não estava fora do país, mas dentro dele: nas atitudes pessoais e nas instituições (Nunes, 2010, p. 19).

Sem dúvida, esse parâmetro de atuação de Dewey contribuiu para as reflexões de Anísio em torno da relação entre educação, formação de professores e democracia no contexto brasileiro. Vale ressaltar que, entre as décadas de 1920 e 1930, mais de 60% da população do nosso país ainda sofriam com o analfabetismo (Teixeira, 1977). A população de analfabetos, somada à de semianalfabetos, possuía poucas condições de efetiva participação na vida cidadã e no mundo do trabalho, que, do ponto de vista da sociedade industrial, se sofisticava.

Com o processo de industrialização iniciado na Europa, o Brasil, que ainda era um país predominantemente rural, passou a sofrer influências dessa transformação econômica. Tarsila do Amaral, desenhista e pintora paulista, expressou esse cenário no quadro Operário, de 1933.



Figura 1: Operário, de Tarsila do Amaral (1933)
Fonte: http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/. Acesso em 05 jun. 2019.

Nessa obra, a artista retrata a temática social, que pode ser verificada em cada detalhe, como na representação dos diferentes perfis étnico-raciais, na expressão facial entristecida dos trabalhadores e, no plano de fundo, na crescente expansão e poluição das indústrias.

Com esse acelerado processo, era necessário que, minimamente, mais pessoas aprendessem a ler, a escrever e a contar para lidar com a maquinaria. É, pois, nesse cenário, que Anísio planejou e projetou a educação. Para ele, seria imprescindível que o Estado investisse não apenas na quantidade, mas, sobretudo, na qualidade da escola pública, a fim de atender à crescente demanda populacional brasileira.

Anísio destacou a necessidade de investir em uma educação para todos, de modo que cada indivíduo pudesse ter acesso a uma formação que o auxiliasse a pensar criticamente a condição de sua existência. Não defendia uma educação fragmentada, ou seja, uma educação para atender às camadas populares e outra para formar a elite dirigente. De acordo com Teixeira (1977, p. 179),

a igualdade de oportunidades manifesta-se pelo direito à educação e pela continuidade do sistema de educação, organizado de forma que todos, em igualdade de condições, possam dele participar e nele continuar até os níveis mais altos.

Conforme Anísio, a população menos favorecida economicamente deveria ter a mesma oportunidade de acesso ao Ensino Superior. Além do mais, ressaltava que o trabalho manual é tão importante quanto o intelectual para o progresso do país. Abordou esse aspecto destacando que a educação que integra corpo e mente é fator preponderante para a democratização e, consequentemente, para a emancipação humana.

Partindo do princípio de que não é viável dissociar trabalho manual e trabalho intelectual, deu ênfase à necessidade de investir na reestruturação das escolas. Segundo ele, a educação que convinha tinha que ser “uma determinada educação, dada em condições capazes de torná-la um êxito e a serviço das necessidades individuais dos alunos em face das oportunidades do trabalho na sociedade” (Teixeira, 1954, p. 18).

Tendo em vista sua matriz liberal, originada nas raízes do pragmatismo nos Estados Unidos, Anísio pensava a sociedade a partir do indivíduo. Isso lhe rendeu duras críticas. Uma delas diz respeito à transformação social via educação. Porém, essa e outras não desqualificam sua trajetória de lutas, embates e dedicação.

Vários pontos poderiam ser sublinhados no tocante à relação que Anísio fez entre educação e democracia. No entanto, o que mais nos saltou aos olhos foi a sua dedicação com um tema que ainda é tão problematizado no contexto atual: a formação de professores.

Ele deu grande ênfase a esse aspecto porque “entendia que, para melhorar a educação nacional, era preciso começar pela formação dos profissionais que atuariam em todos os níveis de ensino” (Bertolleti; Coelho, 2013, p. 2).

Essa ênfase também foi dada no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, um documento de 1932 escrito por Fernando de Azevedo e que teve Anísio Teixeira como um dos seus signatários.

A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhe em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão reciproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideaes (1984, p. 422. Esse documento foi divulgado em sua íntegra em 1984 na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Tendo em vista que é original, conservou-se a ortografia em uso).

Com base na leitura cuidadosa do material, pudemos perceber que uma das intenções desse movimento renovador era ressaltar que todos os professores, desde aqueles que atuavam com a criança aos que exerciam a docência com os adultos, deveriam ter unidade de formação, o que implicaria uma formação realizada na universidade. Isso, para a época, foi uma projeção ousada; para os dias atuais, uma proposta urgente e, ao mesmo tempo, um desafio.

Os desafios da formação de professores

Das leituras de e sobre Anísio Teixeira, algumas questões emergiram para pensar os primeiros anos da Educação Básica pública no contexto atual do nosso país. Antes de adentrá-las, o que muito nos marcou nesse intelectual foi o precário cenário encontrado nas escolas da Bahia no período em que assumiu o cargo de inspetor geral de Ensino (Nunes, 2010). Guardadas as devidas proporções, esse cenário de pouco investimento na escola pública persiste e compromete a qualidade da educação contemporânea.

Outro aspecto desafiante identificado por Anísio em suas obras é a formação de professores. Para minimizar o problema, buscou criar, em 1935, no Rio de Janeiro, a Universidade do Distrito Federal. Um dos objetivos dela era formar professores primários em nível superior.

Devido às perseguições do governo Vargas, deixou a instrução pública carioca por motivos políticos ainda em 1935; em janeiro de 1939, a Universidade do Distrito Federal foi extinta (Saviani, 2008).

Problematizando a formação de professores no século passado, podemos perguntar: e atualmente, qual o panorama da formação de professores da Educação Básica em nosso país? Para responder à questão, recorremos ao livro Professores do Brasil: impasses e desafios, coordenado por Bernadete Angelina Gatti e com coautoria de Elba Siqueira de Sá Barreto (2009). Esse livro é fruto do convite da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) às pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas.

Iremos nos ater, mais especificamente, a alguns dados da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista que é nesses primeiros anos da Educação Básica que atuam os docentes com formação em Pedagogia.

Verifica-se que os professores de Educação Infantil e, em seguida, os de Ensino Fundamental possuem as menores médias de anos dedicados ao estudo formal – 13 e 14 anos, respectivamente –, se comparadas aos professores do Ensino Médio (em que a média é de 16 anos).

Outro dado constatado por Gatti e Barreto (2009) se refere à formação continuada. Segundo as pesquisadoras, a maioria das escolas de Educação Básica não tem destinado espaços e tempos para a formação dos professores dentro da carga horária de trabalho, perpetuando-se, assim, a fragmentação entre tempo de trabalho e tempo de estudo.

Além de as pesquisas demonstrarem a separação entre formação e trabalho, elas sinalizam como as condições desses docentes, comparadas às de outras profissões, contribuem para o sentimento de menos-valia dos trabalhadores e trabalhadoras na sociedade. Isso pode ser constatado, dentre vários aspectos, nos baixos salários e na ausência ou desestruturação dos planos de carreira (Gatti; Barreto, 2009).

Com base no mapeamento realizado pelas pesquisadoras, o cenário de formação de professores da Educação Básica no Brasil ainda é pouco promissor e carece de investimento das políticas públicas. Assim como Anísio Teixeira concluiu no século passado, outras pesquisas (Gatti; Barreto, 2011; Gatti; Barreto; André; Almeida 2019) reafirmam: não é possível manter o discurso de educação de qualidade para todos sem ampliar as verbas públicas.

Podemos inferir que temos muito a avançar no que se refere à proposta do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em especial, no que foi sinalizado em relação à formação de todos os professores em nível superior.

Para se ter uma ideia da proporção do desafio, a Lei nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996) possibilita, em seu Art. 62, a atuação de professores nos primeiros anos da Educação Básica, que compreende a Educação Infantil e os cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, com formação mínima em nível médio, na modalidade normal.

Se, por um lado, temos uma educação pública superior com cursos de graduação e pós-graduação de inegável excelência e com seleção criteriosa de docentes para atuação nas universidades e nas demais instituições federais de ensino superior; por outro lado ainda temos, nos primeiros anos da Educação Básica, um número considerável de professores sem formação superior. A atual realidade ainda diverge, em muito, da educação pública, gratuita e de qualidade defendida por Anísio.

Considerações provisórias

O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: “essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada”.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem (Barros, 2013, p. 14).

As lembranças de infância do poeta cuiabano Manoel de Barros nos leva a pensar que, em alguns casos, as palavras podem mais empobrecer a imagem do que explicar a realidade. Destacamos na introdução que, ao final, deixaríamos os fios soltos, escrita aberta, inacabada, justamente porque a imagem de Anísio Teixeira é muito rica para ser compactada nos fragmentos educação – formação de professores – democracia.

Por outro lado, não poderíamos finalizar este texto sem retomar pautas que consideramos importantes. A primeira delas é que a educação pública, gratuita e de qualidade não foi prioridade no século passado e ainda não é no contexto atual. Se, como afirma Teixeira (1977), a máquina que prepara a democracia no Brasil é a escola pública, a nossa se revela um tanto quanto frágil e ameaçada.

Como podemos verificar, as relações que ocorrem “entre o Estado democrático e a Educação são relações intrínsecas no sentido de que a Educação é condição sine qua non da existência do Estado democrático” (Teixeira, 1977, p. 216).

A segunda pauta é a preocupação de Anísio com a formação dos professores (Teixeira, 1971). Para ele, não é possível avançar em qualidade sem retomar essa discussão. Isso nos leva a pensar que a educação escolar que temos ainda se encontra distante da educação que queremos. Um fator impeditivo são as fragilidades decorrentes da formação inicial de professores da Educação Básica e os desafios no que se refere à educação continuada.

Há necessidade de investir em propostas de formação baseadas em padrões de qualidade pensadas com os professores e não apenas para os professores. Isso, sem dúvida, implica mais recursos para a educação, tendo em vista a urgente necessidade de assegurar uma rede pública de formação de profissionais do magistério da Educação Básica ancorada nas universidades públicas – instituições reconhecidas pelos seus padrões de qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão (Saviani, 2014).

Referências

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BERTOLLETI, Vanessa Alves; COELHO, Marcos Pereira. Anísio Teixeira e o projeto de educação brasileira. In: XI JORNADA DO GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL (HISTEDBR)”. 2013, Cascavel. Anais... Campinas: Faculdade de Educação da Unicamp, 2013. p. 1-15.

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WESTBROOK, Roberto B.; TEIXEIRA, Anísio. John Dewey. Trad. e org. José Eustáquio Romão e Verone Lane Rodrigues. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 2010.

Publicado em 17 de dezembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

BONFIM, Patrícia Vieira; GLÓRIA, Geovani Falconi; BONFIM, Fabrício Vieira. Educação, formação de professores e democracia: primeiras aproximações com Anísio Teixeira. Revista Educação Pública, v. 19, nº 34, 17 de dezembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/34/educacao-formacao-de-professores-e-democracia-primeiras-aproximacoes-com-anisio-teixeira

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