Abordagem do tema sexualidade no ambiente escolar

Márcia Graminho Fonseca Braz e Barros

Discente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UFF)

Jean Carlos Miranda

Docente do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra e do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UFF)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) constituem-se, talvez, na principal ferramenta de orientação para a promoção da educação sexual disponível para educadores brasileiros. Contudo, os PCN trazem o tema Orientação Sexual como transversal, o que é questionado por alguns pesquisadores (comoAmorim e Maia, 2012), que entendem que deveria integrar o currículo escolar.

A escola, ao definir o trabalho com orientação sexual como uma de suas competências, o incluirá no seu projeto educativo. Isso implica uma definição dos princípios que deverão nortear o trabalho de orientação sexual e sua clara explicitação para toda a comunidade escolar envolvida no processo educativo dos alunos. Esses princípios determinarão desde a postura diante das questões relacionadas à sexualidade e suas manifestações na escola até a escolha de conteúdos a serem trabalhados junto aos alunos. A coerência entre os princípios adotados e a prática cotidiana da escola deverá pautar todo o trabalho (Brasil, 1997, p. 299).

Além dessa orientação, os PCN esclarecem que geralmente a educação sexual se inicia de forma privada, no âmbito familiar; portanto, compete à escola problematizar a questão, elaborando questionamentos e ampliando o leque de conhecimentos e de opções para que o próprio educando escolha seu caminho (Soares; Caetano; Soares, 2014). Um dos métodos de abordagem descritos pelos PCN consiste no diálogo sobre a repercussão de notícias a respeito do assunto veiculadas pela mídia, pela família e outras instituições sociais com as quais o educando tem contato. Tal abordagem se revela oportuna, pois possibilita ao educador preencher as lacunas existentes no conhecimento que o educando traz consigo para o ambiente escolar e que por vezes o expõe a situações de conflito por não saber como lidar com as informações obtidas e seus próprios sentimentos (Amorim; Maia, 2012).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem a compreensão da sexualidade como algo inerente à vida e a orientação sexual como uma questão social urgente que deve ser tratada nas escolas de maneira mais frequente, apontando ainda para a importância da execução de trabalhos sistemáticos, visto que este assunto é essencial para a formação da identidade dos indivíduos (Miranda, 2013, p. 32).

Dessa forma, é importante que o ambiente escolar seja capaz de proporcionar o acesso a informações atualizadas do ponto de vista científico, além de instigar o debate sobre os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade, de modo que se desenvolva nos educandos o raciocínio crítico e autônomo, capaz de assumir atitudes coerentes com os valores que ele próprio eleger como seus (Amorim; Maia, 2012). Segundo Miranda (2013), é frequente observarmos divergências entre pais e filhos, educadores e educandos acerca das questões relativas à orientação sexual. Observa-se um aumento expressivo da precocidade da vida sexual, da promiscuidade e do número de casos de infecções sexualmente transmissíveis (IST), decorrentes de uma educação sexual inadequada.

Não raro, os adolescentes se encontram envolvidos em situações fomentadas muitas vezes pela carência/deficiência de conhecimentos sobre os temas relacionados à vivência da sexualidade, como por exemplo gravidez indesejada e ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis (Miranda et al., 2015, p. 2).

Contudo, é importante ressaltar que não compete à escola fornecer um conceito pronto ao educando, mas sim proporcionar subsídios para ele seja capaz de formular a sua própria opinião acerca dos conteúdos apresentados. Nesse mesmo sentido, Moizés e Bueno (2010) defendem o diálogo como principal ferramenta a ser utilizada pela escola no processo de orientação sexual.

O diálogo é a ferramenta básica no processo de educar para a sexualidade. Há crianças e adolescentes que perguntam muito, outras nada interrogam e outras, ainda, precisam de um ambiente encorajador para levantar questões. Todos devem ser considerados, são seres sexuais, portanto devem ter acesso a material informativo sobre a sexualidade e dispor de bibliografia adequada à idade em que se encontram. O diálogo é o exercício natural para o desenvolvimento da relação adulta, para o encontro entre as pessoas. A escola precisa reassumir o trabalho de educação sexual, mas não para repreendê-la, e sim para mudar visões distorcidas ou negadas da sexualidade, sem, contudo, substituir a família, porque a criação não chega à escolas sem ideias, mas já com diversas inscrições acerca do sexo (Moizés; Bueno, 2010, p. 206).

Além do diálogo, Moizés e Bueno (2010) apontam que a participação da família é fundamental no que compete ao processo de educação sexual desenvolvido pela escola, de modo que a sexualidade não se torne objeto de duplicidade de discursos e de atitudes. Outro detalhe que deve ser considerado compreende o desgaste emocional que tal abordagem pode trazer para o professor, tendo em vista que, em muitos casos, ele vivencia e entende a temática em uma perspectiva diferente daquela entendida ou vivenciada pelos educandos e suas famílias, o que pode gerar conflitos e dificuldades em sua abordagem.

Em muitos casos, os professores receberam sua educação sexual em um período em que a sociedade era carregada de tabus e preconceitos sobre as questões que envolvem o assunto, fazendo com que diversos desses professores nem sempre se sintam seguros e disponíveis para tratar de certos temas. Nesse sentido, Santos et al. (2014, p. 1) apontam que “o desconforto em falar sobre as diversas faces da sexualidade parece promover nas escolas um acordo tácito de silêncio, dissimulação e negação a respeito da sexualidade, refletindo no que se refere à saúde sexual”.

O Ministério da Saúde propõe uma metodologia de ação que transcende o mero diálogo, que intitula “Educação entre pares”. Seu mecanismo de ação baseia-se fundamentalmente na troca de experiências entre indivíduos que possuam o mesmo perfil e que compartilhem experiências semelhantes. Nesse processo observa-se que o professor passa a agir como um facilitador, apenas no intuito de orientar na estruturação do pensamento; portanto, é interessante que o facilitador dê o máximo de espaço ao grupo para que este dialogue e encontre possíveis soluções para as questões levantadas em grupo. Essa forma de agir justifica a necessidade de que os grupos sejam formados por pessoas com experiências de vida semelhantes (Brasil, 2011).

Adolescentes e jovens conversam de igual para igual com seus pares sobre diferentes assuntos, incluindo gênero, diversidade sexual, prazer, métodos contraceptivos, HIV, consumo de álcool e outras drogas, entre outros. Eles e elas têm como base a própria comunidade em que vivem. Sendo assim, conhecem a realidade dos outros adolescentes e jovens e organizam atividades mais próximas da cultura local. Isso possibilita, ainda, ampliar as ações envolvendo muitas organizações, setores e, frequentemente, até mesmo órgãos públicos e agências internacionais (Brasil., 2011, p. 26).

Paula e Santos (2012) adotam um novo olhar sobre a importância do papel da família em relação à educação sexual. Nesse contexto, os autores apontam que, embora a escola possa auxiliar no processo educativo da sexualidade, a família também possui papel fundamental e intransferível. Dessa forma, é importante que a família assuma a sua responsabilidade e trabalhe em conjunto com a escola e com as demais organizações sociais no intuito de promover uma educação de qualidade. As orientações dadas pela escola em parceria com a família são de suma importância, sobretudo na adolescência, período em que ocorrem as principais transformações acerca da sexualidade.

O papel da escola é abrir espaço para que a pluralidade de concepções, valores e crenças sobre a sexualidade possa se expressar. O trabalho de orientação sexual compreende a ação da escola como complementar à educação dada pela família. O professor, mesmo sem perceber, transmite valores com relação à sexualidade no seu trabalho cotidiano, inclusive na forma de responder ou não às questões mais simples trazidas pelos alunos. Afirma-se, portanto, a real necessidade de o educador ter acesso à formação específica para tratar de sexualidade com crianças e jovens na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema (Nachard, 2011, p. 5).

Nesse contexto, não cabe à escola decidir pelo educando questão alguma sobre a sua sexualidade, muito menos lhe impor verdades. É sua função atuar de forma a alicerçar a aquisição do conhecimento, de modo que, munido de informações precisas, o educando possa refletir sobre sua sexualidade, escolher como vai exercê-la e com quem vai dividi-la.

Propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e explicitar os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com os valores que ele próprio elegeu como seus (Brasil, 1997, p. 300).

Assim, é fundamental que a escola seja um campo aberto ao diálogo, de modo que seja possível oferecer orientação e acesso a informações precisas sobre a temática, com um discurso adequado a cada faixa etária e que seja capaz de auxiliar no processo de formação e de tomada de decisão do educando conforme descobre a sua sexualidade (Soares; Caetano; Soares, 2014).

Referências

AMORIM, R. M.; MAIA, A. C. B. Sexualidade na adolescência: dúvidas de alunos de uma escola pública. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 7, nº 4, p. 95-106, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade, Cultura e Orientação Sexual. Brasília: Ministério da Educação, 1997.

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Adolescentes e Jovens para educação entre pares: metodologias. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

MIRANDA, J. C. Adolescência e vida sexual: o retrato de uma escola pública da região metropolitana do Rio de Janeiro. Revista de Saúde e Biologia, v. 8, nº 2, p. 31-40, 2013.

MIRANDA, J. C.; SILVA, P. M. T.; MOREIRA, O. F.; SANTOS, B. S. Educação sexual: de onde vem a sua? III EREBIO – Encontro Regional de Ensino de Biologia, p. 1-11, 2015.

MIRANDA, J. C.; GONZAGA, G. R.; OLIVEIRA, B.; BORGES, P. das N.; LUCAS, Y. O. S. Avaliação do jogo didático “em busca da fecundação” como ferramenta para abordagem de temas relativos à reprodução humana. Revista da SBEnBio, nº 9, p. 1.845-1.856, 2016.

MOIZÉS, J. S.; BUENO, S. M. V. Compreensão sobre sexualidade e sexo nas escolas segundo professores do Ensino Fundamental. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 1, nº 44, p. 205-212, 2010.

NACHARD, L. M. Sexualidade na Escola. 2011. Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/sexualidade-escola/. Acesso em 12 dez. 2017.

PAULA, J. A. de; SANTOS, L. M. dos. Sexualidade na escola: a necessidade de superar tabus. 2012. Disponível em: http://www.lambaridoeste.mt.gov.br/secretarias/educacao-e-cultura/artigos-dos-professores/59/view/628. Acesso em: 10 dez. 2017.

SANTOS, N. dos; CAETANO, R. de O.; CHAGAS, N. A.; SILVA, A. C. M.; BONAPAZ, L. da S.; TONEL, L.; SOARES, B. M. Discutindo a sexualidade com alunos do Ensino Médio. IV Seminário Institucional Integrador de Iniciação à Docência PIBID – URI, p. 1-3, 2014.

SOARES, B. M.; CAETANO R. de O.; SOARES, S. de S. A sexualidade no ensino de Ciências. IV Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia, p. 1-11, 2014.

Publicado em 19 de fevereiro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

MIRANDA, Jean Carlos; BARROS, Márcia Graminho Fonseca Braz e. Abordagem do tema sexualidade no ambiente escolar. Revista Educação Pública, v. 19, nº 4, 19 fev. 2019.

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.