Filtrando a responsabilidade ambiental

Maria Cleonice Florencio Pinto

Professora da Escola Municipal Prefeito Hélio Ferreira da Silva, Paracambi/RJ

Laysa Trindade Higino de Lima

Aluna da Escola Municipal Prefeito Hélio Ferreira da Silva, Paracambi/RJ

Weslley da Silva Macêdo

Aluno da Escola Municipal Prefeito Hélio Ferreira da Silva, Paracambi/RJ

A finalidade do filtro de óleo lubrificante é remover os resíduos que podem comprometer o bom desempenho do óleo no motor dos veículos. Para evitar maiores danos, o filtro precisa ser trocado periodicamente em oficinas mecânicas e postos de gasolina.

Entre os diversos componentes do filtro de óleo lubrificante está um papel especial no qual fica retida a sujeira indesejável, ou seja, os resíduos. Ao serem trocados, os filtros acabam sendo descartados inadequadamente. A Resolução nº 362/05 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) trata do descarte desses produtos. No Rio de Janeiro, o Projeto de Lei n° 5.541/09, Art. 1º, §3º, proíbe o descarte de óleo lubrificante usado no mar e em sistema de esgotos, a fim de evitar a contaminação de solos, águas superficiais e subterrâneas. Entretanto, a maioria dos estabelecimentos que fazem troca do filtro de óleo lubrificante não atende às exigências de proteção ambiental. Com isso, o destino desses resíduos são os chamados lixões.

A proteção ao meio ambiente e o combate à poluição, seja ela qual for, compete às autoridades (União, estados e municípios) e a todos os cidadãos, mas enquanto não há vigor na fiscalização ocorre é a contaminação do solo, das águas subterrâneas, da flora e da fauna e da saúde humana.

A responsabilidade pela proteção ao meio ambiente vai além da questão visual; é a qualidade de vida da população. Para reduzir a desigualdade de saúde entre regiões urbanas centrais e de periferia, é preciso identificar e combater as principais causas de doenças.

Os lixões não estão nas grandes cidades; estão em regiões carentes, onde é percebida desigualdade social, econômica, política e de conhecimento. É nesses lixões que a maioria dos filtros de óleo é descartada, juntamente com o lixo comum. A diferença está nos contaminantes que esse resíduo contém: chumbo, cádmio, arsênio, cromo hexavalente, dioxinas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs).

A maioria desses elementos causa dores abdominais, danos ao sistema nervoso, vários tipos de câncer (de rins, sistema linfático, pulmões, fígado, pele, sistema respiratório), distúrbios cardíacos, dermatites e outros sintomas de doenças que têm aumentado na população.

A descontaminação de solos e ambientes aquáticos atingidos por metais pesados tem sido alvo de pesquisas, mas ainda caminha de forma tímida, principalmente em regiões como Paracambi, onde ainda não existe tratamento para o filtro de óleo lubrificante.

A proposta deste projeto foi verificar o efeito do resíduo do óleo lubrificante após seu uso. Para isso, algumas espécies vegetais foram selecionadas com base em um canteiro residencial para averiguar se alguma delas tem potencial de resistência aos produtos presentes no óleo.

Após identificar a espécie tolerante, o passo seguinte foi fazer o teste de fitorremediação – uma técnica que utiliza plantas, parte da planta ou substância produzida para mitigar impactos causados por substâncias contaminantes no meio ambiente. Propõe a construção de uma estação de fitorremediação que atenda às legislações ambientais para não causar danos ao solo e águas superficiais e subterrâneas nem às lavouras; podem ser realizados treinamento e capacitação para moradores da região e formar uma cooperativa que atenda desde o momento da coleta até as demais fases de desenvolvimento do projeto.

O resíduo, após o processo, pode ser utilizado como matéria prima em biodigestor, que servirá para fornecer energia elétrica a esse centro de responsabilidade e proteção ambiental. Além do princípio da responsabilidade compartilhada, a forma como se darão as etapas do projeto apresenta-se totalmente sustentável e atende às propostas elaboradas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que determinou, em conjunto com diversos países, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte de uma agenda que busca envolver todas as pessoas para um desenvolvimento justo e igualitário.

Neste projeto, o ODS 10 está sendo contemplado e consiste na redução das desigualdades geradas por diversos fatores com o incentivo ao trabalho e ao crescimento econômico inclusivo e sustentável, incentivando fabricantes, comerciantes, clientes e moradores das regiões onde estão instaladas oficinas e postos de gasolina que podem contribuir com a redução desse tipo de poluição ambiental.

Objetivo

Proporcionar aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental um estudo comparativo no desenvolvimento entre plantas em solo adubado e plantas em solo com algum nível de contaminação pela presença de filtro de óleo lubrificante no solo, simulando um ambiente poluído como o lixão.

Este trabalho foi aceito e apresentado na Feira Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Femucti) em Paracambi e na Feira de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro (Fecti).

Materiais e métodos

  • Terra adubada (balde de 20 litros);
  • Pá;
  • Luvas descartáveis;
  • 8 garrafas PET cortadas (copos/vasos);
  • 4 tipos de plantas: rúcula, alface, salsa, rúcula e girassol (duas mudas de cada: Diplotaxis tenuifolia; Lactuca sativa; Petroselinum crispum; Helianthus annus)
  • 4 filtros de óleo lubrificante usados;
  • 6 béqueres graduados de vidro;
  • Conta-gotas;
  • 6 placas de Petri contendo meio de cultura Ágar Milk;
  • Óculos de proteção;
  • Fita adesiva.

Os alunos realizaram entrevistas para obter uma amostragem do tipo de descarte para o filtro de óleo lubrificante em nove oficinas mecânicas em diferentes bairros da cidade. As perguntas foram: quantos filtros de óleo lubrificante são trocados semanalmente? Qual o destino para a embalagem e o óleo retirado?

As mudas (Figura 1) foram divididas para que cada espécie pudesse ser comparada em solo adubado sem filtro de óleo lubrificante e outro pote com pedaços do filtro. Os filtros foram cortados (Figuras 2, 3 e 4) para que os resíduos tivessem um contato mais acelerado com o meio. Todos os vasos foram colocados no jardim da casa de um dos alunos (Figuras 5 e 6) a fim de que fossem regados igual e periodicamente e acompanhados por fotos quanto às possíveis mudanças sofridas. Os dados coletados foram anotados por uma aluna integrante do grupo no diário de bordo (Figura 7).

Figura 1: Mudas de plantas sendo preparadas

Figuras 2, 3 e 4: Filtro de óleo lubrificante (novo e usado); destaque para as partes constituintes

Figuras 5 e 6: Aluno na preparação do experimento

Figura 7: Aluna anotando informações e resultados no diário de bordo

As respostas às entrevistas obtidas nas oficinas mecânicas (Quadro 1) serviram para supor a quantidade de resíduo contido ainda nos filtros descartados que entram em contato direto com o solo, causando contaminação à fauna edáfica, atingindo lençol freático e organismos aquáticos e, inevitavelmente alcançando a cadeia alimentar e o ser humano.

Durante o desenvolvimento, ocorreu um incidente com dois tipos de plantas: duas mudas (Figuras 8 e 9) que se mantiveram desde o início do experimento apresentaram alguns resultados (Quadro 2) que comprovaram a toxidez no solo causada pela presença dos metais pesados que fazem parte da composição do óleo lubrificante queimado.

Figuras 8 e 9: Aspecto das mudas (salsa e rúcula, respectivamente) após três semanas submetidas ao experimento

Quadro 1: Dados fornecidos por nove oficinas mecânicas do descarte do filtro de óleo lubrificante

Bairros

Número de oficinas

Destino do filtro

Guarajuba

6

Ferro-velho

Lajes

3

Ferro-velho

Quadro 2: Aspecto das mudas após três semanas submetidas ao experimento

Plantas

Aspecto da planta na semana 1

Aspecto da planta na semana 2

Aspecto da planta na semana 3

Aspecto da planta na semana 4

Salsa em terra normal

Saudável

Saudável

Saudável

Saudável

Rúcula em terra normal

Saudável

Saudável

Saudável

Saudável

Salsa em terra contaminada

Saudável

Murcha

Murcha com manchas escuras nas folhas

Não sobreviveu

Rúcula em terra contaminada

Saudável

Murcha

Murcha com manchas escuras nas folhas

Não sobreviveu

Os alunos foram acompanhados pela professora no laboratório de Biologia do polo Cederj em Paracambi, onde utilizam meio de cultura conhecido como ágar Milk ou simplesmente ágar leite, que é um meio de cultura não seletivo.

Utilizando uma colher descartável e água destilada, as amostras foram divididas em seis pequenos béqueres para que, após a sedimentação por cerca de 15 minutos, o material sobrenadante fosse coletado com auxílio de conta-gotas para realizar a semeadura nas placas de Petri. Para evitar a contaminação do ambiente (esporos de fungos e bactérias), o procedimento foi feito cautelosamente, empregando luvas descartáveis e abrindo as placas de forma a não expor o meio de cultura.

Feito isso, as placas foram vedadas com fita adesiva e identificadas com o tipo de amostra e data, sendo guardadas na casa de um dos alunos, onde ficaram mantidas em cima da geladeira, para que o ambiente ficasse com temperatura mais elevada, pois assim o crescimento populacional microbiano seria favorecido.

Resultados e discussão

Sabe-se que os microrganismos presentes no solo e associados às raízes de plantas fazem a decomposição de diversas substâncias. Portanto, dependendo da fonte dessas substâncias, existem diferentes populações microbianas, já que o óleo lubrificante apresenta em sua composição diversas substâncias químicas conhecidas como metais pesados e hidrocarbonetos; acredita-se que os microrganismos presentes teriam crescimento e até características diferentes.

O meio de cultura é um substrato nutritivo capaz de permitir a nutrição e o crescimento dos microrganismos (bactérias, fungos, algas e até parasitas) fora do seu ambiente natural. No nosso caso, o ambiente natural é o solo com as plantas.

Figura 10: Alteração na tonalidade dos meios de cultura contendo amostra do solo para cada cultivo

De acordo com a coloração do meio de cultura, temos de baixo para cima as seguintes culturas: E. sativa contaminada; E. sativa não contaminada; P. crispum contaminada e não contaminada; H. annus contaminado e, na parte superior, H. annus não contaminado.

O meio de cultura contendo amostra do solo cujas plantas foram sensíveis à presença do óleo lubrificante apresentou alteração de cor, indicando proliferação de bactérias, possivelmente Gram negativas aeróbicas facultativas cromogênicas (Figura 10), de acordo com comparações disponíveis na internet e discutidas com o professor do Instituto de Microbiologia da UFRJ, Maulori Curié Cabral. Supõe-se que, devido ao fato de a raiz da H. annus ter a capacidade de ultrapassar a barreira de óleo lubrificante presente no ambiente, os produtos liberados ou exsudados contribuíram na proliferação de micróbios com capacidade decompositora, reduzindo os contaminantes do solo.

A proposta do nosso trabalho não é apenas realizar o experimento, mas pôr em prática a proposta curricular da Escola Municipal Prefeito Hélio Ferreira da Silva, em Paracambi/RJ, que tem como um dos objetivos, preparar os alunos para a sociedade, de acordo com o que esta constrói como expectativa quanto às aprendizagens significativas.

Ao analisar as alterações sofridas nos meios de cultura contendo a mesma composição, abre-se a possibilidade de questionamento quanto aos despejos de substâncias contaminantes que são liberadas no ambiente sem conhecimento da parte dos funcionários das oficinas mecânicas e dos próprios clientes, além de tornar a criticidade uma aliada, pois existe a legislação que obriga as empresas fabricantes dos filtros de óleo lubrificantes a destinar corretamente esses resíduos, atendendo às exigências ambientais.

O ensino de Educação Ambiental nas escolas não pode ficar restrito aos conteúdos teóricos; é preciso colocar em prática as ações e dar ao estudante a oportunidade de agir em prol de melhorias na comunidade em que ele está inserido.

Conclusão

Para reduzir a desigualdade de saúde entre regiões urbanas centrais e de periferia é preciso identificar e combater as principais causas de doenças. Essa é uma responsabilidade que vai desde o fabricante do filtro de óleo lubrificante de veículo ao cliente de uma oficina ou posto de combustível.

Este projeto propõe colocar em prática o princípio da responsabilidade compartilhada e, por ser autossustentável, encontra-se com os pontos determinados na Agenda 2030 proposta pela ONU, que busca envolver todas as pessoas para um desenvolvimento justo e igualitário.

Com a experimentação, os alunos foram capazes de investigar os tipos de plantas resistentes aos metais pesados e puderam associar esse conhecimento às doenças ocorrentes que estão relacionadas diretamente com a alimentação de hortaliças cultivadas em solo, que podem estar recebendo pequenas dosagens de substâncias cancerígenas e, com isto, aumentando o ciclo vicioso dos gastos públicos nos hospitais e postos de saúde, além de medicamentos, enquanto o real problema não for solucionado.

Referências

BRASIL. Lei nº 5541, de 17 de setembro de 2009. Disciplina a comercialização e o descarte de óleos lubrificantes e de filtros de óleo na forma da Resolução Conama nº 362, de 23 de junho de 2005.

BRASIL. Resolução Conama nº 362, de 23 de junho de 2005. Diário Oficial da União, nº 121, de 27 de junho de 2005, Seção 1, páginas 128-130.

LIMA, Anita Maria de. Avaliação do potencial fitorremediador da mamona (Ricinus communis L.) e girassol (Helianthus annuus L.) quanto à remoção de chumbo e tolueno em efluentes sintéticos. 2010.

MOTA, Anne Kelly Vieira. A destinação do óleo lubrificante usado ou contaminado oluc nas oficinas mecânicas em uma pequena cidade localizada no norte do Estado do Tocantins. Facit Business and Technology Journal, v. 1, n. 3, 2017.

Publicado em 19 de fevereiro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

PINTO, Maria Cleonice Florencio; LIMA, Laysa Trindade Higino de; MACÊDO, Weslley da Silva. Filtrando a responsabilidade ambiental. Revista Educação Pública, v. 19, nº 4, 19 fev. 2019.

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