Uma experiência de aprendizagem colaborativa extraclasse mediada pelo uso da tecnologia
Dandara Lorrayne do Nascimento
Graduada em Matemática (IFMG Formiga)
Niltom Vieira Jr.
Doutor em Engenharia Elétrica (IFMG Arcos)
Uma pesquisa realizada por Santos (2017) apontou que o estudo extraclasse influencia diretamente a capacidade de abstração dos alunos, especialmente perante o raciocínio lógico exigido em disciplinas como Matemática. Corroborando essa afirmação, Piazzi (2014) relata que o professor tem o papel de instruir e utilizar as melhores estratégias de forma a facilitar a compreensão, porém os estudos extraclasse são dever do aluno e condição necessária para a efetiva aprendizagem; ali, de fato mudanças cognitivas podem ocorrer. Nesse sentido, o mesmo autor ressalta que no Brasil “temos um sistema escolar com milhões de alunos e quase nenhum estudante” (Piazzi, 2009).
Piazzi (2014) ainda relata, com base nas neurociências, que estudar os conteúdos vistos em sala de aula antes que se passe uma noite de sono favorece a transferência de informações da memória de curto prazo para a memória de longo prazo, propiciando melhor reorganização cognitiva. Assim, torna-se evidente a importância do estudo extraclasse diário para a efetiva aprendizagem.
Para confirmar tal problema, um levantamento com quatro turmas de 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública em Formiga (Minas Gerais) sobre a frequência do estudo extraclasse mostrou que apenas 16,3% dos alunos mantêm esse importante hábito, enquanto os demais estudam somente nas vésperas das avaliações. O mesmo levantamento mostrou ainda que os melhores alunos na disciplina (apontados pelo professor regente considerando fatores como comprometimento, participação, desempenho e evolução) se restringiam ao grupo que apresentava regularidade nos estudos extrassala. Adotou-se essa análise global porque Mandoni (2009) relata que alunos que possuem hábitos de estudar apenas para provas muitas vezes podem até tirar boas notas (fazendo uso da “mecanização”), mas isso não significa que realmente aprenderam o conteúdo.
Outro indícios, também em alguma escala impulsionados por esse problema, advêm dos resultados obtidos na avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa 2015), em que o Brasil apresentou índice de desenvolvimento de habilidades matemáticas abaixo da média global. Dos 70 países que participaram dessa edição do Pisa, o Brasil ocupou a 63ª posição.
Como tentativa de contribuir com esse cenário e promover maior interesse pela Matemática, criou-se na experiência umblog intitulado Matemática Fácil; uma metodologia de estudos em grupo foi realizada para o conteúdo “Funções de 1º grau”.
Figura 1: Blog de Matemática
No blog, foram disponibilizados textos, vídeos, curiosidades e uma ferramenta do tipo wiki, de construção coletiva, que suportou essa experiência metodológica, promovendo um ambiente de aprendizagem colaborativa.
Nesse contexto, Torres, Alcântara e Irala (2004) destacam que
aprendizagem colaborativa é uma estratégia de ensino que encoraja a participação do estudante no processo de aprendizagem e que faz da aprendizagem um processo ativo e efetivo (Torres; Alcântara; Irala, 2004, p. 3).
Para a realização desta proposta, pode-se destacar ainda que o uso de “ambiente virtual se configura como importante espaço de aprendizagem, servindo como suporte para atividades realizadas” (Medeiros et al., 2012, p. 48). Segundo Ponte (1995), além de promover o processo de interação entre os alunos, o uso de tecnologias para fins educacionais promove um ambiente propício à realização de atividades criativas. Propôs-se então, uma inovação metodológica associando a aprendizagem colaborativa à motivação intrínseca proporcionada pelos recursos tecnológicos.
Desenvolvimento
A pesquisa e a coleta de dados contaram com a participação de 123 alunos de quatro turmas do 1° ano do Ensino Médio. A primeira análise, de caráter quantitativo, visou quantificar os dados para o problema de pesquisa (em que foram identificados o baixo percentual de regularidade perante o estudo extraclasse e a alta correlação entre esse fato e o baixo rendimento na disciplina).
No segundo momento, foi explicada a proposta da atividade colaborativa aos alunos, criando de imediato um ambiente motivador. Com o auxílio de um datashow, o blog e suas finalidades foram expostas aos alunos. Nesse momento, todos puderam observar o funcionamento das ferramentas e solucionar possíveis dúvidas quanto à utilização dos recursos informatizados.
Foram elaboradas 33 questões (contextualizadas) sobre o conteúdo Funções de 1º grau. As atividades foram previamente inseridas no blog e, em sala, foi sorteada a questão que cada aluno ficaria encarregado de solucionar. Além disso, sortearam-se também outras duas questões em que cada aluno (na condição de tutores) ficaria responsável por auxiliar os colegas que iriam resolver.
Desse modo, cada estudante ficou encarregado de participar de um círculo de apoio mútuo, em que sua resposta seria avalizada por outros dois colegas e ele também apoiaria a resolução de outros dois colegas. As participações nos círculos foram intercaladas, de modo que cada aluno interagisse com o maior número possível de (diferentes) alunos.
Com relação a esse círculo de estudo mútuo, destaca-se que são potencializadas “as relações de apoio, empatia e coletividade entre os alunos”, visto que “o grupo colaborativo é um espaço educativo e, nesse sentido, possibilita a transformação de sujeitos [...] dentro de condições concretas, considerando-se a realidade social e cultural de seus participantes” (Anjos; Nacarato; Freitas, 2018, p. 212-213).
Diante das ferramentas colaborativas disponíveis no próprio blog, os alunos tiveram a opção de resolver a questão de forma escrita ou anexando suas respostas como arquivo de imagem. Os outros dois alunos, tutores do desafio, deveriam verificar se a resolução estava correta, estabelecer inferências e postar comentários de forma a complementar ou auxiliar o aluno respondente, caso houvesse dificuldade na resolução do problema.
Todos os comentários inseridos no blog foram acompanhados, a fim de verificar a participação e a evolução dos alunos frente à atividade.
Os alunos tiveram quatro dias para concluir os desafios; ao fim do quinto dia, eles realizaram um debate e um relato da experiência adquirida com esse trabalho, articulando as habilidades de argumentação aos saberes matemáticos para que a relevância da atividade pudesse ser avaliada.
Resultados e discussões
Na primeira etapa da atividade foi pedido aos alunos que respondessem às seguintes questões:
- Você possui o hábito de estudar Matemática em casa? Por quê?
- Caso você possua o hábito de estudar Matemática em casa, responda: com qual frequência?
- Você considera que os estudos extraclasse são importantes?
Na Figura 2 pode ser verificada a quantidade de alunos que se consideraram (ou não) estudantes extraclasse.
Figura 2: Alunos que possuem e alunos que não possuem hábitos de estudos
Pela análise da Figura 2, pode-se observar que, dos 123 alunos entrevistados, 65 disseram possuir hábitos de estudos extraclasse, mas, diante da análise global realizada pela professora de Matemática (comprometimento, participação, desempenho e evolução), esse número não estava de acordo com a realidade.
Pelos principais relatos feitos pelos 58 alunos que não possuem hábitos de estudo, muitos relatam que não gostam de Matemática e outros consideram que não conseguem aprender os conteúdos sem a presença de um professor ou de outra pessoa para ensiná-los. Um fato importante analisado nas respostas desses alunos é que, dos 58 alunos, 56 consideram que o hábito de estudo extraclasse é muito importante, mesmo não os praticando.
Para refinar os resultados, confrontaram-se as autodeclarações de “estudantes extraclasse” com a análise global realizada pela professora e com os cronogramas detalhados de estudos, os quais tais alunos foram convidados a compartilhar com os pesquisadores. Observou-se que apenas os alunos indicados na análise global possuíam de fato rotina bem definida de estudos, enquanto os demais estudavam apenas na véspera ou na semana das avaliações. Esse refinamento trouxe um número de apenas 20 alunos, que correspondem a 16,3% da amostra.
Figura 3: Alunos com rotinas de estudo que de fato estudam regularmente em casa
Pela Figura 4 pode-se verificar o relato de um dos alunos que mencionou estudar somente nas vésperas de atividades avaliativas.
Figura 4: Aluno que não possui hábito de estudo frequente
Pela Figura 5, pode ser observado o relato de um dos alunos que destaca a importância de manter hábito de estudo.
Figura 5: Aluno que possui rotina de estudo
Com base nesses resultados, seguiu-se para a segunda parte da atividade, que consistiu em uma proposta de intervenção, com o auxílio do blog, como forma de favorecer a prática de estudos extraclasse, por meio de uma atividade de aprendizagem colaborativa sobre o conteúdo proposto.
Ao analisar a utilização do blog, observou-se que os alunos mostraram-se participativos e entusiasmados diante dos desafios propostos. Na Figura 6, por exemplo, vê-se o comentário feito por um dos alunos na condição de tutor da questão.
Figura 6: Comentário feito por um aluno tutor
Observa-se que o aluno tutor da atividade, além de corrigir alguns pontos da questão, realizou comentários ajudando na compreensão do aluno respondente.
Apresenta-se, na Figura 7, um comentário feito por outro aluno tutor. Nota-se, inclusive, que, motivado pela atividade, o aluno utilizou recursos visuais que mesclaram a resolução matemática com um mapa conceitual que guiava a resolução (via flechas comentadas).
Figura 7: Comentários feitos por dois tutores.
Nessa atividade, se observou que a aprendizagem colaborativa extrapolou o próprio círculo mútuo inicialmente definido, pois os demais colegas também podiam visualizar as publicações e postagens dos outros círculos. Ficou claro também que essa transferência de responsabilidade e promoção da autonomia na turma contribuiu para romper alguns obstáculos vivenciados na sala de aula, como a vergonha que muitos alunos possuíam de questionar e sanar suas dúvidas com o professor.
O ambiente não formal das mídias digitais, muito familiar para a maioria dos jovens, mostrou que o blog permitiu uma participação mais ativa do que de costume perante aquela turma na sala de aula.
Pelos comentários feitos pelos alunos, observou-se que os objetivos de promover um ambiente de apoio mútuo foram alcançados e os alunos conseguiram, juntos e naturalmente, resolver todos os problemas propostos.
Na terceira etapa, ao término da atividade desenvolvida, foi pedido aos alunos que escrevessem e apresentassem um relato sobre a experiência vivenciada. Por esses manifestos, percebeu-se que grande parte considerou a prática eficaz para estimular o estudo. As Figuras 8 e 9 mostram alguns dos relatos dos alunos.
Figura 8: Relato de experiência de um dos alunos
Diversos comentários apontaram no sentido de que a atividade colaborativa ajudou para a interação e a integração entre colegas, o que pode impactar outras situações em que uns colaborem com os outros naturalmente. Na Figura 9, nota-se que os alunos compreenderam o objetivo da proposta desse círculo de apoio mútuo.
Figura 9: Comentário de um dos alunos
Ao término da experiência, pode-se inferir que aproximadamente 90% dos alunos consideraram a atividade relevante para a promoção da aprendizagem e para a motivação dos estudos extraclasse.
Conclusões
São diversas as variáveis do fracasso escolar, como, condições socioeconômicas, familiares, fatores emocionais, relação aluno-aluno, relação professor-aluno e a metodologia escolhida, entre outros, mas diante deste estudo, constatou-se que a falta de estudos extraclasse se constitui como uma dessas variáveis, sendo então de fundamental importância que não só os alunos, mas toda a comunidade escolar, envolvendo pais, direção, professores e outros, considere esse fato.
Vale ressaltar que este estudo foi eficaz para perceber que grande parte dos alunos estuda apenas nas semanas de provas, com a intenção de conseguir boas notas; pequena parte realmente possui uma rotina de estudos visando ao conhecimento.
Com relação à atividade de aprendizagem colaborativa, um dos grandes desafios iniciais foi promover uma atividade que motivasse os alunos, que os envolvesse e os incentivasse a estudar fora da sala de aula. Diante dos resultados obtidos, percebe-se que tal objetivo foi alcançado.
Com a atividade realizada, pôde-se notar o empenho dos alunos em se ajudar para juntos concluir a atividade, como em um “desafio coletivo”. Muitos alunos respondentes demonstraram dificuldade frente às questões propostas, porém os alunos tutores assumiram a tarefa de auxiliar os colegas frente aos empecilhos encontrados, fato que dificilmente aconteceria na sala de aula convencional.
De acordo com os principais relatos, percebeu-se que a interação entre alunos tornou-se maior e a criação do blog promoveu um ambiente de aprendizagem atrativo e encorajador.
Com isso, deve-se considerar a importância da aprendizagem colaborativa, associada ao uso das tecnologias, para a promoção da participação efetiva dos alunos. Com os resultados obtidos nesta experiência, espera-se contribuir para que os alunos desenvolvam hábitos de estudo extraclasse mais frequentes e permaneçam contribuindo mutuamente para a aprendizagem coletiva.
Referências
ANJOS, Daniela Dias dos; NACARATO, Adair Mendes; FREITAS, Ana Paula de. Práticas colaborativas: o papel do outro para as aprendizagens docentes. Revista Educação Unisinos, v. 22, nº 2, p. 204-213, 2018.
MANDONI, Maria Helena de Assis; LOPES, Celi Espasandin. O processo da avaliação no Ensino e na Aprendizagem de Matemática. Bolema, Rio Claro, v. 22, nº 33, p.189-204, 2009.
PIAZZI, Pierluigi. Aprendendo inteligência: manual de instruções do cérebro para estudantes em geral. 3ª ed. São Paulo: Aleph, 2014.
PIAZZI, Pierluigi. Ensinando inteligência: manual de instruções do cérebro do seu aluno. São Paulo: Aleph, 2009.
PONTE, João Pedro da. Novas tecnologias na aula de Matemática. Educação e Matemática, nº 34, p. 2-7, 1995.
SANTOS, Welvesley Silva. As contribuições do estudo extraclasse nas notas escolares dos alunos de uma escola da cidade de Barra do Bugres – Mato Grosso. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 39, p. 127-132, 2017.
TORRES, Patrícia Lupion; ALCÂNTARA, Paulo R.; IRALA, Esrom Adriano Freitas. Grupos de consenso: uma proposta de aprendizagem colaborativa para o processo de ensino-aprendizagem. Revista Diálogo Educacional, v. 4, nº 13, 2004.
Publicado em 12 de março de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
NASCIMENTO, Dandara Lorrayne do; VIEIRA Jr., Niltom. Uma experiência de aprendizagem colaborativa extraclasse mediada pelo uso da tecnologia. Revista Educação Pública, v. 19, nº 5, 12 de março de 2019. Disponível em https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/5/uma-experiencia-de-aprendizagem-colaborativa-extraclasse-mediada-pelo-uso-da-tecnologia
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