A interdisciplinaridade e a tecnologia como alternativas aos métodos disciplinares na educação

Larissa Maria Gemino Alves Vieira

Mestranda em ensino (UFF), licenciada em Física (Infes/UFF), Santo Antônio de Pádua/RJ

Adílio Jorge Marques

Professor adjunto (UFVJM), professor da Pós-Graduação em Ensino (Infes)

A discussão aqui apresentada foi elaborada a partir do livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault (1999), por meio da comparação entre o soldado do século XVII e o do século XVIII. A partir de tal comparação, discutimos alguns elementos disciplinares em relação à educação, como a ordenação de alunos por filas, a disposição dos alunos em sala de aula e a vigilância constante. Percebemos que a forma disciplinar atual ainda não atende às exigências atuais e os novos métodos que devem ser aplicados.

Edgar Morin (2003) explica os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade; o desenvolvimento desses conceitos apresenta-se como novas alternativas ao problema da disciplina. Além deles, há também a abordagem interacionista de Vygotsky (2001) e as contribuições de Perrenoud (2000). Por fim, Fazenda (2011) utiliza o uso de tecnologias para explicar a importância da interdisciplinaridade. Com tais informações, vamos apresentar breve discussão sobre o tema.

Desenvolvimento

No livro Vigiar e Punir, Foucault (1926-1984) descreve a figura do soldado do século XVII. O filósofo francês apresenta esse soldado como um indivíduo caracterizado por sua honra, bravura e força. A honra se refletia em seu corpo, na sua postura e na forma de marchar. Na segunda metade do século XVIII, o soldado é descrito pelo autor de outra forma. Verificamos a construção de uma máquina. O soldado que antes era caracterizado por sua honra e patriotismo, a partir de então, se comporta com hábitos mecânicos. Dessa forma, o soldado passa a ser o indivíduo que tem postura impecável, sincronizada, marcha firme e pronto para receber um comando.

Sobre o corpo, Foucault diz: “Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder". Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo — ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam (1999, p. 163).

Assim, certificamo-nos de que a partir da segunda metade do século XVIII ocorreu a manipulação do corpo para que seja submisso e útil. Ainda segundo Foucault (1999, p.163): “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Isso faz com que a noção de docilidade desse corpo seja relacionada à sua capacidade de submissão. Os métodos utilizados para que o indivíduo seja dócil e útil são chamados de disciplinas.

Essas formas disciplinares, algumas oriundas do exército e dos conventos, invadiram então as escolas. Isso deveria preocupar os professores, pois esses métodos não contribuem para o processo de ensino-aprendizagem. Verificamos que há mecanismos de dominação na escola como:

A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente (Foucault, 1999, p.173).

Inicialmente, o próprio prédio de funcionamento da escola se apresenta como uma fortaleza. Para que os alunos entrem e saiam, devem aguardar um sinal sonoro que na verdade é um comando para eles. Para sair para o recreio, também é necessário aguardar o sinal. O mesmo se aplica para retornar à sala de aula após o recreio.

Outro exemplo é a distribuição dos alunos em sala de aula, onde as carteiras são colocadas umas atrás das outras e dispostas em fileiras. Verificamos que há um “quadriculamento”, com cada um no seu devido lugar, a fim de que ocorra o mínimo de comunicação possível. E não só no posicionamento dentro das salas de aula; algumas vezes devem-se formar filas para entrar nas salas e para adquirir a merenda. Tudo isso sob vigilância constante. Todos com uma roupa uniforme.

Além da vigilância constante dos alunos, há a comparação entre eles, e a análise de rendimentos sem considerar as suas individualidades; a partir daí surgem as classificações. Esses alunos passam pelas mesmas avaliações e são alocados em classes com determinados assuntos e tratados de acordo com o seu enquadramento.

Em contraposição a tudo isso, percebemos que as formas tradicionais de ensino devem ser confrontadas. O professor não é o único detentor do conhecimento. As carteiras separadas e alunos com posições bem definidas não contribuem para que haja trocas entre eles. O silêncio absoluto não traz instrução. A impossibilidade de diálogo limita.

Somos seres humanos compostos por histórias e interações sociais. Esses processos ocorrem dentro de uma sociedade na qual estamos inseridos. As atividades que desenvolvemos estão diretamente ligadas a esses fatores. Os estímulos dos seres humanos vêm do meio, das trocas e das interações.

Somos atravessamentos de conhecimentos, ideias e histórias; isso contribui para o processo ensino-aprendizagem. Segundo Edgar Morin (2003), a disciplina quanto ao conhecimento se caracteriza por ser organizadora. Ela separa o conhecimento por barreiras. Estabelece uma divisão quanto às suas teorias, linguagens e formas de se apresentar. Sendo assim, o objeto da disciplina é percebido como autossuficiente.

A aprendizagem é completamente transponível com as delimitações que uma disciplina propõe. A utilização de métodos lineares e limitados não é eficaz ao promovê-la. Também não atende às demandas de uma sociedade globalizada. Partindo da necessidade de a escola repensar suas formas de educar e buscando compreender como trabalhar com competências Perrenoud afirma:

A abordagem por competências é uma maneira de levar a sério um problema antigo, o de transferir conhecimentos. Em geral, a escola preocupa-se mais com ingredientes de certas competências e menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas. Durante a escolaridade básica, aprende-se a ler, escrever, contar, mas também a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos disciplinares, como Matemática, História, Ciências, Geografia etc. (Perrenoud, 2000, p. 18).

Edgar Morin (2003), além da disciplina, apresenta a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. A disciplina se apresenta como autossuficiente e a multidisciplinaridade envolve mais de uma área de conhecimento, ou seja, ocorre na associação entre disciplinas. Essa associação ocorre sem que haja colaboração entre elas, pois cada uma utiliza as suas próprias técnicas e seus métodos em relação ao objeto de estudo ou no desenvolvimento de um projeto. Por exemplo, profissionais da área da Saúde – como enfermeiros, fonoaudiólogos e nutricionistas – podem se associar na recuperação de um paciente, mas cada um utilizando os seus métodos, sem interferir na forma direta de agir do outro profissional, mas com o intuito de colaborar para a recuperação final do paciente.

A interdisciplinaridade ocorre com a associação das disciplinas envolvendo troca e cooperação, na relação entre as disciplinas e entre profissionais a fim de complementar a ação que se pretende. Um exemplo são projetos desenvolvidos nas escolas, como descrevem Gatti et al. (2004).

Pode-se imaginar que uma equipe de professores queira falar de energia. Para que esse projeto se torne mais interessante, podem ser usados recursos tecnológicos como vídeos ou aplicativos de celular. O professor de Geografia pode apresentar o funcionamento de uma hidrelétrica, o de Física pode explicar como a energia se conserva, a Matemática pode ensinar cálculos relacionados ao consumo de energia, a Biologia falar de sustentabilidade e o professor de Português pode propor a elaboração de um texto sobre o tema. Sendo assim, a equipe de educadores, em colaboração e ao desenvolver esse projeto, está utilizando a interdisciplinaridade como recurso para promover aprendizagem.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a interdisciplinaridade prevê um eixo integrador, que pode ser desde o objeto de conhecimento até um projeto de pesquisa. Deve partir da necessidade sentida por escolas, professores e alunos com o objetivo de explicar, compreender, intervir, mudar, prever conhecimentos que desafiem qualquer disciplina isolada em si, conjugando a atenção de vários olhares (Brasil, 2002).

A transdisciplinaridade, segundo Morin (2003), é uma integração em nível superior aos apresentados. Ela é mais complexa, pois nela as disciplinas não se apresentam de forma fragmentada; elas buscam se apresentar de forma global, incluindo as relações entre diversos saberes. Ela observa o homem de forma holística, ou seja, produtor de cultura; dessa forma, valoriza a essência que está no conhecimento humano, atravessando as disciplinas.

Podemos perceber claramente que as escolas não vêm acompanhando essa demanda, tampouco os avanços da tecnologia. Para que o uso de tecnologias na escola seja implementado de forma interdisciplinar, é preciso que elas deixem de lado as ideias mais conservadoras de ensino, buscando abertura a recursos contemporâneos. Sobre isso, Perrenoud diz:

Se fosse preciso iniciar seriamente os alunos na informática, o caminho mais interessante seria inseri-la completamente nas diversas atividades intelectuais cujo domínio é visado, particularmente cada vez que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) liberam das tarefas longas e fastidiosas que desestimulam os alunos, tornando mais visíveis os procedimentos de tratamento ou as estruturas conceituais, ou permitindo que os alunos cooperem e compartilhem os recursos (Perrenoud,2000, p. 129).

Além disso, na situação apresentada acima, os professores e alunos participarão de universos mais próximos, facilitando o ensino-aprendizagem por meio da colaboração entre professor e alunos e entre os alunos. Assim, será proporcionada uma visão mais clara do objeto de estudo e da utilização dos recursos tecnológicos. A interdisciplinaridade deve ser utilizada para alcançar uma formação melhor, conforme Fazenda (2011, p. 74): “Inicialmente, o objetivo é permitir aos estudantes melhor desenvolver suas atividades, melhor assegurar sua orientação, a fim de definir o papel que deverão desempenhar na sociedade”.

Não podemos negligenciar as individualidades; as diversas habilidades apresentadas por cada um devem ser desenvolvidas e compartilhadas. Essas trocas e experiências serão necessárias para o bom desenvolvimento na atual sociedade global. Cada aluno possui as suas particularidades quanto a contextualização, desenvolvimento e habilidades. É um desafio para o professor trabalhar mediante tal diversidade. Esse professor deve considerar que essa diversidade é benéfica em termos de contribuição. Essas trocas podem ser intensificadas se os recursos tecnológicos forem utilizados, uma vez que são bem manuseados e fazem parte do cotidiano tanto dos professores quanto dos alunos.

Em conformidade com o que foi exposto, quanto aos alunos, devemos considerar o que Fazenda (2011, p. 75) diz: “É importante que se situem no mundo de hoje, criticando e compreendendo as inumeráveis informações que os agridem cotidianamente”. As tecnologias associadas ao ensino podem auxiliar quanto à viabilidade cognitiva, em relação à quantidade e à qualidade das inúmeras informações diárias recebidas pelos alunos e mesmo quanto à inserção desses alunos na sociedade. Nesse caso, o compromisso do professor é orientar esse aluno quanto à utilização dos recursos para que ele possa transpor as barreiras impostas pelas disciplinas e descobrir suas verdades.

Conclusão

O professor tem a função de promover a aprendizagem da melhor forma possível. Utilizar apenas formas disciplinares não é o melhor caminho. A disciplina isolada provoca uma delimitação, um “quadriculamento” do indivíduo, algo que o impede de estabelecer maiores relações. Considerando que cada indivíduo não é igual ao outro, estabelecer relações e trocas se faz fundamental para o desenvolvimento pessoal e educacional.

A interdisciplinaridade é uma alternativa apresentada como forma de abordagem para que a aprendizagem se torne significativa para os alunos. A interação entre alunos e professor e aluno tem muito a oferecer. Somando-se a isso, a tecnologia associada a tais práticas parece promover a motivação e a globalização requerida no mundo atual. Morin (2000), ao descrever quais seriam os sete saberes necessários à educação do futuro, descreve a importância de identificar informações, ou seja, saber se localizar e extrair o que há de melhor em um meio.

Há o problema do desenvolvimento de uma aprendizagem de forma global. Isso acontece porque o conhecimento foi fragmentado em disciplinas, o que dificulta, para o indivíduo, o relacionamento da parte com o todo. Dessa forma, o objeto de estudo fica sem vínculo com o contexto e a complexidade. Para solucionar tal condição assim imposta, parece ser necessário que o processo de ensino-aprendizagem utilize métodos que estabeleçam relações e influências recíprocas entre as pessoas e o mundo real, o que levaria aos métodos didáticos mais interdisciplinares.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC, 2002.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro. São Paulo: Loyola, 2011.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.

GATTI, Sandra Regina Teodoro; NARDI, Roberto; SILVA, Dirceu da. História da Ciência na formação do professor de Física: subsídios para um curso sobre o tema atração gravitacional visando às mudanças de postura na ação docente. Ciência & Educação, v. 10, nº 3, p. 491-500, 2004.

MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

PERRENOUD, Philippe. 10 Novas competências para ensinar: convite à viagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Publicado em 26 de março de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

VIEIRA, Larissa Maria Gemino Alves; MARQUES, Adílio Jorge. A interdisciplinaridade e a tecnologia como alternativas aos métodos disciplinares na educação. Revista Educação Pública, v. 19, nº 6, 26 de março de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/6/a-interdisciplinaridade-e-a-tecnologia-como-alternativas-aos-metodos-disciplinares-na-educacao

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