Mediação escolar no transtorno de espectro autista: abordagem na sala de recursos multifuncional
Severina Rodrigues de Almeida Melo Silva
Doutoranda em Ciências da Educação (Universidade Grendal), mestre em Ciências da Educação (Faculdade Integrada de Várzea Grande), especialista em Supervisão Educacional e Orientação Educacional e em Desenvolvimento e Políticas Educativas (Centro Integrado de Tecnologias e Pesquisa), graduada em Pedagogia (Universidade Estadual Vale do Acaraú)
Mesmo com todas as políticas educacionais de inclusão estabelecidas no Brasil, o país ainda tem muito que caminhar para estabelecer o acesso e a permanência de crianças portadoras de necessidades educacionais especiais na escola regular, dentro de uma perspectiva inclusiva, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº 9.394/96) estabeleça a Educação Especial como uma modalidade a ser ofertada dentro da escola regular de ensino.
A educação é um bem social e deve ser usufruído por todos os cidadãos, inclusive as pessoas com algum tipo de deficiência, pois, como garantido em lei federal, a educação é um direito de todos; para tal, não basta garantir acesso, mas também a permanência e a aprendizagem. Para ocorrência da verdadeira inserção de portadores de necessidades especiais no ambiente escolar, se faz necessária a execução de políticas públicas que tratem a Educação Especial na perspectiva inclusiva.
Durante a realização do curso de Atendimento Educacional Especializado, chamou-me atenção a condição das crianças autistas e os métodos utilizados para o desenvolvimento da sua aprendizagem, o que me instigou a realizar um trabalho com crianças portadoras de necessidades especiais na sala de recursos multifuncional (SEM), em especial com crianças autistas, como base no seguinte questionamento: qual contribuição traz o mediador escolar na sala de recursos multifuncional, sob o atendimento educacional especializado (AEE)?
Entretanto, na condição de mediadora do AEE, tive oportunidade de buscar novos caminhos e realizar estudos que ampliaram minha visão como educadora e me permitiram refletir sobre a postura do mediador na Educação Especial, o seu contributo para o desenvolvimento das crianças atendidas e a importância do estabelecimento de vínculos com familiares e professores da sala regular.
Para realização deste estudo, foram tomadas por base a observação direta e as vivências adquiridas durante o atendimento de uma criança portadora do espectro autista em uma SEM de escola da rede municipal de Alagoinha/PB. Sendo assim, este trabalho encontra-se dividido em seções que trazem a proposição do caso, a análise e clarificação do problema, os aspectos metodológicos e as considerações finais acerca do estudo.
O objetivo geral deste artigo é apresentar como está ocorrendo a inclusão de alunos portadores do transtorno de espectro autista (TEA) sob mediação do profissional da SRM. Para a consecução desse objetivo procurou-se identificar e analisar as principais políticas públicas que visam contribuir para a inclusão escolar de alunos com deficiências e necessidades educacionais especiais; elaborar um plano de atendimento educacional especializado que atenda às necessidades das crianças, respeitando suas características e ritmos; e compreender os conceitos de Educação Especial e educação inclusiva.
Como metodologia desenvolvida para esta pesquisa, realizou-se uma abordagem qualitativa, com estudo de caso, seguido de pesquisa exploratória e documental, segundo Carvalho (2008). Foi realizada uma pesquisa de campo com observação direta e entrevista semiestruturada direcionada à mãe da criança observada e ao professor da sala regular. Para Marconi e Lakatos (1999, p. 94), a entrevista é “encontro de duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto”.
Proposição do caso, análise e clarificação problema
R.A.N., 10 anos de idade, diagnosticado com transtorno de espectro autista (TEA), está matriculado no 3º ano do Ensino Fundamental da sala de aula regular na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Néu, localizada no Sítio Barro de Fátima, a 8 km do município de Alagoinha/PB.
A escola faz parte de uma comunidade carente com cerca de 130 famílias, todas com base econômica na agricultura familiar e auxiliadas pelo Governo Federal via programas oficiais (Bolsa Família etc.).
Segundo relato da mãe, R. A. N. nasceu de parto normal após uma gravidez bastante complicada, na qual ela teve que tomar vários medicamentos para dores; ela o amamentou até dois anos de idade; R. A. N. andou com um ano e meio e nunca respondia aos estímulos dos familiares.
Para comunicar-se, ele só balbuciava; depois de dois anos é que desenvolveu sua maneira de comunicação: quando queria algo, colocava as mãos de seus familiares em cima do objeto desejado – e continua assim até hoje.
R. A. N. está frequentando o 3º ano; ele não permanece no interior da sala, entra e sai durante todo o tempo de permanência na escola, relacionando-se restritivamente com seus pares. No contraturno ele frequenta a sala de recurso multifuncional, na própria escola, sendo recebido duas vezes por semana com atendimento de uma hora cada. A SRM é, para a acriança em questão, um dos ambientes escolares onde ela se sente mais à vontade, dedicando um pouco de sua atenção aos estímulos lúdicos das atividades que são desenvolvidas.
Capítulo V
Da Educação Especial
Art. 58. Entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular (Brasil, 1996).
A criança não interage com as atividades propostas na sala regular, apresentando maior dificuldade nas atividades que envolvem coordenação motora. R. A. N. é capaz de expressar suas necessidades, desejos e interesses, porém utiliza as pessoas ao seu redor como instrumento para conseguir o desejado. Com relação aos recursos disponibilizados na escola, ele prefere os objetos com formatos circulares.
Durante observações realizadas na sua rotina escolar, foi possível perceber que ele demonstra inquietações, gosta de brincar sozinho, de ter atenção e de correr com alguém ao seu lado, se locomove independentemente, inclusive vai ao banheiro, se alimenta e bebe água sozinho. Porém a maior dificuldade é instigar sua comunicação oral e corporal, devido ao déficit de comunicação que apresenta.
Pelo relato escrito, sua mãe demonstrou muita preocupação com o futuro de seu filho, pois percebe que a maior dificuldade enfrentada não é com as características que ele tem devido ao TEA, mas sim com o preconceito das pessoas. Ela ainda relatou que, sem sua presença, o filho parece estar perdido; ela tem grande expectativa na SRM, de forma que a rotina das atividades o ajude na comunicação. A mãe reconhece que houve mudanças mínimas, mas significativas, na rotina do filho após ter iniciado o AEE; ela relata também que foi na SRM, pela professora/mediadora, que recebeu o maior apoio para lidar com seu filho.
Sobre o acompanhamento psicológico, a profissional da área relatou que durante visitas à escola pôde perceber que R. A. N. apresenta avanços consideráveis, como ficar na sala de AEE de maneira confortável com a professora/mediadora, conseguindo em alguns momentos interagir do seu modo com algumas crianças, mantendo comunicação pela emissão de sons, pois ele não desenvolveu a fala. O que a preocupa no momento é o fato de a criança não conseguir ficar dentro da sala regular; na maioria do tempo fica no pátio da escola em posição fetal. Pode-se comprovar que tais comportamentos ocorrem a partir de mudanças na rotina escolar, familiar ou até mesmo da falta de compreensão de suas necessidades.
É comum que essas crianças apresentem manifestações de sua inflexibilidade de maneira exacerbada. [...] É fácil compreender que, no ambiente escolar, com todos os seus estímulos e vendo-se em meio a muitas outras crianças, a tantas falas e atitudes das outras pessoas que, aliás, não lhe são familiares, a criança reaja assim. Essas reações, de forma recorrente, podem ser de choro intenso, de movimentos corporais repetitivos, de indiferença em relação aos apelos e tentativas de ajuda, de apego a determinados locais fixos na escola e de recusa em deslocar-se conforme orientado. Também já observamos, em casos mais complexos, autoagressões ou reações abruptas envolvendo objetos ou mesmo alguma outra pessoa (Belizário Filho, 2010, p. 22).
Dado o exposto, é necessário que se busquem e estabeleçam reações a tais comportamentos dentro do espaço escolar, de forma que as medidas tomadas levem em consideração as potencialidades da criança em questão, para que, a partir da problemática, sejam estabelecidas estratégias pedagógicas que conduzam os envolvidos à superação do problema.
Para tal, todo profissional da escola tem que compreender as características da síndrome de espectro autista, pois só assim poderá compreender as crianças e suas necessidades. Conhecendo melhor a realidade da criança, o trabalho pedagógico desenvolvido poderá alcançar êxito.
É de suma importância o estabelecimento de vínculos entre familiares, professores, crianças e demais profissionais envolvidos, para que as atividades propostas estejam direcionadas às necessidades e peculiaridades de cada criança, pois, embora o contexto escolar receba crianças que apresentem a mesma condição especial, cada uma tem seu ritmo e individualidade, de forma que cada uma tem sua rotina estabelecida, a qual deve ser respeitada para obter o melhor desenvolvimento da aprendizagem.
O profissional da SRM pode contribuir para a orientação na elaboração de metas e estratégias de ensino dos demais profissionais que formam a escola, fazendo com que cada criança tenha sua identidade, seus medos, anseios e desejos respeitados, bem como seus direitos garantidos na escola comum.
Metodologia
A pesquisa foi centrada na Escola Municipal Professor Néu, localizada no Sítio Barro de Fátima, zona rural do município de Alagoinha/PB. Essa escola atende crianças da localidade, advindas na sua maioria de famílias carentes que têm como único sustento a agricultura familiar e o auxílio financeiro de programas como o Bolsa Família.
Como metodologia de pesquisa, foram utilizados estudo de caso, pesquisa exploratória e bibliográfica, seguidos de observação direta e entrevista com familiares, professor da sala de aula regular e psicólogo, com base em questionário semiestruturado.
A pesquisa exploratória objetiva o desenvolvimento, o esclarecimento e a alteração de conceitos, de forma que se chegue ao fim do problema investigado, conforme Gil (2002). Sobre estudo de caso, Gil (2002, p. 77) menciona que a utilização do método por pesquisadores é fundamentada em propósitos como:
a) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos;
b) descrever a situação do contexto em que está sendo feita determinada investigação; e
c) explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em situações muito complexas que não possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos.
Guerra (2006) diz que o questionário é utilizado como indução sistemática que promove a captura da percepção do entrevistado, de forma que se possa interpretá-la à luz do referencial teórico.
Considerações finais
Primeiramente, é importante dizer que não há respostas para todas as questões da educação. Existem, sim, relatos, experiências, trabalhos e trocas de saberes na construção de um caminho.
O transtorno de espectro autista é um distúrbio neurológico com características de comprometimento da habilidade da criança em diversas áreas, como comunicação, interação social e no processo de aprendizagem escolar. Assim, a Educação Especial sob a ótica inclusiva exige que sejam estabelecidas grandes mudanças no sistema educacional para que a inclusão verdadeiramente aconteça.
O aluno com autismo aprende diferente, deseja diferente e pensa diferente. O essencial é disciplinar a atividade e não imobilizar a criança; corrigir ensinando, não reprimindo, pois o princípio afetivo da atividade conduz à disciplina e à socialização.
A partir desse pressuposto, espera-se que entrem em cena as políticas públicas com suas regulamentações, leis e diretrizes garantindo na esfera nacional a ocorrência de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo.
Este trabalho objetivou mostrar a importância da mediação escolar frente à SRM como forma de diminuir as barreiras que dificultam a socialização e a permanência da criança autista na escola, em especial dentro da sala de aula regular. Casos como esse mostram que a educação inclusiva é propriamente um estudo de caso, explicitando que cada caso é único, tomando por base a singularidade do sujeito investigado.
Especificamente sobre o estudo de caso aqui apresentado, percebe-se a insegurança dos agentes envolvidos no processo de inserção dessa criança autista no espaço regular de ensino. Esse choque de realidade faz com que o aluno autista seja comparado com o aluno regular, o que de imediato já demonstra o desrespeito à sua condição e à sua individualidade.
Assim, espera-se que, pela mediação estabelecida pelo professor da SRM, aconteçam o respeito às suas particularidades e o desenvolvimento da comunicação oral e corporal do aluno, de forma que tal progresso possa ampliar as demais atividades pedagógicas a serem desenvolvidas com o estudante na sala de aula regular. É importante manter uma relação saudável com a família e o professor da sala regular, pois o papel do mediador se estende por levar informações aos familiares da criança mediada.
Na educação inclusiva, percebe-se que as propostas não estão finalizadas, pois ocorre a ressignificação de papéis, e o professor passa várias vezes da condição de transmissor para a de receptor. Dessa forma, espera-se que todo planejamento estabelecido para o AEE possibilite a flexibilização, levando os profissionais envolvidos a perceber a necessidade da troca de experiências e que tais trocas promovem a apropriação e a construção de novos saberes.
Referências
BELIZÁRIO FILHO, José Ferreira. A Educação Especial na perspectiva da inclusão escolar: transtornos globais do desenvolvimento. Vol. 9. Fortaleza: Ed. UFC, 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – (LDBEN). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/proen/ldb_11ed.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2018.
CARVALHO, M. A. F. C. Formação de professores em educação de adultos. Estudo de caso: o ensino recorrente na escola secundária Rodrigues de Freitas. Universidade de Santiago de Compostela, 2008.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisas. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
GUERRA, I. C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Estoril: Principia, 2006.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
Publicado em 26 de março de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Severina Rodrigues de Almeida Melo. Mediação escolar no transtorno de espectro autista: abordagem na sala de recursos multifuncional. Revista Educação Pública, v. 19, nº 6, 26 de março de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/6/mediacao-escolar-no-transtorno-de-espectro-autista-abordagem-na-sala-de-recursos-multifuncional
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