A importância do incentivo à pesquisa para o ensino de Química

Matheus Lopes Ferreira

Mestrando em Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino e licenciado em Ciências Naturais (UFF)

Adílio Jorge Marques

Professor adjunto da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), professor da Pós-Graduação em Ensino (Infes)

O mercado de trabalho profissional, na atualidade, vem exigindo cada vez mais currículos que contenham cursos de atualização ou pós-graduação, tendo em vista que a competitividade obriga que cada funcionário possua diferencial. Sendo assim, gostar e saber pesquisar é algo fundamental para se destacar no âmbito profissional; tal habilidade é desenvolvida na escola, em contato com as diversas disciplinas que norteiam as escolhas que cada aluno fará para possíveis formações técnicas e superiores. Com o acesso à internet cada vez mais fácil, houve uma banalização do que se entende por pesquisa; os alunos estão cada vez mais habituados a encontrar modelos prontos e textos já elaborados na rede, o que gera comodidade e, no momento em que precisam encarar, na faculdade ou nos respectivos trabalhos, desafios que requerem pesquisa e investigação, não conseguem bons resultados.

Dessa forma, é essencial para qualquer formação de qualidade que o aluno seja preparado para essas situações, na medida em que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Brasil, 1996, p. 8, grifo nosso).

Considerando essa grande necessidade de reconhecimento da pesquisa científica no âmbito escolar, nota-se que um campo de estudos que exige ainda mais esse fomento é o campo das Ciências Naturais, no qual a investigação é parte essencial do processo de experimentação, uma vez que nessa área as pesquisas tendem a partir de pressupostos que precisam ser comprovados cientificamente. Olhando por esse viés, percebe-se que é crucial investigar como a pesquisa educacional tem se desenvolvido no campo de estudos das Ciências da Natureza e o quanto a epistemologia pode influenciar essa compreensão, por parte do professor, do quão importante é para o aluno o estímulo e o reconhecimento da pesquisa como algo elementar em sua formação pessoal e profissional.

Nesse sentido, o presente estudo objetiva trazer contribuições teóricas sobre a história das descobertas no campo da Química e sobre a importância do professor que desenvolve no aluno a vontade de buscar o conhecimento. Para isso, na primeira seção, apresenta-se um breve percurso histórico sobre a evolução da ciência no ramo da Química, a fim de demonstrar, em um segundo momento, como o incentivo à pesquisa educacional tem influência no processo de ensino e aprendizagem de Química. Metodologicamente, trata-se de um trabalho de revisão bibliográfica, com aporte teórico de Kuhn (2013), Fleck (2010), Schnetzler (2004) e Shapin (2013).

A evolução da ciência no ramo da Química: a importância da pesquisa

Desde os primórdios, o homem sentiu necessidade de descobrir respostas para todas as coisas: do que é feito? De onde vem? Para que serve? Essa ânsia por explicações fez surgir investigações que culminaram em experiências e, depois de um tempo, transformaram-se em ciência.

No entanto, por ser motivada por tais questionamentos, a busca pelo conhecimento une a Filosofia e a Ciência, mas “quando se passam a ordenar factos e suas explicações, tendo em conta o rigor qualitativo de teorias e experiências, então estamos perante a metamorfose de Filosofia em Ciência” (Burguete, 2004, p. 23). A Ciência é considerada, desse modo, um conjunto de muitas ciências, que pode progredir e sofrer revoluções, seguir um percurso contínuo e sem fim (Burguete, 2004). O fato é que, diferentemente da Filosofia, que se mantém intacta em suas teorias por séculos, a Ciência vai se moldando de acordo com as novas descobertas que vão sendo feitas por meio de pesquisas, já que, de acordo com Kuhn (2013, p. 132), “guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções”.

Dessa maneira surgem as chamadas revoluções científicas, tão importantes para o estabelecimento do pensamento científico, pois “durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente” (Kuhn, 2013, p. 132).

Foi partindo dessas revoluções que novos campos do conhecimento científico foram surgindo, como no caso da Química. Apesar de poder ser identificada desde o início da civilização com a utilização do fogo, o manuseio de metais, das ligas metálicas, e o uso de corantes, fermentos e conservantes, a Química só chegou ao status de ciência, segundo Burguete, no

século XVIII, com a obra de Antoine Lavoisier (1743-1794), que, possuindo também sólida formação matemática, impõe ordem e sistematização na massa confusa do saber químico, criando assim uma Química científica, composta por elementos e compostos com propriedades permanentes (Burguete, 2004, p. 25).

Segundo Marques e Filgueiras (2010), o estudo químico do século XVIII foi dominado pelos estudos dos gases, das suas propriedades e das reações. Era a “Química Pneumática”, que levou ao trabalho de Lavoisier, dando uma explicação satisfatória para um antigo problema: entender o processo da combustão dos corpos. Foi esse desenvolvimento que permitiu a Lavoisier estabelecer os princípios da Química Moderna. O entendimento dos seguintes processos foram importantes: combustão como reação dos corpos combustíveis com o oxigênio; o ar não é uma substância elementar, mas uma mistura de gases; a água tampouco é elementar, mas um composto que pode ser quebrado em seus constituintes (gases hidrogênio e oxigênio); o fato de que estes podem ser recombinados para fazer a síntese da água. Para Lavoisier, todos esses processos podiam, e deviam, ser investigados não só de forma qualitativa, mas também quantitativamente, estabelecendo relações precisas entre as quantidades dos reagentes e dos produtos nas reações químicas.

O estabelecimento como ciência demonstra que a epistemologia influencia fortemente a maneira como os cientistas observam o mundo em que vivem. As revoluções científicas partem de olhares diferentes para elementos conhecidos e, a partir de pesquisa e investigações, são elevadas ao ramo das ciências, como foi o caso da descoberta do oxigênio, em que

Lavoisier viu oxigênio onde Priestley viu ar desflogistizado e outros não viram absolutamente nada. Contudo, ao aprender a ver o oxigênio, Lavoisier teve também que modificar sua concepção a respeito de muitas outras substâncias familiares. Por exemplo, teve que ver um mineral composto onde Priestley e seus contemporâneos haviam visto uma terra elementar (Kuhn, 2004, p. 137).

Dentro do campo das ciências, é normal surgirem revoluções que mostram, a partir de experimentos e pesquisas, que uma teoria nem sempre é a mais correta – como é o caso do uso do mercúrio para o tratamento de algumas doenças venéreas, que na Antiguidade era muito comum e considerado eficaz, mas a partir de pesquisas e investigações pôde-se concluir que tal substância é nociva à saúde (Fleck, 2010).

Tais exemplos permitem constatar que não se deve levar em conta um único experimento em detrimento da “experiência em uma determinada área, constituída de experimentos, observações, habilidades e adaptações conceituais” (Fleck, 2010, p. 50) no momento em que se pretende formar um conceito ou uma teoria sobre determinado aspecto científico, o que denota o caráter essencial da pesquisa, que pode, com base em aprofundamentos, alterar toda a perspectiva que se tem sobre determinado assunto.

Assim, demonstra-se o quanto é importante que as escolas e os professores fomentem o prazer pela pesquisa no ambiente escolar, o que será enfatizado na próxima seção, que tratará mais especificamente da pesquisa educacional.

A pesquisa educacional no ensino de Química

Levando em consideração a importância da aprendizagem desenvolvida em pesquisas, compreende-se que o professor, no momento atual da educação brasileira, precisa saber incitar no aluno a vontade de buscar o conhecimento, tomando por base investigações que podem acontecer no ambiente escolar. Dessa maneira, saber investigar é papel de qualquer professor compromissado em formar alunos que estejam preparados para a vivência do mundo do trabalho e para o contexto das universidades.

No entanto, os professores da área das Ciências Naturais devem estar ainda mais engajados em pesquisas, pois “na cultura acadêmica em geral, a autoridade das Ciências Naturais faz-se manifesta no desejo, há muito estabelecido, por muitas formas de investigação, de que tenham lugar entre as ‘ciências’” (Shapin, 2013, p. 381), ou seja, todas as áreas buscam verificações coerentes como as constatações a que chegam os especialistas da área da Ciência da Natureza, pois, para se alterarem teorias desse ramo, muitas investigações são necessárias.

Por essa ótica, nota-se que os professores de Ciências devem estar sempre dispostos a permitir que o aluno investigue e descubra, por si só, fenômenos simples e que estão presentes em seu cotidiano. Na medida em que o aluno descobre a ciência da investigação, torna-se responsável por seu conhecimento.

Tomando como exemplo o professor de Química, percebe-se que o ensino dessa área do conhecimento depende imensamente do compromisso que o professor tem com a pesquisa, pois é uma área que mescla teoria a experimentações. Sendo assim, o professor dessa disciplina não pode se prender exclusivamente à área das Ciências Naturais, mas estar preparado a se enveredar por outros caminhos em busca de respostas. Sobre isso, destaca-se o que diz Schnetzler (2004, p. 50):

O domínio do conhecimento químico é condição necessária para o propósito e desenvolvimento de pesquisas no ensino, mas não é suficiente, dada a complexidade de seu objeto, das interações humanas e sociais que o caracterizam. Por isso, precisamos recorrer a contribuições teóricas das várias Ciências Humanas, não se tratando de mera utilização ou aplicação das mesmas à área da educação química.

Assim, compreende-se que, ao dizer que as Ciências Naturais são vistas como referência para os estudos científicos, Shapin (2013) não valoriza essa área do conhecimento em detrimento das demais, já que Schnetzler (2004) considera essencial que o professor esteja preparado para saber utilizar todos os campos de estudo em favor de um melhor processo de ensino e aprendizagem. É importante ressaltar que o professor que pesquisa tem mais facilidade para implementar, em suas aulas, práticas que levem o aluno a descobrir e a investigar os fenômenos, tendo em vista que “o que um(a) professor(a) de Química ensina para seus(suas) alunos(as) decorre da sua visão epistemológica dessa ciência, do propósito educacional que atribui ao seu ensino, de como se vê como educador(a)” (Schnetzler, 2004, p. 50).

Nessa seara, destaca-se uma das tarefas mais importantes do educador da área de Química: fazer com que o aluno se interesse por descobrir a natureza dos fenômenos. Para isso, os docentes desse campo de estudo podem utilizar recursos didáticos como jogos, filmes, aulas práticas em laboratórios e até mesmo experiências cotidianas dos alunos como motivadores para uma aprendizagem mais significativa. Contudo, não se pode esperar que o professor aprenda a desenvolver essas capacidades epistemológicas por si só, sendo necessário o investimento em cursos de especializações e atualizações que orientem a prática docente.

Considerações finais

Diante das considerações acerca da pesquisa educacional na área na Química, demonstra-se que o futuro das pesquisas no campo das Ciências Naturais é de grande responsabilidade dos professores do presente, uma vez que eles são os responsáveis por aguçar a curiosidade do aluno acerca da descoberta do conhecimento.

Esse processo de descoberta, quando o aluno está em seu processo de formação inicial, pode levá-lo a se enveredar pelo caminho da ciência e, possivelmente, despertar a vontade de ser pesquisador, tendo em vista que o que se aprende quando criança ou adolescente pode marcar por toda a vida. Destaca-se, portanto, a importância do professor que aguça nos discentes a curiosidade pelas pesquisas.

Sendo assim, tomar ciência sobre a teoria do conhecimento, ou epistemologia, faz com que o professor se sinta seguro para desenvolver estratégias que envolvem a investigação em busca de resultados. Assim, para a área da Química, o professor deve apresentar aos alunos toda a história de evolução das descobertas, a fim de que compreendam que a ciência não é estável, mas acompanha o desenvolvimento do mundo e, cada vez mais, fica evidente que uma teoria de anos pode ser reconsiderada a partir de novos olhares, o que é também conhecido como revoluções científicas. 

Referências

BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado Federal, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em 08 set. 2018. 

BURGUETE, Maria da Conceição. História e filosofia das ciências. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.

FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico: introdução à doutrina do estilo de pensamento e do coletivo de pensamento. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2013.

MARQUES, Adílio Jorge; FILGUEIRAS, Carlos A. Lombardi. A Química atmosférica no Brasil de 1790 a 1853. Quim. Nova, v. 33, nº 7, p. 1.612-1.619, 2010.

SHAPIN, Steven. Nunca Pura: Estudos históricos de Ciência como se fora produzida por pessoas com corpos, situadas no tempo, no espaço, na cultura e na sociedade e que se empenham por credibilidade e autoridade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.

SCHNETZLER, Roseli P. A pesquisa no ensino de Química e a importância da Química Nova na escola. Química Nova na Escola, n° 20, nov. 2004. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc20/v20a09.pdf. Acesso em 08 set. 2018.

Publicado em 09 de abril de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

FERREIRA, Matheus Lopes; MARQUES, Adílio Jorge. A importância do incentivo à pesquisa para o ensino de Química. Revista Educação Pública, v. 19, nº 7, 9 de abril de 2019. Disponível em:https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/7/a-importancia-do-incentivo-a-pesquisa-para-o-ensino-de-quimica

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