Consumo de drogas lícitas e ilícitas entre jovens nas escolas da cidade de Antônio Martins-RN
Manoel Messias Gomes
Mestre em Ciências da Educação pelo Instituto Superior de Educação de Brasília, doutorando (Unigrendal)
O consumo de substâncias psicoativas (lícitas ou ilícitas) tem se constituído em grave problema de saúde pública, com complicações tanto para a vida pessoal quanto para a vida familiar, escolar, ocupacional e social do usuário. O abuso de drogas entre os jovens tem sido uma das questões que mais afligem a sociedade contemporânea. Levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) entre estudantes da Educação Básica comprova a presença de psicotrópicos nas escolas e abuso entre alunos, além de tendência de iniciação precoce: na faixa de 10 a 12 anos, mais de 12% das crianças já usaram algum tipo de droga na vida.
De acordo com Nemésio Dario Almeida (2011), em seu artigo “Uso do álcool, tabaco e drogas por jovens e adultos na cidade de Recife”, em 1989, de 205.363 pessoas internadas por uso de drogas em hospitais psiquiátricos brasileiros, 95,6% (196.324) foram devido ao álcool e 4,4% (9.039) pelas demais drogas (Ministério da Saúde, 1999 apud Almeida, 2001). Pesquisas realizadas em vários países demonstram que a introdução ao consumo de substâncias psicoativas tem ocorrido cada vez mais cedo e que tal uso também ocorre de forma cada vez mais intensa. No Brasil, certos estudos vêm corroborar tais descobertas; um exemplo é o estudo realizado pelo Cebrid (2003) a respeito do uso indevido de drogas pelos estudantes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em dez capitais brasileiras (Galdurós; Noto; Carlini, 1997 apud Almeida, 2001). Ainda de acordo com esse autor, é durante a adolescência, com o desejo de serem livres da família, que os jovens costumam utilizar drogas, muitos deles, por curiosidade. Diversos estudos têm demonstrado que a grande maioria dos que virão um dia a tornar-se dependentes usou drogas pela primeira vez entre os 14 e os 18 anos.
Ainda de acordo com esse autor, a família possui ou pode dar grande contribuição tanto no amparo quanto como agente contra o uso de drogas pelos filhos. Ele concorda com as afirmações de Chapetti (2001) e Kazdin (1993) sobre o fato de que o arranjo e a dinâmica familiar em desarmonia aumentam a fragilidade do adolescente, tornando-o mais suscetível a condutas de risco, tais como o uso de substâncias psicoativas, particularmente durante a pré-adolescência. O desarranjo familiar e a ligação com colegas delinquentes na adolescência são fatores que contribuem decisivamente para o surgimento do consumo de drogas na adolescência; aqueles que têm pais dependentes de alguma droga geralmente são levados ao mesmo comportamento.
Por outro lado, ainda de acordo com Almeida (2011), adolescentes cujos pais proporcionam normas bem definidas e ao mesmo tempo incentivam seus filhos a exercer sua liberdade de forma responsável ficam mais protegidos de comportamentos de risco, inclusive do uso de substâncias tóxicas (Jessor, 1993 apud Almeida, 2011).
Estudos epidemiológicos têm mostrado que o início do consumo de álcool, cigarros e outras drogas ocorre predominantemente na adolescência. O ambiente favorável à adoção de comportamentos prejudiciais à saúde dos jovens, como o consumo de substâncias psicoativas, é influenciado por uma série de fatores, sendo a família um dos mais importantes, pois a instituição familiar é considerada um dos elos mais fortes dessa cadeia multifacetada que pode levar ao uso abusivo de álcool e outras drogas, além de atuar como importante fator de proteção.
De acordo com Paiva e Ronzani (2009), em seu artigo “Parentais e consumo de drogas entre adolescentes: revisão sistemática”, isso se explica pelo fato de que os diferentes comportamentos sociais, entre eles o consumo de substâncias psicoativas, são aprendidos predominantemente a partir das interações estabelecidas entre o jovem e suas fontes primárias de socialização, que são a família, a escola e o grupo de amigos. E o resultado dessa interação, segundo esses autores, é o estabelecimento de um vínculo que possibilita a comunicação de um conjunto de normas. Dificuldades percebidas nessas interações sociais podem se configurar como sérios fatores de risco para o surgimento de problemas na vida dos adolescentes.
Referencial teórico
O uso de drogas por adolescentes tem sido evidenciado em vários estudos brasileiros, que têm mostrado elevadas taxas do consumo dessas substâncias. De acordo com Monteiro, Araujo, Sousa, Martins e Silva (2012), em seu artigo intitulado “Adolescentes e o Uso de Drogas Ilícitas: um estudo transversal”, a taxa entre os estudantes chega a 17%. Entre eles, as drogas mais utilizadas são o álcool (68,9%), o tabaco (22,7%), os solventes (10,1%), a maconha (6,6%), os ansiolíticos (3,8%), as anfetaminas (2,6%) e a cocaína (1,6%). Destaca-se ainda que os jovens do sexo masculino são os maiores consumidores.
Considerando a Região Nordeste, o V Levantamento sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública das 27 capitais do nosso país, realizado pelo Cebrid, revela que as drogas mais utilizadas pelos estudantes foram solventes, maconha, ansiolíticos, anfetaminas e anticolinérgicos.
Observando o uso abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas, como o cigarro entre outras, pelos adolescentes e jovens estudantes das escolas do município de Antônio Martins-RN, percebeu-se a necessidade de desenvolver um trabalho voltado à conscientização e à prevenção ao uso de drogas e a divulgação de seus efeitos maléficos ao organismo humano. Nessa visão, foi elaborado um projeto de intervenção com o objetivo de detectar o índice de alunos dessas escolas que consomem bebidas alcoólicas e outras drogas, lícitas ou ilícitas, tendo como objetivo principal a conscientização desses alunos sobre os efeitos devastadores dessas substâncias em sua saúde física, mental e intelectual.
Nesse sentido, destaca-se a preocupação com esse grupo etário, considerando que muitos deles se encontram em comportamento de risco e que os problemas ocasionados pelo consumo dessas substâncias são múltiplos e interferem negativamente em diversos aspectos da sua vida, e suas repercussões representam grande preocupação social e questão de saúde pública.
Resultados e discussões
Foram pesquisados 90 alunos da Escola Estadual Gov. Walfredo Gurgel e da Escola Municipal José Inácio de Carvalho na cidade de Antônio Martins-RN por meio de questionários estruturados.
O gráfico a seguir apresenta as respostas dos alunos quanto ao hábito de ingerir bebidas alcoólicas.
Fonte: Pesquisa de campo.
Dos que responderam, 88% afirmaram que já ingeriram bebidas alcoólicas; desses, 28% afirmaram que já beberam algumas vezes, 48% disseram que já beberam várias vezes, principalmente em ocasiões especiais, como aniversários e casamentos; 22% afirmaram ter ingerido uma única vez e 2% afirmaram que nunca beberam.
O gráfico a seguir representa o percentual dos que já ingeriram bebidas alcoólicas, por gênero.
Fonte: Pesquisa de campo.
Perguntados se já haviam ingerido bebidas alcoólicas além do limite, 44% afirmaram que sim, 18% afirmaram que algumas vezes já haviam exagerado no consumo e 38% afirmaram nunca terem passado dos limites.
O gráfico a seguir representa, quanto à renda familiar, o universo dos alunos pesquisados que já consumiram bebidas alcoólicas.
Fonte: Pesquisa de campo.
Este é um dos dados que mais chama a atenção, pois, dos que já consumiram bebidas alcoólicas, 69% possuem renda familiar de menos de um salário mínimo, 23% possuem renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos, 6% possuem renda familiar acima de 3 salários mínimos, e 2% não responderam. Isso faz perceber que o consumo de álcool está mais presente entre os adolescentes e jovens das classes menos favorecidas.
O gráfico a seguir mostra o percentual dos que já consumiram tabaco.
Fonte: Pesquisa de campo do autor
Dos alunos pesquisados, 80% afirmaram já terem fumado e 20% nunca. Porém o que se observa é que o consumo do tabaco tem estado presente na vida de muitos jovens e que a grande maioria (95%) é do sexo masculino.
O gráfico a seguir traz o percentual de alunos entrevistados que já utilizaram ou conhecem alguém que já consumiu ou é viciado em algum tipo de droga ilícita.
Fonte: Pesquisa de campo.
Quando perguntados se já tinham consumido drogas ilícitas ou se conheciam alguém que consumia, todos afirmaram nunca ter consumido qualquer droga ilícita. Porém, dos que responderam ao questionário, 80% afirmaram conhecer alguém que consome crack, 14% conhecem quem consome ou consumiu maconha e 6% afirmaram não conhecer ninguém que cosumisse qualquer tipo de droga ilícita. Esse dado é importante, pois mostra o quanto o crack está disseminado em nossa sociedade.
Outro dado para se refletir é que, mesmo os que afirmaram nunca ter consumido qualquer tipo de droga ilícita conhecem alguém que consome ou que já consumiu crack, o que, sabemos, é tão devastador para os adolescentes e que tem trazido tantas preocupações para suas famílias. Em segundo lugar, veio o consumo da maconha como droga que eles conhecem alguém que já tenha consumido. Outro dado que faz pensar é que 100% afirmaram que nunca consumiram qualquer tipo de droga; isso não significa que não tenham consumido alguma vez, apenas demonstra que aqueles que por ventura as tenham consumido não se sentiram à vontade para admitir.
O uso de substâncias psicoativas, por diferentes aspectos, é apontado por instituições e grupos sociais como grave problema de saúde pública; seu consumo está marcadamente influenciado pelas diferentes experiências psicossociais com as quais o jovem se depara (Paiva; Ronzani, 2009).
A relação com a família, a pressão do grupo de amigos, o desempenho acadêmico e a ligação com a escola, a inserção e incorporação de valores comunitários, a capacidade de decodificação de mensagens provenientes da mídia, além de aspectos individuais como autoestima, capacidade de resolução de problemas e expectativas funcionais com relação ao uso de álcool e outras drogas são aspectos fundamentais para a compreensão do desenvolvimento de comportamentos prejudiciais à saúde entre os jovens – entre eles o consumo de álcool e outras drogas, sejam lícitas ou ilícitas (Schenker; Minayo, 2005 apud Paiva e Ronzani, 2009).
Sabe-se da importância do sistema familiar nas intervenções para prevenção e tratamento da dependência de álcool e outras drogas. Políticas públicas, setoriais ou institucionais poderiam desestimular, conter ou contribuir para a reversão desses dados. A eficácia das políticas públicas, postas em xeque à medida que dados novos apontam mais frequentemente para o incremento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas, sejam lícitas ou ilícitas, deve ser o ponto central desse debate (Monteiro; Araujo; Sousa; Martins; Silva, 2012).
Reis e Silva (2009) sugerem que a educação em saúde na adolescência deve ser reconhecida e desenvolvida por autoridades, família, escola, profissionais de saúde e a comunidade em geral. Nesse processo, segundo os autores, a equipe multidisciplinar deve articular-se com a equipe educacional (ou seja, a escola), comprometendo-se com a comunidade e a família, promovendo debates, reflexões, estudos e metodologias diferenciadas no atendimento a adolescentes e jovens de forma preventiva e de atendimento aos jovens e adultos que frequentam a escola e que se encontram em situação de risco.
O trabalho de prevenção na escola terá mais possibilidade de bons resultados se for construído e realizado de forma coletiva, inserido no currículo e desenvolvido ao longo da escolaridade, não apenas de forma pontual em momentos específicos (Albertani, 2013). Com a integração no foco de prevenção, a metodologia deve ter como fundamentos a participação dos educandos, a promoção da reflexão e do diálogo, a facilitação do autoconhecimento e a construção de conhecimentos e de posturas favoráveis a uma vida autônoma e responsável. O trabalho de prevenção na escola, baseado na perspectiva de redução de riscos e danos, é uma consequência natural e legítima de um processo educacional lúcido e competente do qual se beneficiam alunos, professores, funcionários, famílias e a própria escola, na construção de uma sociedade mais crítica, saudável e responsável (Albertani, 2013, p. 16).
Conclusão
No Brasil, os esforços dirigidos para o atendimento dos aspectos psicossociais envolvidos no uso abusivo de álcool e outras drogas entre os jovens poderão contribuir para o fortalecimento de políticas de saúde e educação que tenham como foco a promoção de uma vida mais saudável entre adolescentes, pais, escola e sociedade, além de ampliar os conhecimentos de diferentes profissionais que lidam cotidianamente com os desafios impostos pela questão das drogas em nossa sociedade.
Esta pesquisa pretende demonstrar a importância da conscientização pela escola, pela família e pela sociedade em geral como medida de prevenção e proteção dos nossos jovens e adultos, alunos das escolas públicas da cidade de Antônio Martins-RN, ressaltando que tais informações podem tornar-se um importante referencial para a formulação de ações de prevenção na escola, na família e na sociedade antoniomartinense em geral.
Sabemos que a adolescência é uma fase da vida muitas vezes geradora de conflitos, indagações e questionamentos que impulsionam o adolescente à busca de solução para os seus problemas momentâneos. Nessas buscas, as drogas, lícitas ou ilícitas, podem surgir como possibilidade.
Quando falamos em consumo de drogas, sabemos que ele acompanha a história da humanidade, estando presente durante todo o processo civilizatório. As circunstâncias desse consumo, no entanto, variaram bastante ao longo dos tempos e ainda hoje são diferentes, dependendo do contexto em que tal uso ocorre (Almeida, 2011).
Segundo essa autora, na trajetória histórica dos povos nota-se que o consumo de drogas foi adquirindo características próprias, ora privilegiando o uso ritualístico e religioso, ora o uso medicinal, ora o uso agregador e, mais recentemente, a contestação. Hoje, a utilização de substâncias psicoativas nas sociedades modernas reflete as transformações sociais e econômicas dos últimos séculos, que ocasionaram mudanças em muitos costumes. Assim, os tempos modernos fizeram surgir novas motivações e novas formas de obtenção de substâncias psicoativas, tanto por jovens como por adultos de todas as classes sociais. O álcool é a substância psicoativa mais utilizada no mundo. Porém, no que diz respeito ao consumo por adolescentes e jovens, constata-se que a introdução do seu uso tem se dado por influência de “colegas, amigos ou conhecidos”; esse caminho muitas vezes é trilhado para chegar ao uso de outras drogas.
Nesse sentido, é importante que sejam desenvolvidos programas de orientação, prevenção e esclarecimento junto aos mais variados segmentos da sociedade (escolas, família, comunidade), a fim de prevenir a dependência e encaminhar para tratamento possíveis casos relacionados ao uso e abuso de drogas, sejam elas lícitas ou não.
Referências
ALBERTANI, Helena Maria Becker. O professor e a prevenção do uso de drogas: em busca de caminhos. In: Prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados. Salto para o Futuro, ano XXIII, boletim 23, nov. 2013.
ALMEIDA, Nemésio Dario. Uso de álcool, tabaco e drogas por jovens e adultos da cidade de Recife. Psicol. Argum., v. 29(66), p. 295-302, jul./set. 2011.
BATISTA, Ana Priscila; BALLÃO, Cléa Maria; PIETROBON, Sandra Regina Gardacho. Programa de prevenção ao uso de drogas no contexto escolar. Revista Conexão, Ponta Grossa, s.d.
FONSECA, Marília Saldanha da. Como prevenir o abuso de drogas na escola? Psicol. Esc. Educ., Campinas, v. 10, n. 2, dez. 2006.
MARQUES, Ana Célia Petta Rosetti; CRUZ, Marcelo S. O adolescente e o uso de drogas. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 2, s. 2, dez. 2000.
MONTEIRO, Claudete Ferreira de Souza; ARAUJO, Telma Maria Evangelista de; MARTINS, Maria do Carmo de Carvalho e; SILVA, Layany Luize Lima e. Adolescentes e o uso de drogas ilícitas: um estudo transversal. Enferm. Uerj, Rio de Janeiro, v. 20(3), p. 344-348, jul./set. 2012.
PAIVA, Fernando Santana de; RONZANI, Telmo Mota. Estilos parentais e consumo de drogas entre adolescentes: revisão sistemática. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 14, n. 1, p. 177-183, jan./mar. 2009.
REIS, Franklin Cristiano; SILVA, Anderson Aquiles. Adolescência: consumo de álcool e outras drogas. Enfermagem Integrada, Ipatinga, v. 2, n. 1, jul./ago. 2009.
Publicado em 09 de abril de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
GOMES, Manoel Messias. Consumo de drogas lícitas e ilícitas entre jovens nas escolas da cidade de Antônio Martins-RN. Revista Educação Pública, v. 19, n. 7, 9 de abril de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/7/consumo-de-drogas-licitas-e-ilicitas-entre-jovens-nas-escolas-da-cidade-de-antonio-martins-rn
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