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A televisão e a criança
Eliana Gomes Pereira Pougy
Bacharel em Comunicação Social pela FAAP, mestranda em Psicologia da Educação pela FE/USP e autora da coleção Criança e Arte - descobrindo as artes visuais (Ática).
A televisão continua sendo o meio de comunicação social mais importante na vida do homem contemporâneo. A criança é uma telespectadora assídua, pois busca entretenimento numa sociedade que a confina no espaço doméstico e que não oferece opções de lazer. A relação criança/televisão preocupa os adultos que convivem com essa situação (tanto pais quanto professores). Ela é polêmica e pouco pesquisada.
Segundo tese dissertada na ECA, no período de 1980 a 1997 foram realizadas 40 pesquisas sobre essa relação. Essas pesquisas foram realizadas principalmente nas áreas de Comunicação, Educação e Psicologia. Em linhas gerais, as conclusões dessas pesquisas são:
Para a criança pré-escolar, a televisão constitui-se num jogo simbólico, como as brincadeiras infantis. Do mesmo modo que ela sabe que está brincando e que sua brincadeira é de mentirinha, a criança tem consciência que aquilo que está passando na tela da tv é o mundo representado em sons e imagens em movimento.
Ao ver tv, ela consegue transitar entre o mundo real e o mundo da fantasia rápida e frequentemente, como faz ao brincar. Ela relaciona-se com a tv do mesmo modo como se relaciona com tudo a sua volta: em alguns momentos, sua atenção dirige-se para o que está vendo e ouvindo, até distrair-se com outras atividades.
A criança sente-se atraída pela programação infantil das emissoras, principalmente pelos desenhos animados, porque neles existem representações de mitos e arquétipos, que, segundo Jung, dialogam com nosso inconsciente. Inconscientemente a criança exorciza seus medos, desenvolvendo suas estruturas mentais. Através dos desenhos animados a criança entende valores como justiça, esperança ou abandono na linguagem mágica do "faz-de-conta". As novelas também atraem a criança pois elas falam sobre a identidade social, como por exemplo: a procura de um filho trocado na maternidade, problemas de incesto, problemas de vida e morte.
A criança vai construindo seu conhecimento sobre o meio simbólico televisão conforme vai crescendo. Quando chega aos 6 anos ela sabe diferenciar os momentos em que a tv mostra fantasia e quando mostra realidade, e já compreende como a linguagem da tv é estruturada. Ela reage aos estímulos apresentados de acordo com sua personalidade, seus interesses, sua maturidade psíquica, e em função de seu ambiente familiar. A criança não é um telespectador passivo.
A relação tv/criança é mediada por diversos fatores sócioculturais, portanto a influência que a tv possa exercer na criança em idade escolar é determinada pelo contexto em que ela vive. O que a criança traz para frente da tv é tão importante quanto o que a criança recebe dela.
A criança na faixa dos 6 aos 12 anos absorve conceitos, estereótipos, normas de conduta e valores culturais transmitidos pela programação da tv, e esses conteúdos influenciam sua visão de mundo. Em geral, eles refletem a ideologia dominante. Em muitos casos, a tv é a fonte de informação e de formação mais influente na vida da criança contemporânea, e, em geral, tanto em casa como na escola, a programação da tv não é problematizada. Cabe à criança lidar sozinha com aquilo que vê e ouve. Portanto, é preciso haver uma conscientização de pais, professores e sociedade em geral quanto à importância de questionar e analisar criticamente a televisão e sua programação, e, assim, formar hábitos de telespectador crítico.
É necessário derrubar a barreira da resistência presente em muitos educadores em relação a assumir uma nova postura sobre o uso e o estudo da mídia no processo ensino-aprendizagem. A escola tem um papel fundamental na formação de um telespectador mais crítico. É importante delinear e por em práticas políticas educacionais coerentes que deem lugar à análise crítica da mídia. Já existem ações, principalmente nas escolas públicas de São Paulo, como o Educom.tv, que visam capacitar os professores a utilizarem a linguagem televisiva em sala de aula.
Segundo a pesquisa referida anteriormente, as pesquisas realizadas no período de 1980 a 1997 enfocam principalmente a influência da televisão na percepção da realidade, na educação, no desenvolvimento e no comportamento das crianças. Além disso, enfocam as preferências infantis quanto à programação da tv, como ela compreende as mensagens e como a mediação da família e da escola pode influenciar na relação criança/tv, inclusive apresentando uma proposta educativa.
Minha pesquisa, que está sendo realizada em nível de mestrado na FE/USP, enfoca a relação criança/emissor das mensagens televisivas. A criança, principalmente depois dos 6 anos, já compreende o processo de comunicação. Portanto, através das mensagens que ela recebe pela tv, vai formando sua percepção sobre quem é ou quem são os emissores/autores da outra ponta do processo de comunicação social.
A hipótese que proponho é que a relação entre a criança e o emissor é afetiva, pois a comunicação mediada pela televisão nada mais é do que uma relação entre pessoas, meros sujeitos em uma relação social. Mas, afinal, quem é o emissor da televisão? Ele é anônimo, escondido, nunca mostrado claramente. A autoria na televisão ainda é um assunto controverso. Será que a percepção da criança quanto à sua relação com o emissor influencia a percepção que a criança tem de outras relações sociais? Será que ela sente-se frustrada por não se comunicar efetivamente com o emissor das mensagens? Será que essa relação pode influenciar o modo como a criança encara a autoria de um modo geral?
Minha pesquisa vem acrescentar um novo enfoque ao estudo da relação criança/tv, e preocupa-se principalmente com a relação social contemporânea, mediada pela tecnologia e pela linguagem das mídias eletrônicas, suas origens, seus mecanismos e os resultados psicológicos dessa relação em várias gerações de crianças.
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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