Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Ciberespaço, a ambiguidade do concreto e do abstrato

Marcelo Solé Wanderley

Geógrafo e aluno do curso Exclusão Digital e Ciberespaço da Fundação Cecierj

Estudar e conhecer as origens do ciberespaço e as consequências de sua existência é importante para compreendermos como espaço e sociedade estão organizados atualmente.

O meio técnico-científico informacional é o requisito para a criação das redes técnicas de computadores (concreto), as quais, por meio de seus fluxos, geram o ciberespaço (abstrato). Essa distinção entre concreto e abstrato é apenas um recurso inicial para distinguir fixos de fluxos, pois o ciberespaço é composto, simultaneamente, de elementos concretos e abstratos.

Entendemos o meio técnico-científico informacional como o período em que o homem não utiliza apenas o que a natureza disponibiliza, como no meio natural. Também não é apenas uma mecanização do território, como no meio técnico. Entendemos que as mudanças inferidas no território não são atribuídas apenas a máquinas, por mais modernas que elas sejam. O meio técnico-científico informacional vai além. Assim observou Milton Santos: "Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação".

Neste contexto, temos a formação das redes, que normalmente têm as suas definições divididas em duas matrizes: "a que apenas considera o seu aspecto, a sua realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social".

Concordamos que devemos estudar as redes considerando tanto a realidade material da rede (concreto) como o dado social (abstrato). Só assim, conseguiremos refletir o real significado das redes, pois elas apresentam uma infraestrutura, que contém, entre outros equipamentos, cabos submarinos e satélites. Mas a rede também é "[...] social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a frequentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração". 

Com a criação e a utilização da infraestrutura (os fixos), surgem as trocas de informação (os fluxos). Da interação entre fixos e fluxos, cria-se o ciberespaço, que é entendido como "[...] uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais [...]. As relações sociais no ciberespaço, apesar de virtuais, tendem a repercutir ou concretizar-se no mundo real. Marca, portanto, um novo tipo de sociedade".

O ciberespaço é muito mais do que computadores conectados. Ele necessita de que essa rede seja utilizada e gere fluxos. Sem isso, ele não existe. Ele traz em seu bojo muito mais do que a troca de informações por redes de computadores. Em virtude da velocidade com que essas trocas se efetuam, todo um paradigma e uma relação tempo/espaço são modificados. David Harvey, em 1993, já nos alertava sobre essa mudança, chamada por ele de compressão espaço-temporal. Como explica a professora Michéle Tancman:

a velocidade dos medias eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo, substituindo a noção de tempo-duração por tempo-velocidade e a instantaneidade das relações sociais. O tempo permeado pelas novas tecnologias eletrônico-comunicacionais é marcado pela presentificação, ou seja, pela interatividade on-line, de fato constatado nas tecnologias de telepresença em tempo real que alteram nosso sentido cultural de tempo e espaço.

O progresso da técnica observado no meio técnico-científico informacional, em conjunto com a compressão espaço/tempo e com o uso das redes pelos agentes capitalistas, modificou a sociedade até um ponto que temos de concordar com Manuel Castells, que diz ser a sociedade atual uma sociedade informacional, na qual a informação não é apenas utilizada (todas as sociedades a utilizam), mas sim "[...] o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico".

O ciberespaço modifica a sociedade, o trabalho, o lazer e o relacionamento entre as pessoas. Uma reunião de trabalho não necessita de que os presentes estejam em uma mesma sala, pois agora existe a teleconferência. Adolescentes se reúnem para jogar War (jogo da Grow, empresa de brinquedos especializada em jogos de tabuleiro) pela Internet. Provavelmente, eles jogam com pessoas que nem conhecem. Mas como o espaço é afetado e como afeta a sociedade na passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional?

A transição, na década de 1970, do meio técnico para o meio técnico-científico informacional não pode ser vista apenas como desenvolvimento tecnológico. O entendimento das consequências dessa mudança é o que nos permite compreender as atuais relações do homem com o território e a ascensão da produção flexível em substituição ao modo fordista de produção. Essa transição modificou o território, que sofreu um processo de cientificização, tecnicização e informacionalização, conforme explica Milton Santos: "Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico informacional é a cara geográfica da globalização".

Neste momento, é interessante reforçarmos a noção de que as redes são a base física para o ciberespaço, e, em alguns trechos do nosso trabalho, rede e ciberespaço podem ser entendidos como sinônimos. Assim Milton Santos relaciona redes ou ciberespaço com espaço:

As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico informacional. Sua qualidade e quantidade distinguem as regiões e lugares, assegurando aos mais bem dotados uma posição relevante e deixando aos demais uma condição subordinada. São os nós dessas redes que presidem e vigiam as atividades mais características deste nosso mundo globalizado.

Essa dinâmica cria distorções e diferenciações no espaço, tanto nos países centrais como nos países periféricos. Áreas mais ou menos desenvolvidas ou espaços luminosos e espaços opacos são identificados deste modo:

Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos.

Além das distorções entre países centrais e países periféricos, existe a distorção dentro dos próprios países, conforme observa Castells:

Dentro dos países, há também grandes diferenças espaciais na difusão do uso da Internet. As áreas urbanas vêm em primeiro lugar, seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, e as áreas rurais e as pequenas cidades ficam consideravelmente para trás em seu acesso ao novo meio [...]. O atraso na difusão da Internet em áreas rurais foi observado nos Estados Unidos, na Europa e, mais ainda, nos países em desenvolvimento.

O meio técnico-científico informacional, como vimos, modificou e continua modificando o espaço e a sociedade. As redes e, consequentemente, o ciberespaço são uns dos grandes expoentes do meio técnico atual. Por isso, não podem ser desprezados ou ignorados em estudos sobre espaço, trabalho ou lazer. Se, como alguns estudiosos acreditam, a Geografia não deve ou não tem recursos teóricos para estudar o ciberespaço - embora não concordemos com isso -, é interessante reler um dos mais importantes geógrafos brasileiros:

Cada vez que as condições gerais de realização da vida sobre a terra se modificam, ou a interpretação de fatos particulares concernentes à existência do homem e das coisas conhece evolução importante, todas as disciplinas científicas ficam obrigadas a realinhar-se para poder exprimir, em termos de presente e não mais de passado, aquela parcela de realidade total que lhes cabe explicar.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.