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Crítica, razão e liberdade
Pablo Capistrano
Folósofo e professor
Outro dia eu me peguei pensando: "por que danado eu trabalho como professor?". Essa é uma pergunta recorrente para quem leciona. Mas eu evito fazê-la porque existem alguns argumentos muito comprometedores para se deixar a sala de aula e ir ganhar a vida de outro modo nesse Brasil de miséria moral. O salário, a falta de prestígio social da classe, as condições de trabalho, tudo acabam empurrando você para um estado de apatia e descrença. Por isso eu evito pensar muito nisso, para não comprometer a qualidade do meu trabalho e tornar a minha vida de professor um calvário torturante e melancólico.
Mas nesse dia eu me peguei na armadilha de saber os motivos que me fazem toda noite entrar numa sala de aula ao invés de ir para o cinema ver Sin City. Pode parecer idealismo idiota, mas eu acredito no potencial revolucionário da educação. Acredito mesmo que, se existe um sentido para a vida nesta terra deve ser a de ajudar um maior número de pessoas a atingir a sua maioridade intelectual, através da crítica fundamentada, do exercício da razão e da prática da liberdade de pensamento.
O direito a educação, tão badalado na carta de 1988, só pode ser atingido quando essas três ferramentas se tornam elementos presentes no dia a dia dos cidadãos. Acho que, para se atingir uma meta desse porte, a iniciativa privada e as políticas públicas do Estado devem encontrar seus lugares. Faculdades privadas e universidades públicas não são instrumentos autoexcludentes. Podem mesmo ser partes complementares de um mesmo processo, em níveis diversos. Outro dia uma professora amiga minha externou sua revolta diante da dificuldade de se implantar um curso de especialização gratuito em uma universidade federal. O argumento utilizado contra o projeto era o de que haviam especializações pagas no curso dela e se fosse instalada uma especialização gratuita seria montada uma espécie de "concorrência desleal". Ora, estranho isso, não? Parece fazer muito sentido de que uma especialização seja paga em uma faculdade privada e é até possível imaginar as razões que levam uma universidade pública a montar um programa de especialização que não seja gratuito. Mas causa uma grande estranheza quando universidades públicas começam a fazer dos cursos de pós-graduação gratuitos não uma regra, mas sim uma exceção.
O direito a educação tem dois pilares fundamentais, o da busca da universalização do esclarecimento e o da liberdade acadêmica. Se esses dois pilares são desconsiderados qualquer proposta de reformulação do homem por meio da educação fica comprometido. Por universalização deve-se entender fundamentalmente a construção de possibilidades amplas e isonômicas de aceso a educação. Para quem é branco, pardo, negro, amarelo ou roxo com listras cor de rosa. Para quem tem grana e para quem não tem. Para quem é de esquerda, direita ou ambidestro. Por liberdade acadêmica deve-se entender a prerrogativa sagrada de se falar o que quiser, se pensar o que achar mais coerente e se expor publicamente o próprio discurso, não importando o quão aparentemente hediondo ou infundado esse discurso venha a ser. A máxima é dada por Kant no seu texto clássico sobre o esclarecimento (Was ist Aufklärung?): "Sapere Aude! Tem coragem de fazer uso do seu próprio entendimento!". Esse é um clamor comovente de um velho filósofo que bradava seu grito de combate para uma terra devastada pela miséria moral, pela ignorância e pela pequenez do pensamento e pelo medo da liberdade. Pode parecer patético, pode parecer romântico, mas eu ainda tenho o mau hábito de acreditar nesses princípios. Quando o movimento do tempo me vencer, impondo a minha mente cansada a sentença da história e aposentar de vez esses ideais, eu enfio o giz no bolso e vou fazer outra coisa da vida, afinal ela é muito curta para a gente perder tempo fazendo o que não acredita.
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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