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Fundação Getúlio Vargas volta-se para o ensino médio

Leonardo Soares Quirino da Silva

Afastada há cerca de 20 anos, evento marca esse retorno

Como o objetivo de se tornar um fórum de aperfeiçoamento do ensino médio brasileiro, a Fundação Getúlio Vargas marcou sua volta à área com o I Seminário Desafios do Ensino Médio, realizado em  agosto deste ano, no Rio de Janeiro.

N a abertura, o presidente da Fundação, professor Carlos Ivan Simonsen Leal, observou que a FGV já teve uma escola modelo - o Colégio Nova Friburgo - que funcionou entre 1950 e 1977, ressalvando que a intenção da Instituição não é ter novamente uma escola.

- Atualmente nossos planos são de desenvolver ideias, ser um fórum para troca de ideias, para o aperfeiçoamento do ensino médio brasileiro.

No primeiro dia do evento, além do presidente da FGV, se apresentou o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Henrique Paim.  Foi organizada uma mesa redonda com a professora Suely Druck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, o professor João Bosco Pitombeira, da PUC-Rio, e os professores Miguel Jorge e Thales Couto Filho, que ensinam matemática no ensino médio e na graduação da Fundação Getúlio Vargas.

O segundo dia do fórum, foi  discutido o ensino de História. A primeira mesa foi sobre a Reforma do Ensino de História na França, em 1983, e a discussão sobre o conteúdo dos livros didáticos. O tema foi apresentado pela professora Brigitte Gaitte, da Universidade de Paris IX, e comentado pela professora Armelle Enders, da Universidade de Paris IV.

A mesa redonda nessa noite foi sobre o ensino de história, com a participação do professor Holien Gonçalves Bezerra da Universidade Federal de Goiás, do professor Américo Freire do CAP/UFRJ e do Cpdoc/FGV e da professora Marly Motta, do Cpdoc/FGV.

Perfil do professor brasileiro de ensino médio

Segundo o presidente da FGV, o aperfeiçoamento do ensino médio é percebido pela fundação como a soma de três vertentes importantes. A primeira delas é recursos humanos e treinamento. A outra vertente são as metodologias de ensino e as tecnologias de difusão. Por fim, a terceira vertente é a gestão escolar.

Em sua apresentação, Carlos Ivan centrou-se na análise de aspectos ligados à primeira vertente. Com base em dados copilados pelo professor Marcelo Néry, chefe do Centro de Políticas Sociais, o presidente da FGV apresentou um perfil do professor brasileiro de ensino médio frisando que perfis desse tipo servem para orientar as políticas de recursos humanos e treinamento a serem adotadas.

- Quando a gente desce ao detalhe e procura ver se a coisa vai funcionar,  começamos a entender que muita coisa não vai funcionar. Se eu tiver uma política de recursos humanos que seja incompatível com a estrutura familiar - com essa característica feminina de estrutura familiar - não vai dar certo. Se eu tiver um treinamento que diga: 'olha, vou treinar os professores, vão ganhar pelo treinamento, mas o trabalho será de sábado, durante o dia, de 6h30 ás 9h30', aí metade vai dizer que o marido não vai estar de acordo.

Os dados apresentados pelo presidente da fundação foram retirados do censo do IBGE e comparam os professores com a População Economicamente Ativa (PEA) - parte da população dedicada à produção de bens e serviços ou, mais simplesmente, as pessoas que trabalham.

O primeiro resultado importante é que, no Brasil, as professoras dominam o ensino médio. Enquanto as mulheres são 37,7% da PEA, elas são 95,3% das professoras de ensino médio.

Isso acaba refletindo no percentual de professores que são chefes de família. Se no total das pessoas que trabalham no Brasil 50,8% delas são chefes de família, 52,2% dos professores de ensino médio são cônjuges.

Outra característica dos professores de ensino médio é o grande percentual deles que é filho e ainda mora com os pais. Enquanto na PEA os filhos representam 23,5% do total, entre os professores de ensino médio eles são 26,1%. Como observou Carlos Ivan, isso faz que a renda desses filhos seja a segunda, caso a mãe não trabalhe, ou terceira renda da família.

Os professores na faixa de 30-35 anos e 36-40 anos são menos numerosos se comparados com a população ocupada. Isso coincide com a idade, entre 28 e 35 anos, em que muitas mulheres querem ter filhos, tendo efeitos na política de recursos humanos

O professor Ivan afirma que se ele fosse estabelecer uma política de treinamento e de capacitação, levaria em conta essa queda. Como esses programas são investimentos, seria necessário que sua implementação fosse acompanhada de estímulos para que pessoa permanecesse na carreira.

Outra observação feita por Carlos Ivan é que a média dos nossos professores é extremamente conservadora dos pontos de vista sociológico e antropológico. Enquanto 29,8% da PEA casou-se tanto no civil quanto no religioso, entre os professores esse número é de 45,3%.

Esse comportamento conservador também pode ser observado ao se comparar os percentuais das uniões consensuais em um e em outro caso. Só 5,4% dos professores vivem dessa forma, contra 17,5% da população ocupada.

Ele também chama a atenção para a concentração dos professores nas grandes cidades, quer em termos percentuais, quer per capita. Para Carlos Ivan, isso obrigaria os interessados em fazer o ensino médio procurarem os grandes centros.

O levantamento revelou ainda que 58,65% dos professores de ensino médio com curso superior são formados em pedagogia. Em segundo lugar estão os formados em letras, com 12,19%, e em terceiro os psicólogos, com 3,36%.

Por parâmetros de qualidade para a matemática

Durante sua apresentação, professora Sueli Druck enfatizou a necessidade de parâmetros nacionais de qualidade para o ensino de matemática. Para ela, esse é o maior desafio do ensino médio.

Ela comparou o ensino médio com a pós-graduação, programa que considera que tenha dado certo. Ao contrário do professor do antigo segundo grau, os de pós não vivem isolados e têm acesso a laboratórios, à internet e aos colegas.

Por outro, lado, os cursos de mestrado e doutorado são submetidos a avaliações regulares da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), com notas que variam de quatro a sete.

Sueli observa que, com base nos critérios da Capes, os professores dos cursos de pós sabem o que têm a fazer para melhorar sua posição no ranking, o que não aconteceria no ensino médio.

Efeitos no ensino

Ela observou, ainda, que há escolas que estão usando de sua autoridade na formulação de currículos para suprir conteúdos que ela considera extremamente importantes. Os casos citados são o ensino de trigonometria e o do teorema de Pitágoras.

- O fato de não aprender trigonometria não vai tornar o aluno um aluno com problemas em matemática, mas sim num aluno que não vai aprender física, porque a matemática reflete em outras áreas.

Contudo, o caso mais escandaloso que Sueli teve conhecimento foi o de uma região inteira do país onde as escolas públicas não ensinam o Teorema de Pitágoras. Ela denunciou o fato em artigo no Jornal da Ciência e recebeu, em resposta, inúmeros e-mails de professores que diziam que o mesmo estava acontecendo em suas escolas.

Na sua opinião, essa discussão estava por trás da adoção da política de cotas.

- Se nosso ensino médio, principalmente nas escolas públicas, onde estudam mais de 80% dos brasileiros, tivesse qualidade, não teríamos que discutir o problema de cotas.

Professores reprovados

Sueli chama a atenção para o problema da qualidade na formação dos professores, que considera um dos tópicos mais importantes da questão do ensino de matemática.

Durante dois anos ela foi da banca do Provão. Segundo ela, o comitê fazia uma prova em comum e depois fazia uma prova em separado para bacharelado e licenciatura. Esta constava de 70% de matérias do ensino médio e fundamental. E o terrível é que a grande maioria dos futuros professores tirava em geral zero. A professora ainda ressalva:

- Sem nenhum medo de errar, afirmo que 80% dos professores que estão sendo formados não conhecem o conteúdo que eles têm que ensinar. Com esse tipo de professor nós não teremos ensino de qualidade, seja ensino médio seja ensino fundamental.

Alternativas

Para o professor João Bosco Pitombeira (PUC-Rio), é essencial saber bem matemática para poder ensinar. Por isso, sugeriu, por um lado, que a licenciatura fosse feita nos institutos e departamentos de matemática, por outro, que o curso de licenciatura fosse separado do de bacharelado, porque neste o ensino não é linear.

Para o professor Thales do Couto Filho, deve-se exigir do professor da rede pública que ele estude, "porém tem que se dar as condições necessárias."  Thales citou como exemplo os cursos oferecidos pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada.

História: Livros didáticos franceses

As atividades do segundo dia do seminário foram iniciadas com a apresentação da pesquisa da professora Brigitte Gaitte (Paris IX), comentada pela professora Armelle Enders (Paris IV) sobre a reforma no ensino de história na França de 1983.

Segundo a professora Armelle, até 1983, o currículo de história do último ano do ensino médio tinha como último ponto a II Guerra Mundial, que geralmente não era ensinada por falta de tempo e por não ser cobrada no exame do baccalauréat. Esse exame existe na França desde 1808 e serve de chancela para a entrada na universidade.

Essa reforma resultou das discussões políticas ocorridas no final da década de 1970. O primeiro debate foi sobre os franceses que colaboraram com a aplicação das políticas antissemitas do governo alemão de ocupação e do governo de Vichy.

Outro tema sensível, e que ainda desperta paixões, é a Guerra da Argélia. Esse conflito é especialmente importante em razão da vinda de até um milhão de pessoas para a França na época da independência da Argélia.

Isso mostra a importância para o estudo da história, como mostrou a  professora Armelle Enders, do presentismo. Esse conceito, desenvolvido pelo historiador François Hartog, mostra que a relação com o passado é dominada pelos os interesses presentes.

Justamente por isso, Armelle acredita que os debates sobre os estudos de história contemporânea serão cada vez mais quentes.

Reforma curricular

No fim dos debates dos anos 1970, a solução que a sociedade francesa chegou foi a de reafirmar o papel da história na formação para a cidadania - a história cidadã -, daí a inclusão no currículo do terceiro ano do período que vai da II Guerra Mundial até esses mesmos anos 1970.

Para a professora, o impacto dessas medidas foi duplo. No campo da pesquisa histórica, resultou na valorização dos estudos de história contemporânea ou do tempo presente, como é chamada lá. Até então, o foco das pesquisas acadêmicas eram a Idade Média, a Revolução e o século XIX, sendo o período pós-guerra em geral pesquisado por jornalistas.

O segundo efeito dessa medida foi sobre os professores do ensino médio e, em especial, sobre os autores de livros didáticos, que tinham que preparar para ensinar algo não investigado. A solução foi recorrer aos livros escritos pelos jornalistas e as memórias dos homens de Estado na elaboração dos livros.

Como resultado, o primeiro livro didático trazia um aviso sobre os problemas em sua elaboração. Porém, os didáticos elaborados em 1983 vão dar o tom por mais de uma década, como observou Brigitte. Ela estudou todos até 1998.

No Brasil, como na França

Oferecer aos alunos a possibilidade de refletir criticamente sobre sua existência e o tempo em que vivem é o objetivo do ensino de história no ensino médio, segundo o professor Holien Gonçalves Bezerra, da Universidade Federal de Goiás. Holien foi membro da comissão do MEC que estudou a reforma dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de história no ensino médio.

Os trabalhos foram orientados por três perguntas. A primeira,  como situar o ensino de história. Depois, quais as questões fundamentais que devem ser abordadas. Por fim, as perspectivas de ação pedagógica.

As propostas foram apresentadas em cinco seminários regionais e um nacional.

Com base nessas discussões, de acordo com o professor Holien, o fundamental do ensino dessa disciplina é tentar construir, com base nos textos acadêmicos, quais os conceitos fundamentais da história como conhecimento.

Entre os resultados das discussões, estão os nove conceitos básicos que devem nortear os trabalhos. Dentre esses conceitos estão: a necessidade de se pensar as fontes e mostrar como o processo de conhecimento se dá; o processo histórico, onde os fatos necessariamente são interrelacionados;  a memória e os cuidados que se devem tomar para que ela não seja um artifício do poder, e, sim, de toda a sociedade.

Cesgranrio e currículo de história

As apresentações dos professores Américo Freire e Marli Motta tinham em comum a distância existente entre o ensino de história e a pesquisa universitária.

Em sua apresentação, Américo destacou a influência do vestibular unificado no que ele chamou de rigidez na elaboração dos programas de história do ensino. Essa rigidez se deve a influência do vestibular no ensino médio.

Américo observou que a Fundação Cesgranrio apostou na mudança ao contratar para a banca de exames professores mais à esquerda da UFF e da PUC, que deram mais ênfase às histórias moderna e contemporânea. Com isso, o ensino de história antiga e medieval perdeu importância.

Coincidência ou não, as pessoas contratadas para a banca eram as mesmas que estavam desenvolvendo pesquisa de ponta nas universidades.

Américo também notou que, mesmo após o fim do vestibular unificado, o programa continuou sendo adotado nos exames de seleção das universidades.

Para ele, a permanência desse programa se deve ao fato de a "esquerda" acadêmica ter garantido viés mais científico no programa, brigando com os tradicionalistas e com os radicais. Ele lamenta, contudo, o crescente distanciamento entre o conteúdo ensinado nas escolas e a pesquisa universitária.

Para professora Marli Motta o livro História em curso - o Brasil e suas relações com o mundo ocidental, escrito por ela e pelos professores Américo Freire e Dora Rocha é uma iniciativa no sentido de reduzir a distância entre o ensino médio e a academia.

Publicado em 5 de setembro de 2005.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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