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Língua Portuguesa - uma conversa à mesa

Luís Estrela de Matos

Poeta por (in)vocação, contista e professor universitário.

A maior de todas as heranças é uma língua, define a ordem. Corrente, coerente, impura, devassa, a língua se mostra rubra e clássica.  -  defende um bom modernista. Ela vive nas trovas e desce pelas encostas, aponta o estudioso. Arranha a costa continental e se mistura a essa outra tão impura quanto esta. Alcança os cheiros e os temperos, observa o cônego faminto (ah... grande EÇA). O que fazer na Índia se não esperar o império alastrado? - afirma o nobre... destemperado. E a África não foi a mesma e Portugal se viu aberto, fendido, difuso e maltrapilho, pelas ruas de Lisboa. Lisboa??? Ahhh, pessoa... Enquanto não foi isso, CAMÕES é ovacionado e vaiado. Tem a corte e tem o Degredo... quem o não conhece? Saudade é coisa que nunca arrefece. Saudade é lusa, vocábulo tão prenhe de melancolia que os portugueses nem precisaram de filosofês. O mediterrâneo vive ali. Gregos e latinos falam pelo viver, e dizer, de uma língua. Mas a língua é viva, se não fenece. É preciso não fenecer, é preciso recorrer... então, antes que os padres e algozes da corte fechassem totalmente os céus pátrios... homens atiraram-se em caravelas por terras talvez (quem sabe?) nunca dantes navegadas. Não era só a fome... havia o sonho e o desejo... e o Quinto Império atiçou o começo de uma história que já existia e quando mal percebemos ela se finda... Mas não finda na língua. Há que se amar Itacoatiaras, Piratiningas, Jaboatãos, Itabaianas, e tantos dizeres fortes que nem de regras precisavam. A língua era viva. Iemanjá, Oxóssi, e esse quinto império fincou espaço e tornou-se messiânico. Espera-se a chuva no nordeste. Até hoje. Espera-se que deus, sendo brasileiro, não se esqueça de ser humano. E Sebastião nunca vem... Por onde andará tiãozinho? Então que ribamares nos povoem, que genésios e ramalhos nos digam do futuro o que todos aguardam .

Mas os teimosos ficaram e fincando pé... desenharam... pelas areias infindas da costa teimosa de Vera Cruz... versos perdidos e autos arrependidos de um sonho além-colônia, além-império... onde homens seriam humanos e humanos seriam os sonhos. Utopia? Claro... Thomas Morus só rabiscou depois que soube das terras brasilis... Sem o sem lugar, sem o lugar algum, como imaginar? Se imagino o mar... ele já existe. Preciso de um não lugar, daí o sangue judeu que corre em minhas veias. Minhas? Mas são tantos  silvas, tantos ribeiros, tantos matos e tantas terras e plantas e flores... que a esquizofrenia se fez doce... E tão doce que muitas marias nem souberam de seus joaquins, de seus pedros e de seus gamas perdidos (ou encontrados) no meio de tantas novas vergonhas. Além de betas e alfas (que vivam os gregos) é preciso ter gama, e muita, para saber o que é um Vasco. Cabralinamente vejo João de Melo Neto acertando no branco do papel o caminho certeiro do verso lapidado. Cabral teve a sua coragem e depois de Ulisses... toda a vida é uma grande odisseia. Que fale Guimarães de todas as veredas... Neste grande ser tão que é a vida é preciso ser argonauta... é preciso ser marinheiro, não para arrefecer no porto mas para respirar o do instante que ser carne. Seja. Que fale o autor das grandes veredas: viver é perigoso. Mas é cuidadoso... e a língua, onde fica? Além de espuma e dentes, ora alviços mais além amarelados, é preciso que a boca fale e que as palavras saiam do papel e ganhem ruas, becos (grande bandeira, levantou o Manuel) e sejam sapos os poemas, e sejam as pedras o caminho de novos poemas... e sejam o luxo-lixo-luxo dos CAMPOS esse grande risco que é o dizer. Pois que dizer... todos dizem... e se soubéssemos que todos podem não haveriam dominados nem dominadores. Pois... ou pegamos nossa língua (velha puta goda, visigótica, latina canina e clássica, moçárabe e judia, africana e tão índia como nós...) ou então desistamos de tentar ser qualquer coisa. Quando pegarmos com vontade em nossa língua... quando todos os povos fizerem essa loucura... só aí poderemos esperar uma democracia... um democratrismo linguístico feito de respeito e de tolerância... talvez aí nem os irãs, nem os turcos, nem os americanos, nem os franceses tenham lugar. Penso com pessoa o que de todos haverá de ser:

Minha língua é minha pátria ... Faaaaaaaaala Mangueira!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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