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O tempo e as contramarchas do tempo

Antonio Jorge Gouvêa

Especialista em Gestão para Educação Ambiental

Ana viu o tempo

Olhando pela janela, Ana viu o tempo. Chovia. Fazia um friozinho morno dentro da sala. A sua condição atual não permitia que ela saísse. Também, com um tempo daqueles!

A sua existência era real na sua consciência. Embora tardiamente, a realidade era distorcida com os fatos passados. A presença de outros seres a fazia perguntar-se o que ocorrera. O que houve? Era tudo tão, mas tão real!

Que sonhos, que nada. Era o momento onde a sua presença estava em acordo com o presente. O futuro nada dizia. O passado se comprimia em seu peito. Será que ainda sou real? Perguntava-se... O que foi o possível de entender. Existia o impossível de nossas existências. Estava distoante com o tempo. O possível se realizou no espaço e no tempo de sua vida. Estava escrito nas estrelas, como dizia o poeta. Era determinante. Seria o real, possível? Ou seria o possível, real? E a sua existência? De novo esta ladainha que não tem fim...

Fim? Que seja virtual enquanto existir. Ou que seja infinito enquanto dure! (Você foi real!!). E agora, José? O tempo acabou... Lá vem você de novo.

Ana pensava. E seu pensamento ia distante. Era um pensamento onde um acontecimento surgira em sua vida. Pára!

O virtual na concepção do existir realmente. É uma in-direção do todo nas partes do todo. É uma complementação do existir em que tempo for para existir. Está lá. Guardado. Espera e pá. Sai e evolui, cresce, remete a outras concepções. Objetos de formas consistentes. A reinvenção do todo e das partes que irá ao todo e assim em sequência no tempo e no espaço dos tempos...

Não há divagações. Há uma produção de virtualidades que surge anterior ao tempo de agora e ao tempo de ontem. Já estava ali. Surge. Há determinação. Inexiste inanimação.

O Homem surge

Vejamos a criação. O Homem surge. Quando? Qual seu tempo? E a evolução? Que surgimento altera a sua criação, a sua invenção, a sua forma a partir da sua intensa configuração de forças em dinâmica anterior e posterior às suas performances como ser da evolução. Crô o quê? (baixinho)... É Magnon... Magnon? É... Bobagens. Já existia. É o virtual da existência. Lembra Ana e os seres? São a evolução no tempo e no espaço. (Quase esqueci o espaço!). Deus?! O espaço... Como pude esquecer o espaço? E agora, como encaixar o espaço? Pensar... Ai, às vezes dói... Pensar dói? Dói... A semente! Caramba! A semente. Vai ser a salvação...

O espaço surge na abstração do tempo. Seu real vai se assemelhar ao possível. Como entender isto? Veja só, fala Ana aos seres. Seu você está no seu real você, pode não pertencer ao atual. Sacou? Não, não saquei nada. Isto é enrolado, Ana, responde um dos seres.

Olha só: Se o real tem semelhança com o que pode ser possível na nossa vida, o atual em nada vai se parecer ao virtual. Lembra da semente e da árvore que está dentro dela? Lembra da bactéria que faz simbiose com uma arquea nos 3,8 bi de anos atrás, ela era virtual e real ao mesmo tempo naquele tempo, naquele espaço, neste tempo, neste espaço. O atual se foi meu brother. Já era...

O ser ainda por não ser. Ele é real e virtual. Diz do que faz, com que estado de pré-definição está o seu atual. Com a virtualização do momento eu entendi assim. NÃÃÃÃO... Tá furado este teu raciocínio. Olha a dinâmica, cara. Ruiu... Caiu...

Pensa: a virtualização pode ser entendida como o x-1 da atualização. Caramba, é isto mesmo! A entidade x considerada é elevada a potência de -1. É o inverso...

Fala-se em mutação. Mutação genética. DNA - polimerase. Faz mutação. Pode ser vantajosa ou não. Em biologia as mutações vantajosas são a base da seleção natural. Por quê?

Mexeu no meu queijo! Agora lascou como relacionar os alhos com bo(u)galhos. Esqueci. É o ou u? Não importa. Isto, matei a pau.

Se todas as fitas de DNA fossem idênticas à parental, não haveria variação entre os organismos. Assim, uma das propriedades fundamentais dos sistemas biológicos, a mutabilidade, estaria comprometida e a variabilidade das espécies não ocorreria. Seríamos todos idênticos. Outras histórias entram no processo. Seguindo em frente...

Aí está o deslocamento do centro de gravidade do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade, perpassa o atual e, na sua essência, virtualiza a condição e submete-se à condição particular de redefinir a atualidade.

A condição de mutabilidade já insere uma condição de transformação. O texto acima remete a esta questão que não é paradigmática. A interferência na organização celular, dentro do seu mais importante arcabouço replicativo, dá a dimensão de que a virtualização da célula consiste acima de tudo na condição primordial de se replicar e distribuir a carga genética para os seus descendentes num espaço-tempo em que os processos se justapõem, originando outros descendentes e, assim, sucessivamente.

A condição replicativa remete a outra consideração. Transformar a atualidade inicial em uma condição mais geral de formação celular, quando um tecido tem sua formação embrionária estabelecida com a distinção que o organismo remete. Isto é, cada macaco no seu galho. Célula de fígado é célula de fígado. De rins, de rins. E, assim, por diante.

Voltamos à Matemática, principalmente à Vetorial. Remete a condição de se estabelecer o que diz o termo vetor. O que vetorializa a criação da realidade. O vetor é um ente matemático que necessariamente deve ter: sentido, comprimento e direção. É, antes de tudo, um segmento orientado. Ele não está presente pois surge como ente matemático abstrato. Sedimentaliza-se ou materializa-se somente na nossa concepção em distinguir a sua força. Chama-se vetor ao conjunto infinito de todos os segmentos orientados equipolentes a AB, ou seja, o conjunto infinito de todos os segmentos orientados que possuem o mesmo comprimento, a mesma direção e o mesmo sentido de AB.

Esta é a visa matemática, paradigmática agora em sua extensão, no entendimento da sua definição em contrapartida ao não estar presente.

Espaço físico alterado pela percepção

Quando lançamos mão de um hipertexto com suporte informático, tendemos a experimentar uma porção que define um espaço físico de dimensões alteradas pela nossa percepção. Quando o endereço da casa de Ana é determinante para ela e para aqueles que desejam se comunicar, o seu momento atual torna-se transitório na medida em que o tempo que ela ocupa é um tempo espacial. O que vem a ser isto, necessariamente? É real na medida em que não pode ser virtual. É preciso, naquele momento, naquele instante de existência, não sofre alterações. Não se desterritorializa. É "perene". A oposição do virtual é com a consistência do atual.

Com a consistência da comunicação virtual, podemos projetar a nossa percepção e ter uma base em afinidades com a comunicação dos espaços, em tempo real.

Quando Ana se vê com os seres, ela e eles são membros reunidos em torno de uma questão que se reinventa a cada instante, em cada modificação que surge, em cada dúvida que emerge de seus pensamentos e vontades. A presença na casa surge como uma elementar condição do estar no tempo e espaços definidos pela situação do tempo. O tempo que é frio, como falado. O tempo virtual que pode se alterar ao longo do seu próprio espaço-tempo.

Ela externaliza os seus pensamentos com aqueles que estão como membros ativos dentro da sala da casa, e conversa com eles. Eles são reais. Mas a atualização de seus momentos se dá em escala mais virtualizada que se possa perceber com a nossa não-presença. Não estamos lá, juntos com ela e com eles. Quando falam entre si estão em perceptível contato. Quando se virtualizam, sendo um só, ou vários ou mesmo muitos, quando se tornam não-presentes,  se desterritorializam. O espaço geográfico medido, físico, temporal, onde o clock do calendário determina a verdade referencial, pode se tangenciar na curva do tempo e extrapolar de lugares comuns para lugares de navegação virtuais e em redes complexas de interação subjacentes.

Quando o telefone toca, Ana se submete a atender com o processo de auditiva passiva numa condição de operadora da cadeia telefônica ormada, que é virtual. O espaço-temporal, como diz Pierre Lévy, substitui com temporalidade o espaço virtual somente para torná-lo mais virtual ainda.

Os espaços da tecnociência, dos meios de comunicação, são também aqueles que estruturam a realidade social com mais ímpeto na condição de externalização dos seus aspectos mais fortes e mais extensivos na medida em que submetem a razão e a emoção.

A realização da extensão virtual

Os movimentos tangíveis dos tempos e dos espaços nos levam a pensar na realização da extensão do virtual. O que nos faz alcançar, dentro da elasticidade em revisão, das conexões em velocidade-luz, em migração de formas evidentes de reestruturação dos espaços atingidos, surgem como uma real dimensão do mundo na singela extensão virtual e cronológica percepção do imaginário. O tempo e o espaço surgem da elementar estrutura formadora de cada forma de vida que existe sobre a face da Terra. A mutação dos seres, da vida em sua essência mais complexa (uma bactéria é um ser extremamente complexo), imagina-se a modificação do sistema por esta via. Sempre mudar para atingir a mudança que virá para todo o mundo que existe.

O universo universal. É gozado se falar sobre isto, mas é a pura verdade. Se é verdade o que cremos ser verdade. Todo o universo da cultura existente, toda extensão que esta variabilidade (mutação) exerce, faz sentido no contraponto de se admitir os espaços e as temporalidades que subjetivamente "administramos". Estes espaços possuem sistemas que são aproximativos e há uma coexistência na malha criadora.

Em parágrafo anterior eu falei cada macaco no seu galho. Torna-se interessante dizer que a multiplicação dos espaços faz de nós macacos saltitantes. Que pular de galho em galho remete à nossa linha de força e de migração conquistadas a constantes desvios de rotas a estender-se em redes cada vez mais complexas e penetrar em sistemas que se intercruzam e se interpenetram.

A mobilidade que tendemos a experimentar dá uma visão de territorialidade extensiva à nossa incapacidade de atingir outros pontos que se superpõem em caminhos que podem sugerir que o homem, ao se tornar bipedal, caminhou pelas savanas da África e subjugou o seu passado inglório de "humanoide", insurgindo-se na raiz de sua existência e pulando para uma condição de ser presente e sapiente na velocidade que o tempo sugeriu.

Assim como fazemos esta digressão, podemos entender perfeitamente a verdade da onda de virtualização que percorremos hoje. Quando se fala da exclusão digital, se fala da exclusão virtual ou real? Se diz da comunicação que alguns ainda não tiveram a condição de atingir ou ainda se generaliza o transporte dos elitizados, dos incluídos? Incluídos em quê? No digital que entendemos, ou pensamos que o fazemos, ou conspiramos contra nós mesmos quando ao longo dos processos de metamorfose "evoluímos" para territórios que ocupamos, e para outros que não ocupamos e não nos deixam ocupar?

Todas as revoluções surgiram do anseio de mudanças. Todas as mudanças surgiram do anseio de conquistas, de desbravar o desconhecido, de criar coisas que só têm limites claros no real.

Conforme diz Pierre Lévy: "é preciso colocar a heterogênese no seu patamar mais aceito, mesmo sendo pouco edificante. Em contraponto ao que diz sobre a alienação, que reduz à coisa ao "real".

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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