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A Cigarra e a Formiga

Mônica Mandarino

Este texto nasce da experiência vivida no CEDERJ nos últimos dois meses. Tenho trabalhado e trocado experiências com muitos professores universitários envolvidos na produção de materiais didáticos para cursos de Educação a Distância (EAD), das mais diversas áreas do conhecimento. A riqueza destes encontros e o esforço de compreender as dificuldades vivenciadas nesta relação são aqui minha principal motivação.

Quem são os personagens com quem venho trabalhando? Que são professores universitários eu já disse, mas quem são eles? Bem, são professores das Universidades Públicas Federais e Estaduais do Estado do Rio de Janeiro (UFF, UFRJ, UNIRIO, UFRRJ, UERJ, UENF). São doutores ou mestres em suas áreas de conhecimento e experientes no exercício da docência. As áreas são as mais diversas: da Informática à Filosofia, da Matemática ao Inglês Instrumental, da Química à Geografia, da Biologia à Pedagogia. Mulheres, homens, com muito ou pouco tempo de serviço em suas Instituições de origem, com as mais variadas visões de mundo, opções de vida, otimistas, pessimistas, estressados, criativos, tradicionais, autoritários, liberais, dogmáticos, etc. Diversidades (no plural mesmo) é tudo que tenho encontrado!

Mas o que estes professores (docentes como costumam ser chamados) têm em comum?

São acadêmicos! Na imensa maioria dos casos, acostumados a escrever artigos para congressos, revistas científicas, enfim para seus pares. Alguns são autores de teses e/ou livros teóricos em suas áreas de conhecimento, mas poucos, muito poucos, já experimentaram escrever um livro texto voltado para os alunos de suas disciplinas.

Estão envolvidos (por opção consciente ou não) num grande projeto de Educação Superior a Distância, o projeto mais arrojado de educação dos últimos tempos. No entanto, nunca trabalharam com EAD. Por outro lado, todos aceitaram o desafio e se consideram capazes de cumprir mais esta tarefa, confiantes na competência do seu saber específico e na experiência no ensino presencial. Mas vamos em frente, aprender fazendo é nosso lema !

Caro leitor, não fique assustado, vamos conseguir é outro lema.

Neste ponto, razoavelmente localizada a questão que me motiva a escrever, gostaria de dividir com vocês algo mais do que uma impressão. É uma ideia, um painel ou quadro que "pintei" pensando na minha missão e em tudo que tem acontecido nos encontros e reuniões com meus colegas de docência. De repente lembrei-me de uma fábula que me pareceu adequada para ajudar a compreender nossas dificuldades. Com certeza todos conhecem a fábula da cigarra e da formiga, não é mesmo?

Listo, a seguir, algumas características destes famosos personagens e conclamo os leitores a buscar identificar, como eu venho fazendo, semelhanças e diferenças entre os personagens da fábula e nós, professores universitários (autores do CEDERJ).

As cigarras são vaidosas. Costumam gostar de expor seu canto e seu encanto, sem preocupação de serem flagradas cantando em locais ou horários inadequados, roucas ou desafinadas.

Cigarras são confiantes na qualidade de seu canto, mesmo quando alguns discordam desta qualidade, ou se sentem incomodados com a cantoria.

Cigarras são insistentes, cantam sempre um mesmo canto, que qualquer um reconhece como sendo de cigarra. Se engasgam, sempre recomeçam, incansavelmente, de onde pararam. Isto nos faz lembrar como as cigarras são, na verdade, repetitivas. São capazes de cantar um mesmo canto várias vezes, num mesmo dia, por dias seguidos e em verões consecutivos.

Cigarras são competitivas, cada uma tenta cantar mais alto do que a outra, transformando, muitas vezes, seus cantos num barulho ensurdecedor.

Cigarras trabalham com prazer. Adoram executar sua tarefa de cantar.

Cigarras lembram alegria de viver e a estação mais alegre, badalada e gostosa de nossas vidas (o verão).

Os professores têm muito de cigarras, não é mesmo? Cigarras multiplicadoras de conhecimento e de experiências vividas, cantando sempre, orgulhosas de sua tarefa e da beleza de seu canto.

E as formigas? Será que elas são apenas trabalhadoras, chatas, organizadinhas e pouco criativas? Para alguns, a memória da fábula "A cigarra e a formiga" marca uma lição positiva do que é certo e errado. Para outros, a visão dicotômica entre prazer e trabalho, apresentada pela fábula, é um tanto equivocada e eu me incluo neste segundo grupo. Seja qual for sua opinião, após observar mais as formigas acabamos todos reconhecendo suas qualidades.

A seguir destaco algumas características das formigas, muito necessárias ao desenvolvimento de nosso trabalho como autores de materiais didáticos.

A fábula nos mostra como as formigas são prevenidas. Elas planejam suas tarefas tendo uma meta a longo prazo e objetivos nada imediatos. Este planejamento inclui controle de prazos e tarefas (tudo deve ser feito antes que o inverno chegue), quantidade de material necessário (volume de reserva de alimentos para que seja suficiente para todo o inverno), etc. Planejamento, muito planejamento!

Formigas são trabalhadoras contumazes! A obstinação torna possível o cumprimento das metas planejadas para que não lhes falte nada na "hora H".

As formigas não medem esforço para realizar seu trabalho. Quem nunca se admirou com uma formiga carregando um fardo maior ou mais pesado do que ela mesma?

Você já notou a capacidade investigativa das formigas? Elas descobrem qualquer restinho de alimento, por menor que seja, que tenha caído, esteja esquecido ou tenha simplesmente melado o chão ou sua mesa de trabalho. Sua capacidade de busca é quase inacreditável ...

Formigas preferem o trabalho em equipe. Descoberta uma nova fonte, elas imediatamente avisam suas companheiras, pedem ajuda. Feito o contato, elas carregam juntas coisas grandes, fazem revezamento para evitar o cansaço e, às vezes, me parece que há algumas que têm a função de apoiar, abrir caminho, enfrentar os primeiros desafios, etc.

Formigas são persistentes. E como! Elas não desistem de uma tarefa facilmente. Descansam um pouco do fardo, tentam outra vez, insistem, insistem...

Formigas são organizadas não só para a realização do trabalho, mas também com seu formigueiro. Para que o armazenamento seja possível, os caminhos estejam livres, o estoque seja controlado e possa ser utilizado quando necessário, é preciso um formigueiro organizado.

Você já experimentou impedir o caminho das formigas? Observe como elas arranjam uma solução criativa para o problema.

Com certeza, para escrever materiais didáticos para EAD, não basta ser cigarra ou formiga. Precisamos de algumas características de ambos os personagens. Precisamos, sobretudo, refletir acerca de nossas dificuldades e detectar suas causas. Necessitamos mudar alguns hábitos, ter consciência de nossa responsabilidade e ter clareza da dimensão de nossa tarefa.

Fico por aqui, pois meu objetivo é a reflexão - ou quem sabe a provocação.

Deixo como registro pessoal um último lema: pensar e mudar vale a pena!

* Professora da Escola de Educação da UNIRIO. Professora autora do CEDERJ (disciplinas Matemática na Educação I e II do curso de Pedagogia a distância). Consultora da equipe de material didático do CEDERJ. Coautora do Manual do Material Didático do CEDERJ.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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