Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

As inovações tecnológicas a serviço da educação

Ivônio Barros

Presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT)

Desde fins do século XIX, as grandes invenções ou inovações tecnológicas do mundo das comunicações têm sido associadas ao seu potencial de uso pela educação. Primeiro foi o telégrafo, depois o telefone, em seguida o cinema, e assim por diante. Essa era a ideia que inventores e visionários tinham tanto da tecnologia como da educação. Juntavam uma a outra, porque as valorizavam ao máximo e desejavam ver suas invenções produzindo benefícios para toda a humanidade.

Nem tudo, ou muito pouco, do que se imaginou nos primórdios do século passado, com relação a essa ligação tecnologia-educação, foi posto em prática. Há explicações de toda ordem. O professor Lauro do Oliveira Lima, em seu livro Para que sevem as escolas (ed. Vozes, 1996), nos fez refletir a partir de seu instigante e polêmico posicionamento sobre o lugar que tem o educador no processo de formação do cidadão e nos afirma que a educação foi a área que menos se benefciou dos avanços científicos dos últimos séculos, por resistência dela própria.

Se quisermos absolutizar essa questão, certamente iremos encontrar inúmeros exemplos que venham a nos desmentir, não só aqueles que sejam representativos da criatividade e da investigação de pesquisadores e pensadores como J. Piaget, mas também os exemplos práticos de escolas que buscam superar os modelos tradicionais. Contudo, em geral, é muito difícil dizer que o professor Oliveira Lima csteja equivocado. O modelo de educação que se aplica hoje, do ponto de vista da relação ciência‑educação, é muito mais próximo do modelo educacional desenvolvido a partir da evolução da prática dos mosteiros medievais (séculos XII e XIII) do que de algo que possa representar a síntese do conhecimento humano na medicina, psicologia, eletrônica, comunicação etc.

Comparando os métodos de ensino praticados àquela época e os em vigor hoje, é certo que diferenças haverá, mas dificilmente se poderá imaginar que houve revoluções que transformaram substancialmente a prática pedagógica e, principalmente, o uso de recursos para a aprendizagem. O espaço fisico, a forma de organização de turmas, a sala de aula, o quadro-negro, a separação dos horários, os exercícios, os estímulos, o currículo escolar, o credenciamento, o formalismo etc. estão presentes desde pelo menos há 600 anos com características primárias muito semelhantes.

Nesse processo, talvez o que tenha marcado mais as mudanças no ensino não seja a forma de ensinar nem de aprender, as técnicas e os métodos usados, mas sim as questões de caráter social, ideológico e ético. As mulheres, hoje, são maioria, por sua própria competência, luta e obstinação, nos sistemas de ensino, como alunas e mestras. O castigo físico foi incluido e, depois, excluído do processo pedagógico. A Igreja Católica não é mais a instituição de maior responsabilidadc pela educação, que passou a ser uma função do Estado. Isso não significa, de modo algum que a história da educação não seja rica; ela o é tanto quanto a história das ideias e do processo civilizatório.

Contudo, ainda permanece, como característica de nossas sociedades, certa dificuldade em encontrar outra forma de disseminar os saberes acumulados e de construir o processo da socialização inteligente por meio de forma diversa daquela adotada desde mais de um milênio, com a aplicação de tecnologias diferentes das utilizadas naqueles tempos.

A tecnologia tem assumido, porém, um papel de elemento de pressão sobre os processos de ensino e de aprendizagem:

Quarenta anos depois que Gutenberg converteu um antiga prensa de lagar em máquina impressora, com tipo móvel, havia imprensa em 110 cidades de seis diferentes países. Cinquenta anos depois que a imprensa foi inventada, mais de oito milhões de livros haviam sido impressos, quase todos eles cheios de informação que antes era inacessivel à média das pessoas. Havia livros sobre direito, agricultura, política, exploração, metalurgia, botânica, linguística, pediatria e até sobre boas maneiras. [...] Assim. tanta informação nova, dos tipos mais diversos, foi gerada, que os impressores já não podiam mais usar o manuscrito do copista como modelo do livro. Em meados do século XVI. os impressores começaram a experimentar novos formatos, sendo que entre as inovações mais importantes estava o uso dos algarismos arábicos para numerar as páginas.

A impressora de Gutenberg, em razão do processo social e econômico que dava origem à nova ordem capitalista, serviu para disseminar conhecimentos, potencializar o poder das ideias. A palavra poderia, então, caminhar mais rapidamenlc que o autor. Não se tratava somente de infomação que fluía, mas de bases para a construção de novos conhecimentos que se disseminava. O estudante podia ter acesso, talvez com a mesma facilidade que o mestre, aos conhecimentos, às ideias e às informações que estavam sendo tratados na escola ou na universidade.

A reação não tardaria, podem dizer alguns:

A invenção do que é chamado de currículo foi o passo lógico para organizar, limitar e discriminar as fontes de informação disponíveis. As escolas tornaram-se as primeiras burocracias seculares da tecnocracia, estruturas para legitimar algumas partes do fluxo de informação e para desacreditar outras. Resumindo, as escolas eram um meio de governar a ecologia da informação.

Nesse caso, usando novamente um conceito amplo de tecnologia, o currículo é uma tecnologia de organização do processo de ensino, formada sob a base de uma determinada cultura que, por um lado, podia estar preocupada em sistematizar e orientar o processo didático para a melhor forma de se transmitir determinado conhecimento, como também poderia ser um meio (ideológico) de controlar essa transmissão de conhecimentos e valores.

Provavelmente a forma mais acertada de se entender a resistência da escola e dos agentes educacionais seja a de perceber esse comportamento como não sendo impeditivo do desenvolvimento de novas metodologias e técnicas pedagógicas ou mesmo como sendo incapaz de promover a negação absoluta da incorporação de novas tecnologias ao ato educativo, mas, antes de tudo, como uma resistência que retarda a incorporação dessas inovações, até mesmo, em certos casos, como manifestação de precaução de cautela diante dos modismos passageiros.

Contudo, o importante é saber e compreender que o processo de formalização do ato educativo é algo com caracteristicas históricas, é construído a partir dos anseios, dos descjos, das realidades sociais, econômicas e políticas, das relações culturais, dos conflitos e dos acordos, enfim, tanto a educação em geral como suas instituições e mesmo as teorias, as metodologias e as técnicas são criações das sociedades, dos homens e das mulheres. E, assim, têm começo, meio e fim; ou, melhor dizendo, podem mudar, transformar-se em outras formas de se educar ou de possibilitar a construção individual e social do conhecimento.

O mais importante é ter a mente aberta ao novo. Não como modismo, mas como meio de achar meios para cumprir melhor a missão dos educadores, buscando formas de ampliar o acesso de jovens e adultos à educação, quer na forma do ensino regular formal, quer como educação continuada ou educação permanente.

Melhor ainda se essa ampliação das oportunidades de acesso estiver acompanhada da elevação da qualidade da educação.

Abrir a mente à mudança, ao novo, neste momento, mais que ficar correndo atrás de tecnologias de última geração, significa pensar formas de flexibilizar o sistema de ensino, imaginar processos que ajudem a construir o caminho que os cidadãos vão trilhar nos próximos anos, com a adoção de currículos mais adaptados às exigências no mundo moderno (e do futuro de incertezas) ou com a introdução de novos conteúdos, mas principalmente que venha no sentido de olhar o aluno como sujeito que deve ser capaz de pensar com criatividade, que tenha autoestima, que possa enfrentar mudanças profissionais e de valores.

Nos casos de dificuldades materiais, orçamentárias e políticas para se mobilizar o que tem de mais avançado em tecnologia material, deve-se mobilizar a criatividade tecnológica que está em cada um, fazendo com que mudanças possam operar no seio do jeito tradicional da se fazer educação.

Fonte: Tecnologia Educacional, ano XXXI, n. 161/162, abr./set. 2003.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.