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Bactérias e Antraz

Maria Cláudia de Freitas

Mestre em Linguística pela PUC - Rio

Os casos de contaminação por Antraz, nos EUA, têm despertado muita curiosidade a respeito desta pequena e letal bactéria. Que tal aproveitar esta curiosidade "natural" dos alunos para entender melhor as bactérias? Afinal, elas estão no mundo há bem mais tempo que nós, e estão por todos os lugares....

As bactérias são os menores organismos celulares, e também os mais antigos e mais abundantes do mundo, já tendo sido descritas mais de 1600 espécies no mundo. Qual o segredo de tanto sucesso?

  1. velocidade com que se dividem (em outras palavras, velocidade com que se multiplicam)
  2. versatilidade metabólica

Com relação à velocidade da divisão, para se ter ideia, em condições ótimas bastam 20 ou 30 minutos para uma população bacteriana conseguir se duplicar. Se pensarmos que nós, seres humanos, levamos cerca de 9 meses, e ainda assim não estamos falando de duplicação da população... (é claro que as formas de "reprodução" nossas e das bactérias são completamente diferentes, mas a grosso modo, a comparação serve para se ter uma ideia da diferença no tempo necessário...) Concretamente, a reprodução - ou divisão - das bactérias pode se dar de duas maneiras: a forma mais comum é através da duplicação de material genético. Bactérias se duplicam e depois se dividem em duas. Uma segunda maneira, um pouco mais rara, precisa de duas bactérias, que se associam. Uma passa material genético para outra, e aquela que recebeu o material genético se divide em duas. A reprodução da bactéria causadora do antraz se enquadra no primeiro caso.

Já quanto ao segundo segredo do sucesso - a versatilidade metabólica - basta dizer que algumas bactérias conseguem resistir a ambientes sem água ou sem oxigênio - coisas impensáveis para muitos organismos. O segredo, na verdade, é o enorme poder de adaptação ao ambiente que as bactérias têm. Algumas formam esporos secos, formas latentes, que as permitem sobreviver por longos períodos (anos) nas condições mais adversas, como calor ou frio extremos, ausência de água ou de ar.

Mas qual o papel destes organismos? Tão pequenos e tão numerosos?

Bactérias atuam como decompositoras: quebram (decompõem) e reciclam material orgânico que pode ser usado pelas plantas. Bactérias são, portanto, ecologicamente importantes.

Algumas quebram material orgânico no corpo de organismos vivos, participando de sua digestão. Aliás, muitos organismos abrigam diversas espécies de bactérias, inclusive nós.

Existem bactérias essenciais para a vida daqueles que as hospedam. A vaca, por exemplo, só consegue digerir celulose porque, dentre outros fatores, possui no estômago certas bactérias que nós não possuímos. Já o fornecimento de vitamina K, necessária à coagulação do sangue, deve-se em parte à ação de algumas bactérias.

Quando o metabolismo das bactérias produz substâncias tóxicas ao hospedeiro, acontecem as doenças, tanto no ser humano como em outros animais. Um pequeno número de espécies de bactérias se encaixa nesta categoria - as chamadas bactérias patogênicas. A pneumonia, por exemplo, é causada por um tipo de bactéria, o diplococo. A tuberculose também acontece por ação de bactérias. Outra bactéria que costuma ser citada nos casos de guerra biológica é a C. botulinum, causadora do botulismo. Neste caso, a infecção acontece quando ingerimos alimentos enlatados contaminados. Há poucos anos tivemos, no Brasil, casos fatais de botulismo devidos à ingestão de conservas de palmito contaminadas. Mas, em geral, os casos de botulismo são raros no Brasil, principalmente porque não temos, em nossa cultura, o hábito de fazer conservas em casa.

As bactérias patogênicas podem ser transmitidas de várias formas: pelo ar, pelo alimento, pela água e até mesmo pelo ato sexual, como é o caso da sífilis e da gonorreia.

E, acreditem, existem ainda as bactérias com "valor comercial": são aquelas utilizadas na produção de vinagre, coalhada e queijos. Assim, o vinho vira vinagre por ação das bactérias, e do mesmo modo, o leite se "transforma" em coalhada e em queijo.

O Antraz

Foi há apenas um século que se associou a presença de bactérias à ocorrência de certas doenças.

E, já em 1881, Luis Pasteur desenvolveu uma vacina contra o antraz, que assolava os rebanhos bovinos e ovinos na França desde 1877.

No Brasil, a vacina contra o antraz foi desenvolvida por volta de 1916, pelos cientistas Alcides Godoy e Astrogildo Machado, do Instituto Oswaldo Cruz.

O Bacillus antracis, bactéria causadora do Antraz, é um bacilo grande, formador de esporos, que mata 90% das pessoas que contamina. Os esporos são muito resistentes ao calor e à desidratação e podem sobreviver durante décadas dependendo das condições do solo - estamos falando da tal versatilidade metabólica.

Para levar à doença, o esporo do B. antracis deve:

  1. entrar pela pele - antraz cutâneo, que corresponde a 95% de casos de antraz que acontecem naturalmente no mundo, e cuja taxa de mortalidade é de 20% dos casos;
  2. ser ingerido - antraz gastrointestinal, com mortalidade entre 25 e 60% dos casos;
  3. ser inalado - antraz de inalação, com taxa de mortalidade de 99% dos casos.

A infecção dos animais se dá através da ingestão do esporo, quando o animal pasta em terra contaminada ou come alimentos com o bacilo. No homem, a infecção acontece através da ingestão de carnes contaminadas (mal cozidas) ou por exposição agrícola ou industrial a carcaças, pele, lã, pêlos e ossos contaminados.

A modalidade cutânea do antraz é facilmente tratada com antibióticos.

Já a contaminação pelo ar é tão rara quanto letal. O período de incubação é de 1 a 6 dias, e os sintomas iniciais se parecem com o de um resfriado: mal-estar, fadiga, dores no corpo e febre, como também uma tosse e dor moderada no tórax.

Embora muito esteja sendo discutido sobre guerra biológica, é bom lembrar que elas não são novidade.

No século VI a.C., assírios envenenaram os poços de seus inimigos com fungos. No mesmo século, Sólon de Atenas, durante o cerco de Krissa, envenenou o suprimento de água com uma erva venenosa, purgativa. Em 1346 d.C.o exército da Tartária (região da antiga União Soviética), durante o cerco a Kaffa, atirou corpos infestados com pragas sobre os muros da cidade. Os defensores foram obrigados a se entregar. Dizem ainda que, no século XV da era cristã, durante a conquista da América do Sul por Pizarro, ele aumentou suas chances de vitória presenteando os nativos com roupas carregadas com o vírus da varíola. Do mesmo modo, em 1763, índios das Américas foram presenteados com dois cobertores e um lenço contaminados com varíola.

Finalmente, em 17 de junho de 1925, o protocolo de Genebra baniu o uso de armas biológicas, no primeiro acordo multilateral que estendia a proibição de agentes químicos a agentes biológicos.

Fontes:

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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