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Betinho e a ética na política
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Há oito anos, em 9 de agosto de 1997, faleceu Herbert de Souza, o Betinho. Ele fundou o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) com Carlos Afonso e Marcos Arruda, após a anistia e a volta do exílio. Nos seus últimos 15 anos de vida como militante político que sempre foi, Betinho levantou muitas questões fundamentais para a democracia brasileira em construção. Tornou-se um ativista da sociedade civil e defensor de causas públicas de grande destaque, dada a sua capacidade de instigar, comunicar e animar atores e grupos os mais diversos.
Algumas campanhas fundamentais para a democratização do Brasil tiveram em Betinho um visionário, um incansável batalhador e até o seu pivô central. Lembramos aqui o seu papel como secretário da Campanha pela Reforma Agrária, entre 1982 e 1994, quando o tema ainda causava arrepios políticos. Também, a coragem de Betinho de pôr em debate o comércio de sangue e o tabu da Aids. E o que dizer de seu grandioso papel na Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, hoje dando frutos no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e no Ministério de Desenvolvimento Social? Enfim, Betinho tinha um grande faro e senso de oportunidade para, com coragem e ousadia, pôr temas espinhosos para debate e ação pública, levando a iniciativas civis inovadoras.
Os princípios e valores éticos estiveram, é importante lembrar, no centro da reflexão e ação político-cultural de Betinho nos últimos anos de vida (ética na política, aliás, foi o tema do primeiro debate da série Conversas com Betinho, ontem, 10 de agosto, no auditório do GLOBO. Homenagens ocorrerão até o dia 3 de novembro, quando, se fosse vivo, Betinho completaria 70 anos). E há tema mais atual do que este na conjuntura brasileira? A crise política em que está mergulhado o governo Lula nos obriga a voltar ao debate do espaço público e republicano, delimitado por princípios éticos, e a exigir que todas as denúncias sejam apuradas e tanto as práticas como as pessoas responsáveis sejam julgadas. Será que precisamos de um novo movimento pela Ética na Política para que os enormes avanços em termos de democratização no Brasil não se percam, com a decepção tomando o lugar da esperança?
A luta política nas democracias é, por definição, muito contraditória, com avanços e recuos, com possibilidades constantemente ameaçadas por limites reais que decorrem da correlação de forças políticas. Liberdade de opinião e proposta, divergências, oposições, alianças, acordos e pactos dão vitalidade à luta política democrática. É um jogo de ganhos e perdas, em que a incerteza é a regra e a condição do dinamismo da própria luta. Mas existe um critério comum delimitador das condições da luta, que se impõe como imperativo para todas as forças em luta: a ética.
Os valores e princípios éticos dão sentido ao espaço público e são condição sine qua non da própria construção democrática. Ser ético na luta democrática não é uma escolha, mas uma condição indispensável. Não é possível haver democracia se os fins perseguidos justificam os meios. O modo de fazer a luta, para além da legalidade, é legítimo quando fundado eticamente, em valores irrefutáveis. O contrário leva à barbárie, à violência, à lei selvagem do mais forte, aos privilégios, à privatização de bens e espaço públicos, tudo a serviço de quem tem poder e o exerce sem limites.
Diante do quadro de atentado à ética no exercício do poder, que a atual conjuntura política brasileira revela, não podemos ser dúbios ou fracos. O momento é de reafirmar o primado da ética e radicalizar a democracia. O primeiro e fundamental ato de reafirmação da autonomia cidadã e do primado da ética na política é exercer nosso soberano poder de constituintes. Este é o sentido e a oportunidade da série de eventos que o Ibase organiza lembrando a figura pública do Betinho. Compartindo os valores éticos que fundam a democracia, busquemos alternativas políticas para o Brasil!
Publicado em 11/08/2005 no Jornal O Globo
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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