Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Bons conselhos
Maria Eduarda Mattar
Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits)
Introdução
Se contribuir ativamente para a transformação social é a intenção da maioria das organizações da sociedade civil, a consciência sobre o papel dos conselhos é condição que não pode faltar. Primeiro porque eles são uma forma concreta e cada vez mais comum de representantes da sociedade civil organizada ajudarem efetivamente na condução de políticas públicas. Segundo porque, justamente para poder acompanhar e avaliar o que está sendo feito pelos conselhos, é preciso prestar atenção ao trabalho deles.
Na grande maioria das vezes, os conselhos são instituídos por lei. Hoje em dia, existem conselhos de temas e incumbências variadas, nas esferas municipal, estadual e federal. Nesta última, praticamente todos os ministérios têm vínculo com algum tipo de conselho - muitas vezes, mais de um. Na maioria dessas estruturas, a participação de representantes da sociedade civil organizada é prevista; na prática, o respeito a esta representatividade varia de caso a caso.
Nos municípios, onde é essencial que haja conselhos atuantes - afinal, é nas cidades que a população pode participar mais de perto do debate dos temas que irão afetá-la diretamente -, o respeito e a valorização dos conselhos varia de acordo com o tratamento e a importância que a gestão municipal dá a essas estruturas. No entanto, cinco tipos de conselhos de direitos sempre existem - ou deveriam existir - nos municípios e, portanto, são os mais comuns: da Criança e do Adolescente, Saúde, Educação, Assistência Social e Trabalho (neste último caso, o nome dado é comissão, não conselho). As leis federais que criaram os conselhos nacionais em cada uma dessas áreas vinculam o repasse de verbas para o município à criação do conselho municipal de direitos. Assim, a cidade que não tiver os conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, de Saúde, de Educação, de Assistência Social ou a Comissão de Trabalho provavelmente terá menos ou nenhum recurso na área em questão. "A criação os conselhos federais foi o maior impulso para o surgimento dos municipais", comenta Orlando Júnior, diretor de Programas e Projetos e responsável pelo Programa Nacional Direito à Cidade da Fase.
É bom ressaltar que, apesar de esses temas serem os mais comuns nos conselhos brasileiros, existem - em todos os níveis - conselhos para tratar dos mais diversos assuntos, como o Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente e o Consea - Conselho Nacional de Segurança Alimentar. A diferença é que, fora aqueles cinco tipos mais comuns, não existe a "obrigatoriedade" de criação de conselhos municipais e a grande maioria não tem fundos vinculados, ou seja, não existe a necessidade de criação dos conselhos para recebimento dos fundos.
É importante lembrar também que, na área da proteção de crianças e adolescentes, existem ainda os Conselhos Tutelares, de natureza e atuação um pouco diferenciadas das dos conselhos de direitos, porém com estrutura muito semelhante. Graziella Nunes, coordenadora da Rede Andi, explica que os Conselhos Tutelares "estão na linha de frente e recebem todo tipo de denúncia, são responsáveis por garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja aplicado, garantir os direitos das crianças e dos adolescentes. São eles que recebem as denúncias e tentam resolver os problemas".
Os conselhos municipais e estaduais também são instâncias para garantia de direitos, mas têm mais um papel de gestão da aplicação dos recursos dos fundos municipal e estadual da criança e do adolescente e de apoio a garantias para a infância e a adolescência. Os Conselhos Tutelares, assim como os de direitos, são mantidos pelo governo local. Porém a composição também difere: os tutelares são eleitos pelo voto da comunidade que representam e não de organizações.
Democratização da gestão
O papel dos conselhos municipais é deliberativo, ou seja, é tomar decisões sobre as políticas públicas da área tratada. Em outras palavras, a função é decidir o que vai ou não ser implementado, onde os recursos serão alocados, aprovar convênios, propor medidas, enfim, influenciar e democratizar de fato a gestão das políticas públicas locais. Suas composições normalmente são paritárias, ou seja, tem que haver o mesmo número de representantes de cada setor. Por exemplo: deve possuir 50% de pessoas provenientes do governo e 50% da sociedade civil organizada; ou 33% de representantes do governo, 33% da sociedade civil e 33% de técnicos ou acadêmicos.
Segundo Orlando, essa forma de condução das políticas municipais tem obtido resultados. "Pelo que pudemos avaliar, os conselhos estão instalados e o grau de funcionamento deles indica avanço na democratização da gestão das políticas locais", diz ele, que coordenou uma recém-concluída pesquisa sobre conselhos realizada pela Fase e pelo Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal. Essa também é a opinião de Angélica de Jesus, conselheira de Educação do município de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. "Na prática, temos conseguido implementar ações, sim", diz a professora, exemplificando com o fato de os conselheiros terem conseguido estabelecer um plano de cargos e salários para os servidores da área de educação do município.
Alfredo Marangoni, representante da Casa da Cultura/ABM no Conselho de Saúde de São João de Meriti, também acredita que progressos estão sendo obtidos com o trabalho dos conselhos: "Temos conseguido avançar e criar novas dinâmicas,tanto na área governamental quanto na própria sociedade civil organizada. Os avanços estão aquém do que poderiam, é verdade, mas existem", testemunhas.
Ainda assim, porém, algumas dificuldades permeiam a atuação dos conselheiros, como a influência que muitas gestões municipais tentam exercer sobre a composição do conselho e alguns obstáculos de natureza técnica que alguns membros enfrentam. A tentativa de influenciar na formação do conselho, ou seja, na escolha ou indicação de quem deve representar as entidades, é uma das interferências mais comuns.
Mesmo com a exigência em lei de que os conselhos devem sempre contar com representantes das organizações da sociedade civil, prefeitos tentam indicar ou "nomear" esses integrantes - não respeitando a regra que determina que se realize uma eleição. O motivo é óbvio: a intenção de garantir aliados na estrutura, para que as políticas e a destinação de fundos propostas pelo executivo sejam aprovadas sem problemas.
Já as dúvidas de ordem técnica atrapalham na interpretação dos conselheiros a respeito de orçamentos e outros documentos cheios de jargões, fórmulas e regras. É o que experimenta, por exemplo, Márcio Aloísio do Carmo, conhecido como Nélio, membro do Conselho de Saúde de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. "A linguagem técnica e a dificuldade para decifrá-la nos mostram que precisamos de uma assessoria técnica, que poderia ser dada pelos municípios", diz o representante.
Pensando nisso, a ONG paulista Oficina Municipal tem realizado, em parceria com outras instituições, cursos de formação para conselheiros e gestores municipais. "Com certeza, a falta de formação e de material é gritante e constitui uma das principais deficiências que observamos nas pessoas que assumem essas funções", diz Luis Cláudio Campos, membro da entidade e um dos instrutores dos cursos.
Falta de compromisso e conhecimento
No entanto as duas maiores dificuldades encontradas para a atuação plena dos conselhos é a falta de comprometimento dos poderes executivos municipais e o pouco conhecimento da sociedade sobre as atribuições e sobre a própria existência dessas estruturas. Orlando, da Fase, lembra que os conselhos podem ser vistos por algumas prefeituras como uma instância que pode ameaçar o poder municipal. "Os conselhos não são um espaço de poder público, nem é para serem. São arenas de construção de consensos, de mediação de conflitos, de cogestão das políticas", afirma ele, lembrando que, pelo fato de prefeitos se sentirem ameaçados, muitas vezes dificultam o trabalho dos conselheiros. "O trabalho nos conselhos depende do fluxo de informações que chega até eles. Por isso é importante o comprometimento do governo municipal e da secretaria municipal com a qual o conselho se relaciona", defende.
Marangoni também acredita que o compromisso do executivo municipal é importante para que o trabalho dos conselhos aconteça com mais eficiência. "Parece que os executivos municipais se relacionam e encaram os conselhos muito mais para cumprir legislação. Não entram nas discussões como deveriam. Além disso, os conselhos não têm recursos nem formas de divulgação do seu trabalho", diz ele, que está a seis anos no Conselho de Saúde de São João de Meriti.
A falta de conhecimento sobre os conselhos por parte da maioria da sociedade parece ser, no entanto, um dos principais problemas sentidos por todos. "As pessoas levam as demandas para os vereadores ou direto para os prefeitos; desconhecem o conselho, o papel, a essência dessas instituições", reconhece Nélio, de Nova Iguaçu. Segundo ele, "quem tem mais informações é sempre o culpado. Ou seja, os vereadores e prefeitos, que sabem que os conselhos existem, é que deveriam indicar e conscientizar sobre a nossa função". Já Alfredo acredita que o fato de a população não conhecer os conselhos, seu funcionamento e suas incumbências é um empecilho para que possam se afirmar como instância representativa da sociedade civil. "Esse desconhecimento é um obstáculo para a legitimação dos representantes", resume.
Essas dificuldades, sentidas na prática pelos conselheiros, são algo que Orlando nota ao analisar o funcionamento das estruturas. "Observamos que em muitos casos a pouca participação da sociedade nas questões que dizem respeito a ela faz com que os conselhos não sejam fortalecidos. Ou seja, uma variável para que essas estruturas funcionem bem é o próprio grau de mobilização e associativismo da comunidade", diz. Assim, defende Orlando, a sociedade que não tem a capacidade de debater e representar suas demandas, não as têm discutido nos conselhos. "Portanto a participação das pessoas tem que ser constante e o interesse e a participação também".
Feito esse apelo, Orlando resume, como estudioso do assunto, o que tem representado na prática a atuação dos conselhos: "A grande vantagem tem sido, além de democratizar a gestão das políticas públicas, aproximar as políticas cada vez mais da população. E isso é extremamente positivo", conclui. Resta a nós, portanto, apenas nos "aconselharmos" mais sobre os conselhos.
Publicado em 31 de dezembro de 2005
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.