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Brincadeira de índio
Paula Medeiros
Pesquisa revela que os primeiros habitantes do Brasil se divertem com jogos de estratégia, sorte, raciocínio e habilidade
Há 15 anos, o trabalho de Maurício Lima é pesquisar jogos de vários lugares do mundo. Um dia, ele percebeu que não conhecia registro sobre as brincadeiras dos índios brasileiros e resolveu ir a campo para saber como esses povos se divertem. Assim, nasceu o projeto de pesquisa jogos Indígenas no Brasil que, entre outras curiosidades, revelou o jogo da Onça.
"Levantamos um material muito rico, que mostra que a tradição dos jogos e das brincadeiras indígenas está viva no Brasil", diz Lima, um dos fundadores da Origem Jogos a Objetos, empresa que desenvolveu o projeto. Para coordenar o trabalho, ele contou com a ajuda de dois pesquisadores, especialistas em jogos, Alex de Voogt, da Holanda, a Irving Finkel, de Londres, que lhe deram dicas importantes.
Só o trabalho de pesquisa durou 55 dias em visitas a oito aldeias dos povos Kamaiurá, Bororo, Pareci, Kanela, Ticuna, Maioruna, Manchineri e Guarani, nos Estados do Mato Grosso, Maranhão, Amazonas, Acre e São Paulo. O trabalho todo levou um ano para ficar pronto. Quando o trabalho começou, os pesquisadores conheciam o jogo da Onça, mas não sabiam se ele era conhecido e jogado pelos índios brasileiros. A pesquisa provou que sim. Nas aldeias, ele é jogado no chão, onde se desenha o tabuleiro com um graveto. Pedrinhas funcionam como personagens do jogo.
O Jogo da Onça e de estratégia e são 14 contra um. Para brincar, é preciso ter dois jogadores: um joga pela onça, que precisa capturar cinco cachorros para vencer. O outro defende os 14 t cachorros que precisam acuar o animal, sem dar chance para que ele se movimente. O ganhador é quem atinge primeiro o seu objetivo.
Segundo Lima, há pistas de que o jogo tenha surgido há muitos séculos, pois sabe-se que ele foi praticado pelos Incas, no Peru, muito antes de os espanhóis descobrirem aquelas terras. Lá, em uma variante do jogo, no lugar da onça, o bicho acuado é o puma. Também conhecido em lugares como a Índia, onde a briga é entre tigres e cabras, e a China, entre senhor feudal e seus camponeses, ele a chamado de Adugo pelos índios brasileiros.
Além do jogo da Onça, a pesquisa descobriu que os índios conhecem jogos de raciocínio, de sorte e de habilidade e fazem seus brinquedos com materiais que encontram na natureza, como sementes, fibras de árvores, folhas e frutos. Muitas brincadeiras podem acontecer com um simples graveto e muita imaginação.
Por exemplo, os pesquisadores descobriram que os índios Bororos, da aldeia Meruri, além de peteca, cama de gato, pião e bonecas, brincam de "sucuri", uma atividade em que se traça no chão um rastro, como se fosse o deixado pela cobra, e as crianças têm de andar sobre ele numa perna só.
Entre os jogos preferidos dos Parecis estão os que envolvem apostas, em que os vencedores levam objetos úteis, como arcos a cestas. O jogo do Tidymure é praticado apenas por mulheres e se parece com o boliche. No centro da aldeia é montada uma pista retangular. Em cada ponta da pista é colocada uma vareta de bambu com uma semente de milho; as varetas funcionam como os pinos no boliche. No lugar da bola, é usada a fruta do marmeleiro. Os indígenas Mayoruna conhecem uma espécie de bumerangue, que chamam de Bincatë. Os Kanela, no Maranhão, conhecem um quebra cabeça clássico, citado nos livros como Anel Africano, um desafio que deu origem a centenas de outros quebra cabeças em todos os continentes.
Durante a pesquisa, a equipe identificou 45 tipos de jogos adotados pelos índios. Desses, dez são conhecidos também entre os índios norte-americanos: jogos de varetas, cama-de-gato, bilboquê, perna-de-pau, pião, zunidor, arma de pressão, flecha e arco, lançador de bolas e peteca. A cama de gato e o piao foram as unicas brincadeiras encontradas em todas as aldeias visitadas pela equipe.
O resultado da pesquisa virou um documentário, de 30 minutos, e uma versão industrializada do jogo da Onça. Uma série, com 20 mil kits do jogo, foi doada para várias escolas públicas do país, como forma de levar aos não-índios um pouco da cultura desse povo.
Fonte: Revista da TAM, 2005
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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