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Bullying na escola: as muitas faces da agressividade

Marcelo Bessa

Mais uma palavra da língua inglesa vem surgindo, cada vez com mais frequência, na imprensa brasileira. Bullying é essa palavra. Quem pensa que se trata de mais um modismo acriticamente importado, como tantos outros vindos dos países do eixo central do Hemisfério Norte, está muito enganado. Apesar do estrangeirismo, bullying é uma palavra que diz respeito a uma prática que não conhece fronteiras geográficas e/ou políticas e pode ser observada, em graus diferentes, nos quatro cantos do mundo. Em português, ela é, às vezes, traduzida como assédio moral ou físico ocorrido especialmente no ambiente escolar. No entanto, especialistas da área rebatem que não há termo correspondente na língua portuguesa para uma palavra que denota inúmeras coisas: colocar apelidos, ofender, zoar, sacanear, humilhar, discriminar, excluir, ignorar, perseguir, intimidar, aterrorizar, bater, empurrar, ferir, quebrar pertences, roubar. E há muito mais. A lista é, de fato, bem longa.

Bullying vem de bully, um substantivo da língua inglesa que significa uma pessoa que se utiliza de força ou poder para ameaçar ou ferir as mais fracas.

O bullying está basicamente ligado à incapacidade de lidar com a diferença e de aceitá-la. Embora o momento atual valorize termos como "diferença", "diversidade", "pluralismo", "multiplicidade", "heterogeneidade", entre diversos outros que até já se tornaram lugares-comuns em tempos pós-modernos, cada vez mais se veem atos de intolerância e desrespeito em relação àquilo que não se enquadra na homogeneidade e que é considerado diferente.

Não há espaços específicos para a prática de bullying: pode ocorrer na escola, no trabalho, num asilo, num condomínio, ou seja, em qualquer lugar. No entanto, é mais comumente observada no ambiente escolar, entre crianças e adolescentes, independente de idade, gênero e classe social. Também está presente em toda e qualquer escola, pública ou particular, rural ou urbana. E, embora estudos mostrem que mais de 60% dos casos ocorram dentro das salas de aula, muitos diretores e professores ainda não reconhecem o problema ou continuam a negar a sua existência.

Às vezes, o problema é percebido, mas sua importância é mal avaliada. Algumas das ações relacionadas ao termo são consideradas brincadeiras e atos próprios de crianças e adolescentes e que são - e sempre foram - bastante comuns no ambiente escolar. Quem nunca colocou apelidos nos colegas ou zoou alguns deles por uma besteira qualquer? Certamente, são brincadeiras, mas nem sempre são inocentes e inconsequentes. Até mesmo simples apelidos, usados repetidamente e com a intenção de humilhar ou discriminar, podem marcar a vida de muitas pessoas. Algumas conseguem superar, outras, infelizmente, não.

Como, então, distinguir as agressões das brincadeiras? "Por definição, bullying são atos repetidos de um aluno ou de um grupo de alunos contra outro aluno", explica o pediatra Aramis Lopes Neto, sóciofundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia). "Assim, alguns alunos ficam praticamente marcados para sofrer, para serem atingidos e humilhados", completa o doutor, que é um dos coordenadores do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes mantido pela entidade. O programa, pioneiro no assunto no Brasil, trabalhou, de 2002 a 2003, com algumas escolas do município do Rio de Janeiro, diagnosticando problemas e implementando ações para reduzir comportamento de agressão.

As formas de agressão são muitas: apelidos, palavrões, pancadas, difamação, humilhação, ameaças, objetos roubados ou destruídos etc. Como uma epidemia, o bullying se espalha por todo ambiente escolar e contamina todos: desde estudantes até professores e diretores, já que todos participam direta ou indiretamente. Existem os autores, como são denominados os que praticam; os alvos, que sofrem as agressões; e os autores/alvos, que intercambiam a posição. Também existem as testemunhas, que podem achar tudo engraçado e que as vítimas de fato mereciam ou que, embora achem as agressões despropositadas e injustas, se calam com medo de ser a próxima vítima.

Desse modo, o ambiente escolar muitas vezes se torna um local de angústia e sofrimento. Em vez de ser um espaço de saber e socialização, transforma-se num local de conflitos imprevisíveis. A tragédia ocorrida na escola Columbine, localizada no Colorado, Estados Unidos, em 20 de abril de 1999, seria um desses casos. Dois jovens, de 17 e 18 anos, promoveram uma chacina em que, além de 23 pessoas feridas, morreram 12 estudantes e uma professora. De acordo com informações divulgadas, eles teriam sido frequentemente vítimas de bullying, e a matança foi a forma que encontraram para revidar. O incidente provocou uma profunda ferida na sociedade americana e foi tema do documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore, ganhador do Oscar de melhor documentário em 2003. Posteriormente, o diretor Gus Van Sant fez uma leitura ficcional do episódio no filme Elefante.

Para que o ambiente escolar possa ser verdadeiramente um local de saber e convivência pacífica - e para que atos extremos como o episódio de Columbine possam ser evitados -, é preciso que as escolas promovam estratégias para reduzir a prática do bullying, que tem causas múltiplas. Não se trata apenas de penalizar autores de comportamento agressivo, já que eles também precisam de ajuda e, muitas vezes, são vítimas de agressão nos próprios lares. Encarar o problema de frente é o primeiro passo. Incentivar e valorizar as diferenças e dizer não aos preconceitos é o segundo. No entanto, é preciso lembrar que problema é bastante complexo e somente será vencido - ou ao menos atenuado - com a participação de diretores, professores, funcionários, alunos e pais.

Leia também: Entrevista com Aramis Lopes Neto

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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