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Câncer de pulmão

FONTE: Victor Wünsch Filho ,Gilka J. Figaro Gattás. Cadernos de Saúde Pública vol.17 no.3 Rio de Janeiro May/June 2001

Introdução

O câncer é considerado uma doença genética que ocorre por um acúmulo de mutações não esperadas por recombinação mendeliana, em virtude, principalmente, de exposição a agentes genotóxicos do meio ambiente (Vogelstein & Kinzler, 1998). Virtualmente, todos os tumores têm anormalidades gênicas ou cromossômicas. A célula cancerosa passa para sua progênie mensagens sobre o comportamento celular maligno e é este fato que caracteriza o câncer como uma doença letal (Mulvihill & Tulinius, 1987).

O enorme progresso realizado na área da biologia molecular nas décadas recentes materializa-se atualmente no Projeto do Genoma Humano, uma proposta cooperativa entre centros de pesquisas da América do Norte, Europa e Japão, cujo objetivo é determinar a sequência completa do DNA do genoma humano (Ellsworth et al., 1997).

Em dezembro de 1999, foi anunciado a primeira sequência completa de um cromossomo humano - o cromossomo 22 (Dunham et al., 1999). Em São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), juntamente com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre Câncer, está desenvolvendo o Projeto Genoma Humano do Câncer, com a intenção de gerar sequências de genes humanos envolvidas nesse processo, tendo como base a análise do RNA de certos tumores, e, assim, contribuir com o esforço mundial para a determinação da estrutura completa do genoma humano (Simpson, 1999). Esses avanços têm profundas implicações na pesquisa epidemiológica e deverão acentuar-se no decorrer do século XXI.

Mecanismos da Carcinogênese

As neoplasias caracterizam-se por longos períodos de latência, às vezes tão longos quanto cinco ou seis décadas. Experimentos com animais conduziram a um modelo que propõe a divisão da latência em, pelo menos, dois estágios: iniciação, no qual o agente cancerígeno induz mutações e altera a velocidade da divisão celular, e promoção, estágio sucessivo em que o processo evolui até constituir-se num tumor observável. Neste processo, a célula se modifica e, tornando-se cancerosa, expande-se com desenvolvimento anômalo formando uma colônia de descendentes denominada clone (Squire et al., 1998).

A concentração familiar de casos de câncer tem sido descrita como fator de risco para câncer (Browson et al., 1997; Hemminki & Vaittinen, 1998; Tokuhata & Lilienfeld, 1963; Wünsch Filho et al., 1995). Esse risco sugere-se, poderia ser decorrente de mutações herdadas em genes promotores ou supressores de câncer, associadas ou não à capacidade individual de metabolizar substâncias potencialmente carcinogênicas. Polimorfismos de enzimas metabolizadoras de substâncias carcinogênicas são geneticamente determinados e é provável que sejam os mecanismos explicativos da variabilidade interindividual de suscetibilidade à exposição a agentes cancerígenos (Harris, 1987).

Pelo método de análise de segregação, foi observado um padrão de herança codominante em famílias com câncer de pulmão, com os tumores tendendo a desenvolverem-se em uma idade mais precoce nos membros de famílias com indivíduos afetados pela doença (Sellers et al., 1990). Gauderman & Morrison (2000), pesquisando indivíduos que morreram de câncer de pulmão e os parentes destes de primeiro-grau, confirmaram esse fato. Os autores estimaram que a proporção de pessoas com câncer de pulmão portadoras de um locus autossômico dominante excede a 90% para indivíduos com idade abaixo de sessenta anos. A proporção diminui para aproximadamente 10% dos casos cujo início da doença se deu aos oitenta ou mais anos de idade. Essas observações dão suporte à hipótese da presença de um locus genético de suscetibilidade para o câncer de pulmão.

A identificação molecular de mutações e polimorfismos genéticos traduz-se para a saúde pública como possibilidade de caracterização da suscetibilidade individual ao câncer, podendo no futuro conduzir a novas perspectivas para a prevenção e o diagnóstico precoce, bem como para o aconselhamento genético e o desenvolvimento de terapêutica gênica. Do ponto de vista da pesquisa, representa obter estimativas mais abrangentes dos riscos, embora não signifique a geração de novas hipóteses etiológicas para o câncer (McMichael, 1994).

Biomarcadores de exposição

A compreensão dos mecanismos da carcinogênese depende, pelo menos em parte, da análise laboratorial dos efeitos de um agente particular na molécula de DNA e nas células. Por outro lado, avaliar a contribuição de um agente isolado em estágios particulares da carcinogênese pode ser difícil, pois interações podem ocorrer entre substâncias químicas e outros fatores, tais como vírus, radiação e, possivelmente, componentes endógenos. Portanto, o conhecimento dos mecanismos de carcinogênese será sempre, hipoteticamente, incompleto (Vainio et al., 1992).

O mecanismo pelo qual agentes químicos e seus metabólitos cancerígenos causam mutações genéticas tem sido intensamente investigado nas duas últimas décadas. O vínculo entre agentes químicos e a molécula de DNA se dá pela formação de ligações covalentes denominadas adutos (Toniolo et al., 1997). Grande número de adutos foram identificados, incluindo os formados pelos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), as aminas aromáticas e os compostos nitrosos. Os adutos HPA-DNA têm sido os mais estudados e, juntamente com os anticorpos desses adutos encontrados no soro humano, constituem-se em úteis marcadores da dose biologicamente efetiva da exposição a esta substância nos locais de trabalho, a exemplo de siderúrgicas, em ambientes poluídos de cidades ou no tabagismo (Perera et al., 1988, 1992; Philips et al., 1988).

Biomarcadores de suscetibilidade

Para dado nível de exposição a um carcinógeno, somente parte dos indivíduos expostos desenvolverá câncer. A maior parte das substâncias potencialmente carcinogênicas requerem ativação metabólica no organismo antes de se tornarem efetivamente cancerígenas. A suscetibilidade individual ao câncer parece depender, em parte, da capacidade, determinada geneticamente, de metabolizar e eliminar essas substâncias do organismo de forma eficiente.

Evidências apontadas em diferentes estudos indicam que inúmeros sistemas genéticos de controle e modulação do metabolismo enzimático de xenobióticos parecem estar envolvidos na gênese de diferentes tipos de câncer (d'Errico et al., 1999; Taningher et al., 1999). Os polimorfismos metabólicos que têm sido associados de forma mais consistente ao aumento do risco de câncer incluem o citocromo P450 (Kato et al., 1994), a glutationa S-transferase e a N-acetil-transferase (Antilla et al., 1995; Hirnoven et al., 1993).

Biomarcadores de efeito

Na maioria dos cânceres, têm sido identificadas mutações em sequências de DNA em loci cromossômicos específicos (Blot & Fraumeni, 1996). As classes de lesões do DNA incluem basicamente as perdas ou deleções, substituição de pares de bases, inserções, amplificações, duplicações, inversões e translocações (Greenblatt et al., 1994). Não está claro se tais alterações são causa ou consequência de câncer. De fato, a história natural da doença parece envolver não uma, mas várias mutações genéticas.

O gene p53 está localizado no braço curto do cromossomo 17 e codifica para uma proteína nuclear de 53.000 daltons, razão da designação p53, com importante função reguladora do ciclo celular. As mutações no p53 são eventos genéticos frequentemente observados em vários tipos de câncer em humanos e relacionados com o agente ambiental envolvido (Greenblatt et al., 1994). O processo de gênese tumoral está intimamente associado à reprodução celular, ou seja, aos mecanismos que regem o ciclo celular. Para que a cada ciclo duas células-filhas idênticas sejam geradas, é necessário que ocorra duplicação e subsequente segregação dos cromossomos e demais componentes da célula.

Uma vez definidos, tais biomarcadores poderiam ser utilizados, por exemplo, para a seleção de indivíduos no mercado de trabalho. Hipoteticamente, a disponibilidade dessa tecnologia poderia submeter os trabalhadores durante o processo de seleção a avaliações quanto à sua condição de portadores de determinados polimorfismos genéticos. Os resultados destes exames indicariam os mais aptos e menos propensos a desenvolver a doença quando expostos a cancerígenos específicos presentes no ambiente de trabalho. Obviamente, nessa situação, haveria um contingente de marginalizados do mercado de trabalho por sua incompetência genética herdada (Rothenberg et al., 1997; Soskolne, 1997).

O que você pensa sobre este tipo de uso da tecnologia?

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Publicado em 31 de dezembro de 2005

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