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Células-tronco: a medicina do futuro

Antonio Carlos Campos de Carvalho

Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Artigo publicado na Revista Ciência Hoje (SBPC), vol 29, nº 172, junho de 2001

Introdução

A produção de diferentes tipos de células em laboratório e sua utilização para recuperar tecidos ou órgãos lesados está deixando de ser um sonho. Estudos com células-tronco vêm demonstrando que elas podem se diferenciar em todos os tipos celulares presentes em um organismo adulto, e acredita-se que tal processo será controlado em breve. Mesmo os debates éticos e religiosos sobre o uso de células-tronco retiradas de embriões perderam o sentido, com a descoberta de que essas células existem em indivíduos adultos e mantêm sua capacidade de diferenciação. Está aberto o caminho para a bioengenharia, que revolucionará a medicina.

As células-tronco

Todo organismo pluricelular é composto por diferentes tipos de células. Entre as cerca de 75 trilhões de células existentes em um homem adulto, por exemplo, são encontrados em torno de 200 tipos celulares distintos. Todos eles derivam de células precursoras, denominadas 'células-tronco'. O processo de diferenciação, que gera as células especializadas — da pele, dos ossos e cartilagens, do sangue, dos músculos, do sistema nervoso e dos outros órgãos e tecidos humanos — é regulado, em cada caso, pela expressão de genes específicos na célula-tronco, mas ainda não se sabe em detalhes como isso ocorre e que outros fatores estão envolvidos. Compreender e controlar esse processo é um dos grandes desafios da ciência na atualidade.

A célula-tronco prototípica é o óvulo fertilizado (zigoto). Essa única célula é capaz de gerar todos os tipos celulares existentes em um organismo adulto, até os gametas — óvulos e espermatozoides — que darão origem a novos zigotos (figura 1). A incrível capacidade de gerar um organismo adulto completo a partir de apenas uma célula tem fascinado os biólogos desde que o fisiologista alemão Theodor Schwann (1810-1882) lançou, em 1839, as bases da teoria celular.


Figura 1: Entender em detalhes como um organismo completo, com inúmeros tipos diferentes de células, forma-se a partir de apenas uma célula - o óvulo fertilizado (zigoto) - ainda é um desafio para a ciência.

Já no início do século 20, vários embriologistas, entre eles os alemães Hans Spemann (1869-1941) e Jacques Loeb (1859-1924), começaram a decifrar os segredos das células-tronco através de experimentos engenhosos com células de embriões. Tais pesquisas revelaram que, quando as duas primeiras células de um embrião de anfíbio são separadas, cada uma é capaz de gerar um girino normal, e que, mesmo após as quatro primeiras divisões celulares de um embrião de anfíbio, o núcleo dessas células embrionárias ainda pode transmitir todas as informações necessárias à formação de girinos completos, se transplantado para uma célula da qual o núcleo tenha sido retirado (célula enucleada).

A originalidade desses experimentos permitiu que Spemann formulasse, em 1938, uma pergunta fundamental para a moderna biologia do desenvolvimento: o núcleo de uma célula totalmente diferenciada seria capaz de gerar um indivíduo adulto normal, se transplantado para um óvulo enucleado? Em 1996, o nascimento da ovelha Dolly, primeiro mamífero clonado a partir do núcleo de uma célula adulta diferenciada (uma célula epitelial de glândula mamária), trouxe a resposta.

A continuação dos estudos sobre as células-tronco demonstrou que elas têm as seguintes características básicas: são indiferenciadas e têm a capacidade de gerar não só novas células-tronco como grande variedade de células diferenciadas funcionais. Para realizar essa dupla tarefa (replicação e diferenciação), a célula-tronco pode seguir dois modelos básicos de divisão: o determinístico, no qual sua divisão gera sempre uma nova célula-tronco e uma diferenciada, ou o aleatório (ou estocástico), no qual algumas células-tronco geram somente novas células-tronco e outras geram apenas células diferenciadas (figura 2).


Figura 2: A divisão das células-tronco embrionárias segue dois modelos: o determinístico (A), que gera sempre uma célula-tronco e uma célula diferenciada, e o aleatório (B), em que podem ser geradas diversas combinações de células.

As células-tronco conhecidas há mais tempo são as embrionárias, que aos poucos, com o desenvolvimento do embrião, produzem todas as demais células de um organismo. Mas nas últimas décadas descobriu-se que tecidos já diferenciados de organismos adultos conservam essas células precursoras.

As células-tronco embrionárias

As células-tronco embrionárias são estudadas desde o século 19, mas só há 20 anos dois grupos independentes de pesquisadores conseguiram imortalizá-las, ou seja, cultivá-las indefinidamente em laboratório. Para isso, utilizaram células retiradas da massa celular interna de blastocistos (um dos estágios iniciais dos embriões de mamíferos) de camundongos. Essas células são conhecidas pela sigla ES, do inglês embryonic stem cells (células-tronco embrionárias), e são denominadas pluripotentes, pois podem proliferar indefinidamente in vitro sem se diferenciar, mas também podem se diferenciar se forem modificadas as condições de cultivo (figura 3). De fato, é preciso cultivar as células ES sob condições muito especiais para que proliferem e continuem indiferenciadas, e encontrar essas condições foi o grande desafio vencido pelos cientistas.


Figura 3: As células-tronco embrionárias são denominadas pluripotentes, porque podem proliferar indefinidamente in vitro sem se diferenciar, mas se diferenciam se forem alteradas as condições de cultivo.

Outra característica especial dessas células é que, quando reintroduzidas em embriões de camundongo, dão origem a células de todos os tecidos de um animal adulto, mesmo as germinativas (óvulos e espermatozoides). Apenas uma célula ES, no entanto, não é capaz de gerar um embrião. Isso significa que tais células não são totipotentes, como o óvulo fertilizado.

A disponibilidade de células ES de camundongos tornou corriqueira a manipulação genética desses animais. A possibilidade de introduzir ou eliminar genes nas células ES in vitro e depois reimplantá-las em embriões permitiu gerar camundongos transgênicos (que expressam genes exógenos) e knockouts (que não têm um ou mais genes presentes em animais normais) essenciais para muitas pesquisas (figura 4). As células-tronco modificadas podem originar até células germinativas nos animais transgênicos adultos, permitindo em muitos casos a sua reprodução. Esses animais têm ajudado a caracterizar muitas doenças humanas resultantes de alterações genéticas.


Figura 4: Introduzindo ou eliminando genes nas células ES in vitro e em seguida reimplantando-as em embriões foi possível gerar camundongos transgênicos (que expressam genes exógenos) e knockouts (que não têm ou não expressam um ou mais genes presentes em animais normais).

O fato de as células ES reintroduzidas em embriões de camundongo gerarem tipos celulares integrantes de todos os tecidos do animal adulto revela que elas têm potencial para se diferenciar também in vitro em qualquer desses tipos, de uma célula da pele a um neurônio. Na verdade, vários laboratórios já conseguiram a diferenciação de células ES de camundongos, em cultura, em tipos tão distintos quanto as células hematopoiéticas (precursoras das células sanguíneas) e as do sistema nervoso (neurônios, astrócitos e oligodendrócitos), entre outras (figura 5).


Figura 5: Estudos em laboratórios de vários países já conseguiram que as
células-tronco embrionárias se diferenciassem, em cultura, em diversos tipos celulares.

A capacidade de direcionar esse processo de diferenciação permitiria que, a partir de células-tronco embrionárias, fossem cultivados controladamente os mais diferentes tipos celulares, abrindo a possibilidade de construir tecidos e órgãos in vitro, na placa de cultura, tornando viável a chamada bioengenharia.

Esse sonho biotecnológico tornou-se um pouco mais real em 1998, quando o biólogo James Thomson e sua equipe conseguiram, na Universidade de Wisconsin (Estados Unidos), imortalizar células ES de embriões humanos. No mesmo ano, também foram imortalizadas células embrionárias germinativas humanas (EG, do inglês embryonic germ cells), derivadas das células reprodutivas primordiais de fetos, pelo embriologista John Gearhart, da Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos) e equipe. Como as ES, as EG também são pluripotentes, ou seja, podem gerar qualquer célula do organismo adulto.

A disponibilidade de células ES e EG humanas abriu horizontes impensáveis para a medicina, mas também trouxe complexos problemas ético-religiosos. Se já podemos imaginar o cultivo de células ES humanas gerando neurônios em cultura, que substituiriam células nervosas danificadas em doenças como as de Parkinson e de Alzheimer, não podemos esquecer que esse cultivo é feito a partir de células retiradas de embriões humanos, e para isso eles precisam ser sacrificados. Além disso, com a disponibilidade de células ES humanas e com as experiências de transferência nuclear, a clonagem de seres humanos tornou-se uma possibilidade cada vez mais real.

Diante de questões tão polêmicas, é preciso que a sociedade como um todo se manifeste, através de seus legisladores, e defina o que é socialmente aceitável no uso de células-tronco embrionárias humanas para fins médicos. Inaceitável é impedir o progresso científico baseado na premissa de que o uso do conhecimento pode infringir conceitos religiosos ou morais. O Congresso dos Estados Unidos parece ter chegado a essa conclusão ao autorizar recentemente o uso de células ES humanas nas pesquisas financiadas pelo National Institutes of Health (NIH).

As células-tronco adultas

Sabe-se, desde os anos 60, que alguns tecidos de um organismo adulto se regeneram constantemente. Isso acontece com a pele, com as paredes intestinais e principalmente com o sangue, que têm suas células destruídas e renovadas o tempo inteiro, em um complexo e finamente regulado processo de proliferação e diferenciação celular.

Os estudos feitos há décadas sobre a hematopoiese (processo de produção de células sanguíneas) a partir de células-tronco multipotentes, localizadas no interior dos ossos, mostraram que elas originam células progressivamente mais diferenciadas e com menor capacidade proliferativa. Essas células-tronco podem gerar as linhagens precursoras mieloide e linfoide, que terminam por dar origem a todos os nove tipos celulares presentes no sangue, de hemácias a linfócitos. A renovação do sangue é tão intensa que diariamente entram em circulação cerca de 8 mil novas células sanguíneas. É assombroso que o organismo consiga controlar um processo proliferativo tão exuberante, impedindo, em circunstâncias normais, que o número de células produzidas exceda o necessário e que as células liberadas na circulação estejam no estágio correto de diferenciação.

É relativamente recente a constatação de que, além da pele, do intestino e da medula óssea, outros tecidos e órgãos humanos — fígado, pâncreas, músculos esqueléticos (associados ao sistema locomotor), tecido adiposo e sistema nervoso — têm um estoque de células-tronco e uma capacidade limitada de regeneração após lesões. Mais recente ainda é a ideia de que essas células-tronco 'adultas' são não apenas multipotentes (capazes de gerar os tipos celulares que compõem o tecido ou órgão específico onde estão situadas), mas também pluripotentes (podem gerar células de outros órgãos e tecidos).

O primeiro relato incontestável dessa propriedade das células-tronco adultas foi feito em 1998 por cientistas italianos, após um estudo — liderado pela bióloga Giuliana Ferrari, no Instituto San Rafaelle-Telethon — em que células derivadas da medula óssea regeneraram um músculo esquelético. Embora esse tipo de músculo também tenha células-tronco ('células-satélite'), os pesquisadores usaram células da medula óssea, geneticamente marcadas para identificação posterior. Essas células, quando injetadas em músculos (lesados quimicamente) de camundongos geneticamente imunodeficientes, mostraram-se capazes de se diferenciar em células musculares, reduzindo a lesão.

Em outro experimento, em vez da injeção de células medulares diretamente na lesão muscular, os camundongos imunodeficientes receberam um transplante de medula óssea. Feito o transplante, os pesquisadores verificaram que as células-tronco (geneticamente marcadas, e por isso identificáveis como do animal doador) migraram da medula para a área muscular lesada do animal. Isso demonstrou que, existindo uma lesão muscular, células-tronco medulares adultas podem migrar até a região lesada e se diferenciar em células musculares esqueléticas.

O trabalho, portanto, estabeleceu duas novas e importantes ideias: células-tronco de medula óssea podem dar origem a células musculares esqueléticas e podem migrar da medula para regiões lesadas no músculo. Nesse trabalho, porém, as células-tronco de medula, de reconhecida plasticidade, deram origem a células não medulares mas de mesma origem embriológica, já que tanto o tecido muscular quanto as células do sangue derivam do mesoderma (uma das três camadas germinais que aparecem no início da formação do embrião).

Um resultado ainda mais surpreendente foi relatado em janeiro de 1999 por cientistas liderados por dois neurobiólogos, o canadense Christopher Bjornson e o italiano Angelo Vescovi. Em seu trabalho, publicado na revista Science, com o título 'Transformando cérebro em sangue: um destino hematopoiético adotado por uma célula-tronco neural adulta in vivo', eles demonstraram que células-tronco neurais de camundongos adultos podem restaurar as células hematopoiéticas em camundongos que tiveram a medula óssea destruída por irradiação.

Esse achado revolucionou os conceitos até então vigentes, pois demonstrou que uma célula tronco-adulta derivada de um tecido altamente diferenciado e com limitada capacidade de proliferação pode seguir um programa de diferenciação totalmente diverso se colocada em um ambiente adequado. Também deixou claro que o potencial de diferenciação das células-tronco adultas não é limitado por sua origem embriológica: células neurais têm origem no ectoderma e células sanguíneas vêm do mesoderma embrionário.

Ainda em 1999, em outros estudos, células-tronco adultas da medula óssea de camundongos transformaram-se em precursores hepáticos e, pela primeira vez, células-tronco adultas de medula óssea humana foram induzidas a se diferenciar, in vitro, nas linhagens condrocítica (cartilagem), osteocítica (osso) e adipogênica (gordura). Em junho de 2000, um grupo do Instituto Karolinska (Suécia), liderado por Jonas Frisen, confirmou que células-tronco neurais de camundongos adultos têm capacidade generalizada de diferenciação, podendo gerar qualquer tipo celular, de músculo cardíaco a estômago, intestino, fígado e rim, quando injetadas em embriões de galinha e camundongo. Esse resultado quebrou todos os dogmas, indicando que uma célula-tronco adulta é capaz de se diferenciar em qualquer tipo de célula, independentemente de seu tecido de origem, desde que cultivada sob condições adequadas.

Essa pluripotencialidade das células-tronco adultas coloca a questão do uso medicinal dessas células em bases totalmente novas. São eliminadas não só as questões ético-religiosas envolvidas no emprego das células-tronco embrionárias, mas também os problemas de rejeição imunológica, já que células-tronco do próprio paciente adulto podem ser usadas para regenerar seus tecidos ou órgãos lesados. Torna ainda possível imaginar que um dia não haverá mais filas para os transplantes de órgãos, nem famílias aflitas em busca de doadores compatíveis. Em breve, em vez de transplantes de órgãos, os hospitais farão transplantes de células retiradas do próprio paciente. Não há dúvida de que a terapia com células-tronco será a medicina do futuro.

A luta contra as doenças cardíacas

Reconhecendo o enorme potencial das células-tronco na prática médica, o Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), iniciou no ano passado um projeto de pesquisa que objetiva transplantar células-tronco para corações submetidos a infarto experimental.

O infarto do miocárdio é hoje uma das principais causas de mortalidade no mundo. Quando não mata de imediato, o infarto em geral provoca uma lesão que resulta em insuficiência cardíaca — a capacidade de bombeamento do coração fica reduzida, impedindo o paciente de exercer atividades que requerem maior esforço. Quanto maior a área de músculo cardíaco lesada durante o infarto, maior o grau de insuficiência. Infelizmente, a insuficiência cardíaca é progressiva, de modo que o quadro clínico dos pacientes só piora: 22% dos homens e 46% das mulheres que sofrem infartos evoluem para insuficiência cardíaca congestiva em um prazo de seis anos. Essa doença é grave e sua incidência vem crescendo, tanto que, nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade por insuficiência cardíaca aumentou 138% entre 1979 e 1998. É óbvia, portanto, a necessidade de uma terapia — ainda inexistente — que possa dar aos pacientes maior expectativa de vida após o infarto.

Curiosamente, embora haja células-tronco em vários tecidos diferenciados, elas ainda não foram encontradas no coração adulto. No entanto, a já citada pluripotencialidade das células-tronco hematopoiéticas e neurais permite imaginar que tais células, se cultivadas em ambiente adequado, poderiam originar células cardíacas. Isso foi confirmado em fins de 1999, quando surgiu (no Journal of Clinical Investigation) o primeiro — e até agora único — relato da diferenciação de células-tronco hematopoiéticas em células do músculo cardíaco em cultura, feito por Shinji Makino e colaboradores, na Universidade de Keio, no Japão.

Vários laboratórios, inclusive o da UFRJ, tentam desde então, sem sucesso, reproduzir os resultados da equipe de Makino. O sistema hematopoiético, porém, não é a única fonte de células-tronco para os transplantes cardíacos. Os músculos esqueléticos contêm células-tronco (as células-satélite), que podem se diferenciar facilmente em células desses músculos (e restaurar áreas lesadas), embora não exista relato da transformação de células-satélite em células do músculo cardíaco.


Figura 6: Células-satélite retiradas de músculos da perna de ratos e injetadas na corrente sanguínea de ratos submetidos a infarto migraram para o coração lesado e foram localizadas por microscopia de fluorescência.

No Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular, e em muitos outros no mundo, é possível isolar e cultivar essas células por longo tempo. No momento, na UFRJ, cultivamos as células-satélite de ratos sob diferentes condições, tentando induzi-las a se diferenciar em células musculares cardíacas. Uma abordagem que parece mais promissora é a cultura conjunta das células-satélite com células isoladas de corações neonatais dos mesmos ratos.

Há pouco, foi iniciada outra abordagem, empregando o modelo de coração infartado desenvolvido pelo grupo da bióloga Masako Oya Masuda, no Instituto de Biofísica da UFRJ, e o transplante direto para a região infartada do coração de células-tronco de medula óssea (hematopoiéticas) ou células-satélite, marcadas geneticamente para posterior identificação. No ambiente cardíaco, é possível que as células-tronco de medula ou de músculo esquelético recebam os sinais necessários para sua transformação em miócitos cardíacos.

Vários laboratórios no mundo vêm tentando essa abordagem. O primeiro relato de sucesso — artigo publicado a 5 de abril de 2001 na revista Nature descreve, pela primeira vez, a diferenciação de células-tronco medulares em músculos cardíacos, em camundongos infartados (ver 'Células-tronco regeneram coração infartado', em Ciência Hoje nº 171) — é bastante animador, e permite prever para breve o uso terapêutico dessa técnica. Testes clínicos já vêm sendo feitos: recentemente, um grupo do Centro Cardiológico do Norte, em Saint Denis (França), do qual participa um pesquisador brasileiro, o cardiologista Marcio Scorsin, relatou melhora significativa de um paciente com insuficiência cardíaca em estágio avançado, após o transplante de células-satélite do próprio paciente para o seu coração.

O Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular, da UFRJ, desde que conte com os recursos necessários para financiar esses projetos, certamente poderá, em um futuro próximo, oferecer a pacientes brasileiros mais esse recurso da medicina moderna, que cada vez mais depende dos avanços da ciência biomédica. E outros laboratórios nacionais que trabalham com células-tronco também têm condições, se tiverem o apoio adequado, de garantir ao país o domínio dessa tecnologia, de grande importância para a saúde dos brasileiros.

Atualização

Desde o artigo escrito para a Ciência Hoje, em junho de 2001, nosso trabalho avançou muito, tanto na parte da pesquisa básica como da aplicação média dos conhecimentos gerados. Assim, resolvi escrever este breve relato para dar conta dos avanços mais recentes.

Lembrando o final do artigo, eu dizia que, se nosso Laboratório tivesse o apoio financeiro necessário, poderíamos oferecer aos pacientes brasileiros o recurso das Terapias Celulares. O apoio financeiro veio na forma de um programa especial do Ministério de Ciência e Tecnologia, denominado "Institutos do Milênio". Nós participamos do "Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual" (www.imbt.org.br) e tivemos, também, apoio da FAPERJ, através do programa "Cientista de Nosso Estado". Com isso, aprofundamos nossos estudos de transplante de células da medula óssea para os corações de ratos infartados, nos quais obtivemos resultados excelentes. Monitorando o desempenho cardíaco por eletrocardiografia e ecocardiografia, pudemos demonstrar que, duas semanas após as injeções de células de medula óssea nos corações infartados, já havia melhora significativa na performance cardíaca dos ratos.

Esses resultados nos animaram a propor à Comissão de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde um projeto de terapia celular em pacientes com cardiopatia grave pós-infarto. O responsável por toda a parte clínica do projeto é o Dr. Hans Fernando Dohmann, do Hospital Pró-Cardíaco. O primeiro paciente foi submetido ao transplante de células de medula óssea em dezembro de 2001. A partir de então, mais 13 pacientes se submeteram à terapia celular, todos com quadros gravíssimos de insuficiência cardíaca, e ainda há vários esperando em filas de transplante por um novo coração.

No último dia 16, tive o privilégio de participar de uma reunião no Hospital Pró-Cardíaco, com 12 pacientes que se submeteram à terapia celular. Os relatos sobre a melhoria do estado de saúde e da qualidade de vida desses pacientes nos deram a certeza de que o trabalho de investigação deve continuar e se ampliar para outras doenças crônico-degenerativas.

É óbvio que um trabalho desta envergadura envolve muitas pessoas, tanto na área científica, como da clínica médica. Não é o caso de enumerá-las nesta oportunidade, mas agradecemos o empenho e a dedicação de toda a equipe ao projeto, e, como disse o Dr. Hans Dohmann, não podemos deixar de agradecer, também, aos pacientes que confiaram em nosso trabalho e aceitaram o risco inerente de se submeterem a um tratamento ainda experimental. A eles, o nosso muito obrigado.

Sugestões para leitura

GAGE, F. H. & CHRISTEN, Y. (Eds.). Isolation, characterization and utilization of stem cells, Springer Verlag, Berlim, 1997.

POTTEN, C. S. (Ed.). Stem cells, Academic Press, Londres, 1997

VÁRIOS AUTORES. 'Stem cell research and ethics', Science (número especial), v. 287, n° 5.457 (25 de fevereiro), 2000.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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