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Cidade digital

Karine Mueller

Jornalista

Localizado na Serra das Araras, a 74 km do Rio de Janeiro, o municipio de Piraí é um dos mais avançados do país em termos de inclusão tecnológica.

Uma pequena cidade onde, ao chegar, um visitante senta no banco da praça, liga o seu lap-top e está conectado diretamente com a internet. No município de Piraí, às margens da Via Dutra, no Rio de Janeiro, isso já é possível. A cidade recebeu no último dia 13 de junho, em Nova York, o prêmio Top Seven Intelligent Communities, do Fórum de Comunidades lnteligentes que todos os anos seleciona as sete comunidades mais inteligentes do mundo. Desde então, Piraí vem ganhando espaço e visibilidade no cenário da revolução digital.

Tudo começou em 1997, quando o município sofreu um forte impacto social e econômico com a privatização da Light, até então a maior empresa da cidade que, no seu processo de reestruturação, demitiu cerca de 1.200 pessoas. Na urgência de reverter esse quadro catastrófico para uma cidade de 22.500 habitantes, o prefeito à época Luiz Fernando de Souza, conhecido como Pezão, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, estruturou um plano de desenvolvimento local que geraria, em quarto anos, um número de postos de trabalho equivalente ao número de desempregados da cidade. O programa incluía a construção de um condomínio industrial com infraestrutura para atrair novas empresas e a criação de um pólo de piscicultura e cooperativas. Deu certo. A prefeitura atraiu cerca de 14 companhias, incluindo uma fabricante de equipamentos para informática e, em 2001, o projeto recebeu o Prêmio Gestão Pública e Cidadania, da Fundação Getúlio Vargas, do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e da Fundação Ford. Logo depois da premiação, o BNDES ofereceu à prefeitura apoio para a elaboração de um projeto de inclusão digital na cidade que fosse focado na área de educação.

Partindo do princípio de que o conhecimento é um direito de todos, surgiu a ideia de integrar ao plano de desenvolvimento local a visão de município digital, no qual toda a população pudesse ter acesso aos meios de informação e comunicação, utilizando os recursos da tecnologia. Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com a Universidade Federal Fluminense (UFF), foi concebido o projeto Piraí Digital, que implantaria um sistema de conexão rápida (14 megabits), sem fios (wireless), mediante uma antena de rádio, cujo sinal abrangeria toda a área da cidade. A inovação residia no fato de a conexão não ser ponto a ponto. As ondas transmitidas por antenas de rádio gerariam uma "bolha", na qual o sinal estaria disponível para todos.

Para tornar esse ideal possível, seria necessário um investimento ambicioso da ordem de dois milhões de reais e o projeto acabou sendo vetado pelo BNDES. Quem conta essa história é a professora da UFRJ e coordenadora executiva do Piraí Digital, Maria Helena Cautiero. "Quando apresentamos o projeto, disseram que o recurso disponível era para um fusca e a prefeitura estava solicitando uma BMW", dimensiona.

A solução, segundo ela, seria sensibilizar as empresas criando uma rede de parcerias que viabilizasse o projeto. A primeira a se apresentar foi a Cervejaria Cintra, que disponibilizou um de seus engenheiros de rede para otimizar os custos do sistema. "A rede que antes seria somente wireless, passou a ser híbrida, utilizando também recursos de fibra ótica e power-line (linhas elétricas), diminuindo o investimento para um pouco mais de 300 mil reais", informa Maria Helena. Depois de baixar o custo do sistema, a preocupação era não desvirtuar o projeto, mantendo a ideia de iguais condições de acesso. "Nós entendemos que, ao mesmo tempo em que estaríamos atendendo pontos consecutivos de emissão com suporte wireless, poderíamos utilizar os fios para estender a transmissão a uma escola ou posto de saúde que estivesse ao lado de um desses pontos", explica.

Aprovado o financiamento pelo BNDES e depois de três anos de trabalho integrando redes governamentais e redes comunitárias e corporativas, o Piraí Digital foi inaugurado oficialmcnte em fevereiro de 2004, com nove terminais de acesso espalhados pela cidade e distritos do município e quatro telecentros de perfil empreendedor e comunitário (centros de acesso à internet que oferecem serviços à comunidade), visto que a prefeitura dispõe, hoje, de cerca de 400 computadores no total.

Segundo o professor da Universidade Fedetal Fluminense (UFF) e coordenador geral do projeto,  Franklin Dias Coelho, o Piraí Digital ampliou o estatuto da cidade, uma vez que o direito à informação foi incorporado a uma infraestrutura de rede e transmissão bandalarga. Franklin faz parte do projeto desde o seu início, em 2001. Ele já havia implantado o mesmo sistema de conexão em comunidades do Rio de Janeiro, como a Rocinha e o Complexo do Alemão. Antes de inaugurar a rede, o coordenador e sua equipe visitaram comunidades locais, explicando à população o que era tecnologia digital. "Para que as pessoas entendessem melhor o direito que tinham ao conhecimento, fiz um paralelo com o saneamento básico e a energia", conta. "Dizia a elas que da mesma forma que chegava água e luz em suas casas, iria chegar também a informação", completa.

Vida Digital

Hoje os moradores de Piraí vivem a revolucão digital. Basta chegar na rodoviária da cidade e observar o movimento nos dois terminais de acesso livre à internet. O estudante universitário, Marco Antonio Martins Lobo, diz que o Piraí Digital colocou a pequena cidade onde vive eonectada com o mundo. "Costumo utilizar o terminal para verificar as minhas notas e matérias da faculdade", diz. Segundo ele, seus pais também usam a internet para saber notícias do mundo e tirar informações sobre o imposto de renda. Já a dona de casa Alessandra de Carvalho Couto vai ao  terminal duas vezes por semana para pesquisar os trabalhos escolares de suas filhas e ler as notícias do dia. Para ela, o mais importante é que a informação chega até as pessoas.

Costumam julgar que uma cidade do interior não tem acesso ao que se passa lá fora, mas através desses terminais a informacão chega até aqui", avalia.

Saindo da rodoviária, por uma passagem subterrânea, chegamos na praça principal de Piraí. Em vez de um habitual monumento em homenagem ao fundador ou padroeiro da cidade, nos deparamos com um quiosque de bambu. A placa indica um terminal de acesso comunitário. Lá dentro há um computador disponível para os passantes. Um pouco além, na cooperativa de artesanato, há um terminal livre tanto para os trabalhadores quanto para os visitantes. "O turista entra aqui para acessar seus e-mails e acaba levando um produto nosso", conta a professora de artesanato Jane Medeiros.

A poucos quilometros dali, no distrito de Arrozal, um casarão antigo, que se divide em banco e escritórios, reserva também um telecentro com dez computadores. Criancas, adolescentes e adultos disputam uma vaga para usufruir seus 30 minutos do navegacão. Taís da Silva Neto faz cara de sapeca em frente ao computador, onde se diverte em uma sala de bate-papo. Ela tem 11 anos e vai ao telecentro todos os dias quando está de férias. Em outra máquina, um rapaz concentrado parece alheio ao resto do mundo. Bruno Figueiredo atualmente é auditor da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), instalada na região, e utiliza o telecentro para ter conhecimento de editais de concursos públicos e ter notícias de seus parentes. Enquanto isso, a monitora Carla Ferreira de Souza, 26, auxilia os usuários e diz que a maior procura é para pesquisa escolar e jogos de entretertimento.

Todos os órgãos da administração pública de Piraí estão interligados em rede, assim como as escolas públicas municipais e estaduais, os postos de saúde, as bibliotecas e o hospital. O Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj), formado por um consórcio de universidades, oferece os cursos de Pedagogia, Matemática, Biologia, Física e Tecnólogo em Computação. O ensino é feito a distância, por meio de computadores, nos quais os alunos retiram material didático, realizam provas e se comunicam com os professores. A Terceira Idade foi integrada ao prograrna através do curso Inclusão não tem idade, que capacitou os idosos para o uso da internet e dos terminais bancários. Kariane Xavier Barbosa, coordenadora de ações comunitárias do Piraí Digital, conta que muitos idosos recuperaram a sua autoestima com o projeto. "Eles ficavam maravilhados com a possibilidade de consultar o INSS ou fazer seu imposto de renda via internet", comenta. "Hoje eles se sentem até mais integrados às próprias familias, o que para nos é muito gratiflcante."

Para quem tam condições de ter um computador em casa, a cidade oferece um provedor de banda larga a 35 reais por mês, custo muito inferior ao que se vê no mercado.

O céu é o limite

A cultura da internet é um processo irreversível em Piraí e já muito natural para os seus moradores. Leonardo Rosa, 29, assessor de informática e coordenador de algumas vertentes do projeto, a E-Capacitação, lembra que até o carnaval de Piraí foi influenciado pela cultura da tecnologia digital. Ele diz que o Rei Momo não recebe as chaves da cidade e sim, um cartão magnético. "Houve até o bloco do Piraí Digital, chamado Livre, leve e solto, em homenagem ao sistema da rede", brinca. "Livre porque o software é livre, leve porque é muito fácil acessar e solto, porque é de todos nós", traduz.

Atualmente, a maior preocupação dos coordenadores do projeto diz respeito ao conteúdo. Segundo a equipe do projeto, a questão do acesso está resolvida e o próximo passo é levar informação de qualidade aos moradores. Além disso, o Piraí Digital pretende ampliar os serviços à comunidade através de uma ouvidoria e um banco de empregos. Ainda neste ano será formado o Corredor Digital, conjunto de municípios do ciclo de café, vizinhos a Piraí, onde a rede está sendo implantada.

Como é Piraí

Histórico - A cidade surgiu em 1770 e foi emancipada em 1837, quando o café tornou-se a riqueza local.

População oficial - 23 mil habitantes

Área - 504 km2

Distritos - Piraí, Vila Monumento, Arrozal e Santanésia

Saúde - Um hospital e 14 postos de Saúde

Educação - 20 escolas municipais de ensino fundamental, médio e educação infantil, cinco escolas estaduais de ensino fundamental e médio e um estabelecimento de curso superior a distância

Agências bancárias - 5

Municípios do Corredor Digital - Rio das Flores, Mangaratiba, Friburgo, Rio Claro e Barra do Piraí.

Atrações turísticas - Casarões antigos, hotéis-fazenda e coloniais e uma represa

Fonte: Revista Fórum, outro mundo em debate n. 28, agosto de 2005

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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