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Como meu neto vai enfrentar esta?
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Meu neto Yan nasceu em novembro de 2001. Está só com 1 ano e 4 meses. Esta guerra de Bush contra o Iraque já é a sua segunda guerra como cidadão do mundo. A primeira é aquela sem desfecho do Afeganistão, no pós 11 de setembro. Eu nasci em agosto de 1945, no dia em que os EUA lançaram a primeira bomba atômica sobre uma cidade japonesa, Hiroshima. Assim como eu não fui avisado em que mundo entrava, do mesmo modo meu neto não sabe que mundo está sendo gestado pelas guerras do Bush e qual será a sina que sua geração terá que enfrentar. Os 56 anos que nos separam, porém, não guardam somente laços de sangue a nos unir. Aliás, que mudança no meu neto. Sou e sinto-me orgulhosamente brasileiro, apesar do sobrenome que carrego a testemunhar uma herança cravada lá na imigração polonesa do final do século XIX, parte da grande imigração de estrangeiros associada à transformação do trabalho escravo no Brasil. Meu neto é uma síntese ainda mais elaborada e bela expressão destes tempos contraditórios em que vivemos. Ele é um Grzybowski Abu-Asseff, genuíno brasileiro na síntese afetiva de minha filha Carvalho Grzybowski com um Jabur Abu-Asseff de descendência libanesa. Realmente, é bom ser brasileiro e dizer que, ao mesmo tempo, somos cidadãos do mundo! Isto apesar e acima dos fundamentalismos.
Pois bem, não sei como exprimir a minha impotência vendo o neto crescer num quadro como temos hoje. No meu caso, lá no meio do século XX, tudo parecia possível. Ao menos, não me sentia ameaçado ou meus pais não passavam para mim a hostilidade do meio, se é que ela era igual a de hoje. O fato é que a guerra era algo muito distante, muito mesmo. Hoje, a guerra invade nosso cotidiano pela batalha de imagens e de palavras. Meu neto nem está aí, é verdade. Porém, qualquer criança, com alguns aninhos mais, está atenta e está sento violentada em sua criancice com o que se passa, com as imagens da televisão que lhe são mostradas, com o que vê por aí, com o que dizem pais e professores. Pior, o que dizer da violência do cotidiano deste nosso Rio de Janeiro, tão banalizada e parecendo tão normal? Afinal, não me lembro de nenhum colega assassinado quando vivia feliz a minha infância lá no interior do Rio Grande do Sul. Hoje, a violência está na porta, no ônibus, no metrô, na própria escola. Não dá para ser criança do mesmo modo. Será que minha geração não soube criar outro mundo para filhos e netos?
Diante da vivacidade e carinho de meu neto me derreto todo. Mas choro e me sinto derrotado por Gabi - a jovem que perdeu a vida estupidamente em uma estação de metrô - e seus pais e tantos outros que são tão violentamente atingidos no cotidiano, simplesmente por querer viver a vida tão generosa por natureza e tão degradada pelas relações humanas que criamos. É como se meu neto fosse, ele mesmo, o atingido e eu com ele. E como vai a cabecinha iluminada de todas as nossas crianças diante do quadro de violência que lhes oferecemos? Afinal, o que é, hoje, educar para a liberdade e dignidade humanas? Imagino nossas professoras e professores tentando passar valores éticos como regras de convívio em crianças ameaçadas por balas perdidas, bandidos armados nas ruas, sequestradores na espreita e tantas outras armadilhas do cotidiano de uma cidade como o Rio de Janeiro. E como é ser neto e avô nas favelas do fogo cruzado entre bandos armados e policiais truculentos? Como devem sofrer mães e pais que a cada dia, quase a cada instante, sentem os disparos de armas zunindo nos seus ouvidos? Como proteger filhas e filhos, netos e netas, em tais circunstâncias?
Recuso-me a aceitar a violência como um dado da realidade: é assim porque é assim! Meu neto, os netos e netas de meus amigos, vizinhos, colegas de trabalho, concidadãos do Rio e do mundo, não merecem tal herança. Quero que o seu beabá seja aquela experiência de gozo total da descoberta, sem medo. Quero que cada criança possa sorrir a todo adulto, homem ou mulher, pobre ou rico, negro ou branco, sem medo, abraçá-lo se quiser. Quero que meu neto e os de sua geração vejam os diferentes, sejam quem forem, como nós mesmos com outras características. Quero que respeitem e amem a diversidade de culturas, de estilos, de modos de vida. Mas também que não aceitem as desigualdades geradas por tais diferenças. Para isto, precisamos reagir. A violência é exceção e não regra de vida. Espero que meu neto consiga entender isto para encarar o mundo com humanidade. É o que desejo para todas as crianças.
Rio, 28.03.03
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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