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Construindo conceitos matemáticos com Logo

Odete Sidericoudes

Mestre em Educação Matemática - UNESP e Doutoranda em Educação do Programa de Pos-Graduação em Educação

O desenvolvimento de competências e habilidades

Estamos caminhando para uma transformação no aprender, notado pelo acelerado e profundo processo de mudança que a relação de ensino e aprendizagem vem sofrendo nas escolas, diante das transformações que a informática, a multimídia e a realidade virtual estão impondo à sociedade.

Na disciplina de Matemática, a maneira como se ensina e o que se aprende desse ensino tem sido amplamente discutido, indicando a necessidade de reflexões sobre novas propostas de ensino através de renovações na prática docente (D'Ambrosio, 1986, D'Ambrosio, 1993). No entanto, o ensino de Matemática ainda nos mostra que está basicamente pautado na abordagem educacional que privilegia a transmissão de conhecimentos. Uma preocupação do professor em cumprir a apresentação de conceitos contidos no currículo, onde uma aula de Matemática é a exposição de um acúmulo de fórmulas e algoritmos e aplicação de regras. As aulas são dominadas pela instrução e não pela construção.

A ocorrência desses fatos provoca distorções no processo ensino e aprendizagem, podendo verificar na dificuldade em que a maioria dos alunos tem de aprender conceitos de Matemática. Não conseguem perceber para que serve o que aprenderam e cada vez mais o ensino se distancia da realidade, desenvolvendo uma fobia pela Matemática (Papert, 1980). De que adianta um aluno memorizar o Teorema de Pitágoras se não compreende o que pode fazer com essa informação na resolução de problemas da vida real?

É possível atenuar esse quadro, optando por uma abordagem educacional que possibilite aos alunos maiores oportunidades de desenvolver o processo de construção do seu conhecimento, estimulando atividades de resolução de problemas contextuais na sala de aula, por meio de ambientes potencialmente poderosos, visando proporcionar o aprendizado matemático.

O potencial existente no computador, como um novo instrumento pedagógico, opera uma mudança nos currículos e modelos de ensino e aprendizagem tradicionais nas aulas de Matemática. Em razão dessa mudança, uma das tarefas mais importantes dos professores de Matemática é tirar proveito dessa nova tecnologia, de forma a ser um elemento propiciador de um novo paradigma educacional: centrado no aluno na construção do conhecimento matemático.

O computador é conhecido como uma máquina que realiza operações numéricas, gráficas, simbólicas e lógicas. Mas o que o torna poderoso é o fato de poder ser programado, por meio de uma linguagem computacional. Mais especificamente quando se utiliza a linguagem Logo, que foi desenvolvida baseada numa filosofia educacional que enfatiza uma abordagem pedagógica construtivista (Parpet, 1980; Valente, 1993).

Para programar o computador o aluno parte de um conhecimento intuitivo ou não e no processo de resolver um problema no computador, ele inicia raciocinando como resolvê-la. Ao ensiná-la para o computador, descreve a sua ideia inicial com base nos seus conhecimentos, utilizando os comandos da linguagem e pede que sejam executadas as instruções dadas. Reflete sobre o resultado obtido na tela do computador e confronta com suas ideias iniciais. Caso não estejam de acordo com o esperado, ele depura as instruções dadas inicialmente, alterando ou acrescentando novas informações. Essas informações poderão ser obtidas a partir do seu próprio conhecimento ou com a interação com o professor, os colegas ou outras fontes de informações. Dessa maneira, ao programar o computador, o aluno tem a oportunidade de construir seu conhecimento, propiciando a sistematização e a formalização dos conceitos envolvidos na implementação de um programa computacional.

Este artigo aborda parte de uma atividade de sala de aula que utiliza o ambiente computacional Logo por considerar que a principal ideia subjacente a esta ferramenta é a de que os alunos podem fazer a sua própria Matemática, isto é, pode mudar a forma de como a Matemática é ensinada e aprendida nos diferentes níveis.

A proposta tinha como objetivo reavivar o interesse do aluno pela Matemática e em especial pela Trigonometria. Mais ainda: criar um ambiente, onde ele, aluno, pudesse criar seu objeto de trabalho, manuseá-lo e compreender de fato os conceitos matemáticos que por ventura surgissem, isto é, "fazer Matemática", ou melhor, "aprender Matemática, fazendo Matemática".

A intenção era que o aluno construísse um objeto e através do seu manuseio compreendesse a Trigonometria do Triângulo Retângulo e reconhecesse a sua aplicabilidade em situações do dia a dia. Para isso, deveriam desenhar na tela do computador, uma palavra com as letras maiúsculas do alfabeto que na sua construção utilizam além do ângulo reto, ângulos agudos.

Para resolverem o problema, após a escolha da palavra, o primeiro passo foi elaborar um procedimento para cada letra da palavra que, quando executado, deveria "caber" em um retângulo invisível e variável. (Valente, J.A. e Valente, A.B.,1988) Optaram por um retângulo onde a medida da altura era o dobro da medida da base.

Começaram pela elaboração dos procedimentos que desenhavam as letras consideradas retas, isto é, não têm linhas inclinadas. A definição dos procedimentos foi trivial. Para o desenho das letras que têm retas inclinadas, a definição dos procedimentos exigiu um pouco mais dos alunos, pois o ângulo de inclinação e o comprimento da reta inclinada variam de acordo com a altura e a largura da letra desenhada. Pelo fato dessa relação ser trigonométrica, na sua construção utilizaram conceitos envolvendo a Trigonometria no Triângulo Retângulo. Para exemplificar, segue abaixo, o desenho (Fig. 1) e o procedimento que desenha a letra N.


Fig. 1 - Desenho da letra N "dentro" do retângulo invisível

Para o desenvolvimento da elaboração do procedimento, o comando pf :altura desloca a tartaruga da posição inicial para uma outra posição. Ela anda :altura de passos, desenhando a parte esquerda da letra N, isto é, a altura do retângulo que a "contém" (Fig. 2).


Fig. 2 - Desenho da parte esquerda da letra N

Para o desenho da parte central da letra, perceberam que a reta que precisariam desenhar, correspondia à diagonal do retângulo invisível que continha a letra. Para isso, era preciso descobrir o ângulo que a tartaruga deveria girar à direita se posicionando na direção correta para desenhar a diagonal (Fig. 3).

Fig. 3 - Desenho da lateral esquerda da letra N com o giro da tartaruga procurado e a diagonal

Pensaram o seguinte: a diagonal do retângulo dividia-o em dois triângulos retângulos onde os catetos tinham como dimensões :altura e :altura/2. Então, a diagonal era a medida da hipotenusa dos dois triângulos retângulos (Fig. 4).


Fig. 4 - Ilustração da figura para o cálculo do ângulo procurado

Com os valores dos dois catetos (:altura e :altura/2), utilizando a relação entre os dois valores, obtiveram o valor da tangente do ângulo (cateto oposto/cateto adjacente) formado pela hipotenusa (diagonal) e o cateto adjacente ao ângulo (parte esquerda da letra N) igual a 1/2. Para obterem o valor do ângulo necessitavam de conceitos que ainda não haviam utilizado: a função arctan. Com o auxílio do professor chegaram a esse valor, utilizando a função arctan existente no Logo (arctan 1/2). Mas, o que precisavam era o ângulo que correspondia ao giro da tartaruga e verificaram que obteriam esse valor, escrevendo o comando
pd (180 - arctan 1/2)
porque o ângulo encontrado e o ângulo correspondente ao giro da tartaruga tratavam-se de ângulos suplementares.

Para traçar a hipotenusa, precisariam descobrir o seu valor. Lembraram da relação do Teorema de Pitágoras.

Utilizaram-na, efetuando os cálculos e chegaram ao resultado da medida da hipotenusa (diagonal) e escreveram o comando pf (rq 5) * :altura/2, obtendo a figura ao lado (Fig. 5).


Fig. 5 - Desenho da lateral esquerda e parte central da letra N

O comando pe (180 - arctan 1/2) executa um giro contrário ao anterior, fazendo com que a tartaruga fique na direção 0 para desenhar a lateral direita da letra. Perceberam que tratava-se de ângulos correspondentes porque as laterais da letra são paralelas, cortadas por uma transversal (parte central da letra). (Fig. 6)


Fig. 6 - Desenho da lateral esquerda e parte central da letra N com a tartaruga na direção 0

Finalmente, a lateral direita da letra é executada com o comando pf :altura. Para que a tartaruga volte ao seu estado inicial, isto é, o canto esquerdo inferior do retângulo invisível, escreveram os comandos pt :altura un pd 90 pt :altura /2 pe 90 ul. (Fig. 7).


Fig. 7 - Resultado da execução do procedimento n na tela do computador

A partir da elaboração dos procedimentos que desenham as letras, fizeram outros programas para a formação das palavras e para isto foi necessário utilizar outros conceitos de programação e de matemática.

Com o desenvolvimento da atividade, o tópico Trigonometria no Triângulo Retângulo foi cumprido de uma maneira diferente e poderia ainda ser de outra se utilizássemos, por exemplo, o ambiente LEGO-Logo (Sidericoudes, 1993), simulando a subida de um plano inclinado por um carrinho.

Esta possibilidade de o aluno explorar o mesmo tópico em diferentes situações de aprendizagem, lidando com diferentes pontos de vista, com diferentes representações do conhecimento é fundamental para que aprenda a relativar e recontextualizar os conceitos envolvidos.

No entanto, a criação de um ambiente Logo de aprendizagem não é garantida apenas com a montagem de uma sala com computadores. É fundamental neste ambiente a postura de professores que sejam capazes de facilitar o processo ensino-aprendizagem, interando-se de como ocorre e como pode ser alimentado, provocando uma mudança na prática educativa mais condizente com as necessidades dos alunos e da sociedade atual.

Referências Bibliográficas

D'Ambrosio, U. (1993) Etnomatemática - Arte ou Técnica de Explicar e Conhecer, 2ª edição. São Paulo: Editora Ática

D'Ambrosio, U. (1986) Da Realidade à Ação, Reflexões Sobre Educação (e) Matemática. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas.

Papert, S. (1980 ) Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. Basic Books, New York.

Traduzido para o Português em 1985 como Logo: Computadores e Educação, Editora Brasiliense, São Paulo.

Sidericoudes, O. (1996) Desenvolvimento de Metodologias de Ensino-aprendizagem da Matemática em Ambientes Computacionais Baseados na Estética Logo. Rio Claro: UNESP, 164p. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - UNESP, Rio Claro.

Sidericoudes, O. (1993) Uma atividade LEGO-Logo em Trigonometria. In: Valente, J.A. (org.) Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, pag 367 a 378.

Valente, J.A.(1993) Por Quê o Computador na Educação? In: Valente, J.A. (org.) Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, pag 24 a 44.

Valente, J.A. e Valente, A.B. (1988) Logo: Conceitos, Aplicações e Projetos. São Paulo, Editora McGraw-Hill, pag 123 a 127.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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