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Contar histórias: uma linguagem de afeto

Laerte Vargas

Contador de histórias

O processo de formação de um leitor começa bem antes dele aprender a decodificar a leitura a partir do texto escrito. O início deste caminho e a sedução para o mesmo se dão ainda no berço, através dos acalantos e parlendas e, claro, da ambiência de afeto que este momento propicia.

A partir das cantigas de ninar, a criança vai criando ferramentas para se tornar leitor e identificar a espinha dorsal de uma narrativa.

No entanto, é errada a ideia que comumente se tem de que contar histórias é privilégio dos pequenos. A prática do ofício de contador de histórias e dinamizador de oficinas tem me mostrado que contar e ouvir histórias é uma arte sem idade, o que confirma a máxima popular que diz que "de uma boa história ninguém escapa".

As histórias não só ensinam como também convidam a olhar para dentro, pois mostram os percalços e deleites que a vida nos reserva. Algumas linhas de psicologia, inclusive, defendem a ideia de que crianças que ouvem histórias na infância se tornam adultos mais seguros e profissionais bem sucedidos. Isso porque o texto ouvido na infância fica ecoando em nossa memória afetiva e serve de alicerce para o processo de individuação; internalizamos a ideia de que a vida não é exclusivamente um mar de rosas e de que temos muitos dragões e bruxas a vencer nesta trajetória de crescimento.

Mas, afinal, o que conta o conto?

As histórias populares mostram sempre, num primeiro plano, um personagem sendo compelido a um processo de transformação: ele é expulso de casa ou tem que fugir; enfim, sair do âmbito familiar para cumprir uma tarefa essencial para sua sobrevivência ou de um ente querido. Muitos contos iniciam mostrando a morte da mãe "perfeita demais" para que possa dar lugar a um indivíduo único e inimitável. A partir disso, ele se confrontará com impasses morais, terá que discernir o bem do mal, atravessar florestas escuras (seus medos) para fazer jus ao "ser feliz".

Na verdade, são questões que não fazem parte unicamente do repertório infantil e, sim, norteadores para uma vida com mais qualidade e expressão.

As histórias nos acordam dos nossos encantamentos, abrem espaço para outros e se tornam fiéis parceiras em nossos processos de transformação.

"Mas, já temos tudo pronto... A televisão não é o mais prático contador de histórias?", perguntarão alguns.

Sem dúvida, a televisão hoje em dia é uma janela para o mundo. Mas, quanta poluição entra quando resolvemos abrir a janela de nossa casa?

Simplesmente apertamos um botão, selecionamos um canal e não nos preocupamos em (e nem temos tempo para) filtrar o que é servido às nossas crianças... E quanto da capacidade imaginativa cerceamos quando damos as imagens já prontas e num ritmo industrial que nunca conseguirá suprir a afetividade que o contar histórias proporciona!

Em uma sala com trinta leitores/ouvintes, encontraremos trinta princesas, trinta reinos, trinta impasses e trezentos milhões de sonhos alimentados. Cada ouvinte imaginará a história do seu jeito, ele mesmo será o pintor desta tela e elegerá as cores que usará.

E, o melhor de tudo, terá os olhos do contador como porto seguro para sua viagem.

Tudo isso faz do contar histórias uma linguagem única e que pode ser desenvolvida por qualquer um que tenha no coração um ninho aconchegante para recebê-las e compartilhá-las.

Para fazer parte da comunidade de contadores de histórias e agentes de leitura (lista de discussão na Internet), entre em contato com o autor: spaco@easynet.com.br.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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